6 homens que ensinam como ser incrível – e um plus indispensável

Agosto costuma ser um monte de coisas e tem até gente que diz que é mês do desgosto ou associa a coisas negativas. Mas eu só tenho coisas boas a dizer sobre agosto.

Pessoas maravilhosas da minha vida nasceram nessa época, e algumas pessoas nasceram na minha vida nesse mês, que tem agradável tendência de me reservar coisas boas. 

Bem, parece que alguém mais viu uma bela oportunidade nessa lacuna do calendário comercial e nasceu o dia dos pais.

Eu sou totalmente favorável à noção de que, dia dos pais, mães, mulheres, crianças, homens, avós, papagaio (e tudo aquilo que se fala, se vê e se prega nessas datas) é a gente quem faz, não precisa ter data ou presente.

Mas também sou totalmente favorável a todas as desculpas que surgem para comemorarmos ao lado das pessoas que amamos.

Afinal é sempre gostoso lembrarmos das que representam determinados papéis na nossa jornada, refletirmos sobre suas importâncias e reconhecê-las como fundamentais. E agora é a vez dos pais.

Só que tem muita gente que não tem um pai presente ou vivo. Que não tem um pai. Ou não vê sentido nessa data por qualquer outra razão.

E, embora eu reconheça que “figura parterna” não necessariamente deva ser exercida por um homem, nem reflita uma vida afetiva incompleta, eu optei por ser mais tradicional. 

Portanto, esse ano decidi “comemorar o “Dia dos Pais”  de uma forma diferente: homenageando os homens que mais influenciaram/influenciam a minha formação, meu desenvolvimento como ser-humano, independente do aspecto parental. Afinal:

  1. A figura paterna não necessariamente é tão “paterna” assim;
  2. Homens representativos nem sempre precisam ser reais.

Estes homens incríveis foram ordenados de forma crescente (ou seja, começando com aquele que exerceu menor “poder”).

E nesta lista você vai encontrar os seis que não consigo deixar de lembrar com um sorriso no rosto e um brilho no olhar.

São homens que despertam em mim uma profunda admiração, respeito, inspiração. Que representam o que eu posso ou quero me tornar quando “crescer”.

Eles me ensinaram ou seguem ensinando algo de muito valoroso de que raramente abro mão. 

Esses homens provam que não precisa ser pai ou herói para ser “homem”.

Eles estão aqui justamente porque foram capazes de serem “de verdade” e estarem sempre dispostos a buscar sua melhor versão.

De enxergar o outro, de enxergarem a si mesmos. De pedir desculpas. De valorizar as pessoas. De dizer “eu te amo”. De serem sensíveis, e também falhos. De chorar.

E nunca deixar de serem extremamente fortes e seguir a luta. Enfim: humanos. Humanos incríveis. Em toda sua beleza e complexidade. 

 

1. Roland de Gilead (Deschain)

Homens Incríveis - Roland o pistoleiro
resiliência, equilíbrio, o peso das projeções, foco, frieza tática, análise e conscientização dos problemas

O melhor pistoleiro das galáxias e dos mundos transversais é também um dos homens mais sensíveis, resilientes e inspiradores que já conheci. 

Eu poderia, facilmente, traçar uma série de metáforas e comparações entre minha vida e a dele, minha busca e a dele.

Porque Roland guarda dentro de si memórias inteiras desde sua primeira infância, os infortúnios e as interpretações que fez de tudo que já aconteceu com ele ou perto dele. 

E, enquanto cresce, projeta uma busca ideal. Uma coisa que, caso ele conquiste, poderá dizer que cumpriu sua missão.

Ele não sabe exatamente como fazer issso, nem o que de fato isso representa.

Roland raramente questiona sua busca: ele simplesmente sente que é isso, e faz tudo que pode para chegar

Obstinado e solitário dedica anos de sua existência a atravessar mundos e tempos, sobrevivendo a cada um dos problemas que aparecem, mesmo quando tudo indica que aquela é a linha de chegada para ele. 

Roland também é constantemente surpreendido por difíceis decisões entre sua busca objetiva e suas necessidades emocionais e subjetivas.

A vida lhe ensinou que é preciso serenidade emocional, respeito a si mesmo e aos outros, foco e frieza tática para conseguirmos resolver problemas de forma assertiva.

Tanto que evoca a isso com um mantra clássico da aventura:

“Eu não miro com a mão. Aquele que mira com a mão esqueceu o rosto de seu pai. Eu miro com o olho. / Eu não atiro com a mão. Aquele que atira com a mão esqueceu o rosto de seu pai. Eu atiro com a mente. / Eu não mato com a arma. Aquele que mata com a arma esqueceu o rosto de seu pai. Eu mato com o coração.”


Mas se tem algo admirável sobre ele, é que não há ponto sem nó: ele não abre mão de nada que lhe é realmente importante, apenas sabe quando aquele não é o momento, e inclui a pendência em sua lista. 

Em um momento parece difícil a ele entender que as pessoas não são simples passos convenientes para seus objetivos e que conexões emocionais não são como manivelas.

Em outro, ele é capaz de olhar para trás e perceber como poderia ter ido mais rápido, melhor, mais feliz, se tivesse feito diferente.

Se tivesse priorizado mais aqueles sem os quais não há vitória. 

Um dos conceitos mais perenes em toda a saga é prova disso. Afinal, esse Indiana Jones do multiverso foi o responsável por reforçar uma ideia primordial: a relevância que as pessoas têm na nossa jornada, sob o termo Ka e Ka-tet.

Ka…a palavra que vocês pensam como ‘destino’, Eddie. Embora o verdadeiro sentido seja muito mais complexo e difícil de definir. E tet, que quer dizer um grupo de pessoas com os mesmos interesses e metas. Ka-tet é o lugar onde muitas vidas são reunidas pelo destino”


Se por um lado ele é humilde, digno e honrado, por outro, demora a entender que nada é conquistado sozinho – pois chegar sozinho, depois que se conhece algumas pessoas, parece a verdadeira derrota. 

 

2. Pedro Bandeira

Homens incríveis - O escritor Pedro Bandeira
transgressão, desenvolvimento, superação, força e resiliência, coragem, gentileza, respeito


Posso dizer sem nenhum medo de parecer tola ou exagerada, que este homem foi um dos que salvou a transição entre minha infância e adolescência.

Conheci o Pedro Bandeira nas andanças bibliotecárias das fichas de leitura. 

Ali pela quinta-série, um dos livros disponíveis chamou minha atenção pela capa: um moleque de tênis, uma poça, um cenário bem urbano e “marginal”. 

Eu li, foi ótimo, mas nem se compara ao tesouro que vivia bem perto dele nas estantes.

Só quando fui devolver na biblioteca, é que o encontrei, em um dos livros mais marcantes daquele período (o que é bem relevante se considerar que eu lia dois a três por semana).

Quando vi o título não pensei duas vezes: A droga da obediência. Uma palavra odiada pelos adultos, outra odiada por nós, adolescentes. 

Li sem nenhuma pretensão e embora possamos imaginar que foi esse o segredo, ao ler o segundo do mesmo autor, me encantei ainda mais: O Anjo da Morte.

Daria até para brincar que considero Pedro Bandeira o Stephen King brasileiro dos adolescentes. 

Depois desses dois, li muitos outros dele, e passei meses encantada com cada novo personagem.

Mas, em todos, este homem incrível que eu considero pacas (em vários sentidos) era sempre o primeiro a tentar ensinar uma lição.

Uma lição que a vida nunca cansa de pôr em prova: tudo passa. Um momento pode parecer horroroso, sem fim, sem solução, o ponto final.

Mas é só um momento, e somos nós quem damos o devido peso a ele. Somos nós que o interpretamos e resolvemos de modo a dar sequência a uma série de resultados. 

Somos colocados constantemente diante de desafios, mas não podemos desistir.

Ás vezes sequer parecemos a pessoa certa para aquilo, não estamos preparados. Mas estar preparado é uma questão de perspectiva. 

O Pedro Bandeira me ensinou uma porção de coisas sobre ser adolescente, sobre reijeição, sobre dizer não e se impor, sobre autoaceitação.

Em diversos momentos foi como se ele sentasse ao meu lado na cadeira da biblioteca, colocasse a mão no meu ombro e dissesse: 



“Ei. Tudo bem se você não se encaixa. Ás vezes, não ser aceito, é a maior prova de que você está no caminho certo, o seu.”.


Fora isso – que já seria para lá de suficiente para uma recém-iniciada adolescente, rebelde, sem amigos, que ainda gostava de jogar bola e peão, gordinha e com uma alergia de pele que diziam ser contagiosa – eu ganhei amigos.

Eram fictícios, mas era agradável passar horas com eles, rindo e chorando com seus problemas que, ás vezes, eram meus também.

Sou muito grata ao homem de mente genial, gentil e imaginativa que os criou, e que me ajudou a criar parte do que sou também. 

 

3. Walter Bishop

Homens incríveis Walter Bishop de Fringe
convicção, autenticidade, humildade, escolhas decisivas, equilíbrio, a importância das pessoas


Se tem alguém que foge do estereótipo de “figura paterna” é esse cara. Ao mesmo tempo, desde que o conheci, não encontrei maneiras de não amá-lo.

Mesmo depois de eu “não ter mais notícias dele”, nunca deixou de fazer parte da minha vida.

E realmente carrego comigo seus sorrisos, reflito sobre suas dores e relembro de tudo que aprendi.

Convicto de seus ideais e mais fiel a eles do que às suas conexões interpessoais, Walter Bishop mostra-se uma pessoa. Não um pai.



Afinal, embora normalmente nos esqueçamos, um pai é um homem, uma pessoa, muito antes de ser um pai.

Tem falhas absurdas, traços inconcebíveis, sofre para adaptar-se às expectativas e frustra-se, quase como uma criança, quando sente-se pressionado a abrir mão de algo.

Curiosamente ele precisa, constantemente, escolher entre as duas coisas que mais importam para ele. 

E a vida testa quase cruelmente sua capacidade de decidir “certo”.

A ciência – associada à vaidade que quase todos nós temos, de nos imprimir no mundo, de fazer alguma diferença, de ter e seguir um propósito. E um filho.

Algo que Bishop não necessariamente idealizou, fantasiou e planejou – tal como suas aventuras científicas – mas que lhe despertou sentimentos nunca imaginados.

E esse duelo respinga em diversos momentos decisivos de sua jornada.

Como cientista, ele é imbatível, icônico, divertido, bem-humorado, impulsivo, apaixonado, incoerente e brilhante: sempre sabe o que está fazendo e como resolver quando as coisas não saem como esperado. 

Como homem e pai…bem, ele talvez seja um homem e pai comum: cheio de imperfeições, erros em cima de erros – alguns, pode-se dizer, dignos de serem considerados imperdoáveis por uma grande maioria. 

Mas este cientista incrível, esse homem ingênuo de personalidade maluca, esse pai terrivelmente falho é também absurdamente humano e humilde.

Com ele, aprendi a importância de assumir nossos erros e de não desistir de se responsabilizar para consertá-los. 

Isso envolve mostrar-se fraco. Imperfeito. Frágil. Incompetente. Incapaz. Vulnerável. 

E, o mais importante: ele me lembrou porque e como sermos autênticos é fundamental para encontrarmos aquilo que buscamos.

Me lembrou que ser diferente não é um problema. Que a extravagância, a ingenuidade, a espontaneidade não são defeitos.

Nos mantermos verdadeiros sobre quem somos é, ao mesmo tempo que um ato de lealdade conosco mesmo, um desafio de convivência com os demais e uma forma de nos conectarmos com quem realmente interessa e faz a diferença. 

 

4. Carlos Ruiz Zafón

 

Homens incríveis - O escritor Carlos Ruiz Zafon


Falar sobre homens que me impactaram profundamente, sem falar deste, seria incoerente.

Como já disse, livros, séries, filmes e músicas contribuíram muito para a minha formação.

É inevitável, portanto, que outro escritor figure por aqui, nessa lista seleta.

Então, a exemplo do Pedro Bandeira, conheci o Zafón em um momento particularmente doloroso da minha vida: um homem saía dela, enquanto outro ia se aproximando, carregando mais um (ou vários), em forma de livro, embaixo dos braços.

Com ele, o autor do tal livro – ou melhor, por meio dele – eu chorei, dei risada, fiz novos amigos, tive novas perspectivas, e comecei a entender e aceitar a impermanência das coisas.

Aprendi que nossa vida, tão curta e ao mesmo tempo tão imensa, é composta de fases que carregam um pouco de nós.

Em alguns aspectos, deixamos no passado coisas que não nos servem mais, e em outros, buscamos novas roupagens para nosso eu.

Mas, no meio de tudo, podemos conhecer universos fantásticos e pessoas incríveis.

Mudar para sempre a nossa vida e a vida daqueles que temos a chance de conhecer – positiva ou negativamente, mas nunca sem a devida resposta do universo. 

Por ele fui lembrada também, várias vezes, que o tempo passa muito rápido.

Que as escolhas mudam tudo. Mas que sempre é possível respirar fundo e começar de novo

Que o orgulho e a vaidade são nossos piores inimigos mas chegam das maneiras mais inusitadas e, ás vezes, imperceptíveis. 

E, sobretudo: que a vida é mesmo complexa, difícil e mesmo assim, impecável, magnânima e linda. 

 

5. O homem que a vida trouxe

Homens incríveis - Os presentes que a vida da
pureza, lealdade, generosidade, simplicidade, ética, calma, frieza tática, gregário, bondoso, generoso, humildade

Como essa é uma lista de homens incríveis – posso garantir que, conhecer o Caciano foi uma tremenda sorte. 

Claro que a intimidade traz a vantagem de poder ver em alguém mais do que ela mostra à maioria.

Mas mesmo antes de eu cogitá-lo como meu companheiro de vida, eu já o admirava e respeitava. 

Então, isolando o papel social que ele representa na minha vida, se eu tivesse oportunidade de saber sobre ele tudo que sei hoje, mesmo que como somente amiga, ele estaria nessa lista. 

Primeiro porque ele é real. Segundo porque…ele me aguenta TODO DIA. Ou seja, um verdadeiro herói.

Mas pulando a parte humorístico-depreciativa, é realmente um privilégio conviver com alguém assim, realmente puro, verdadeiro, sereno, generoso e completamente ético.

O Caciano é do tipo de pessoa que sempre busca fazer o que é certo. Ao longo de todos esses anos, nunca vi ele falar de mal de alguém pelas costas, denegrir o outro.

Em todos os ambientes que transita, em todos os grupos que integra, em todos os momentos, com todas as pessoas: ele é o mesmo

E eu não poderia esperar outra coisa: o mais velho dos quatro filhos de um casal silencioso mas amoroso, passava o dia inteiro andando por aí, no sítio dos avós, no meio do mato e dos bichos, voltando cheio de lama e fome.

Lembro até hoje quando ele me contou das suas lembranças e como aquilo me tocou de um jeito novo.

A forma com que seus olhos brilhavam ao falar do avô e das suas aventuras, com nomes de plantas e animais dos quais eu nunca tinha ouvido falar.

Ou do dia que ele plantou o bambu que está, até hoje, nos fundos da casa dos pais.

E de como aquela fala macia, alegre e calma transmitia a essência de uma alma leve impossível de não se amar. 

O Caciano compartilhou, desde o início, o universo fantástico daqueles que se desenvolvem longe das maldades, regras, exigências, expectativas e protocolos sem sentido da sociedade “urbana” e me lembrou que existe um modo bem melhor de viver.

Por coisas assim ele me inspira a buscar a melhor versão de mim sem falar nada, apenas sendo ele. E é sempre difícil falar sem parecer declaração de amor eros, cego.

Então: é claro que, ainda bem, ele tem defeitos. Mas mesmo esses defeitos são compatíveis com as coisas boas que ele guarda. 

É delicioso olhar para trás e ver como eu mudei por causa da tranquilidade perene que ele transmite, do modo cuidadoso, sistemático e frio com que resolve os problemas.

Ou mesmo pela forma elegante, sutil e firme com que se desvia daquilo que não lhe agrega.

Que poupa energia e esbanja sabedoria ao abrir mão de tentar controlar coisas que estão fora do seu alcance.

E de como dedica-se em manter todos os seus vínculos saudáveis. Porque algumas pessoas preferem perder o amigo a perder a piada, ou ter razão a ser feliz.

O Caciano, por sua vez, faz muitas piadas, principalmente com amigos, mas jamais colocaria em risco uma amizade ou qualquer tipo de relação positiva por orgulho, vaidade ou teimosia. 

Ele é, definitivamente, como aquela música, o tipo de pessoa que chega de mansinho, sem avisar, sem fazer alarde, e vai ficando até ficar.

Surpreede todos aqueles que lhe dão a chance de mostrar que ele será o amigo mais leal, confiável, justo e amoroso (do seu modo sutil e cuidadoso). 

Ele não mente. Se esforça sempre para ser melhor para todos e para ele mesmo.

Está sempre disposto a ouvir. É verdadeiramente compreensivo, tolerante e amigável – mesmo com aqueles mais diferentes dele.

Não tem medo de chorar. Nunca fala ou faz aquilo que não acredita ou sente realmente.

Fica feliz com as coisas mais simples. É uma das pessoas mais humildes que eu conheço (talvez a MAIS humilde).

Portanto, ele merece estar aqui. Não como marido. Mas como homem, como ser-humano incrível que sempre foi e nunca deixará de ser: comigo ou “sem-migo”  

 

6. O homem que a vida deixou

Pai incrível
o homem por trás do pai, abnegação, amor incondicional, sabedoria, coragem de ser ele mesmo, autenticidade, a imprtancia das pessoas, bondoso, conectado a natureza


Cara. É claro que deixei propositalmente pro final, fechando com chave de ouro.

Não dá pra terminar um artigo sobre homens incríveis sem falar desse em particular.

Dentre todas as figuras parentais disponíveis no mundo, a minha é a mais óbvia.

Porque, se de um modo ele foi levado, de outras tantas ele ficou e mostrou que o legado é mais forte que a matéria.

Infelizmente, não tive a experiência de tomar cerveja com ele. De mostrar a ele minhas descobertas ás vezes divertidas, ás vezes dolorosas sobre a vida. 

Não pude levar ele para passear, ouvir novos conselhos, nem compartilhar com ele meus conflitos – tão parecidos com os dele. Não pude me tornar adulta, realmente, e tê-lo fisicamente ao meu lado.

Talvez, inclusive, eu teria demorado muito mais para me tornar uma, e mesmo na sua partida, houve uma lição.

Nem pude ser mais sua amiga e menos sua filha – coisa que costuma acontecer quando crescemos o suficiente para entender algumas coisas.

Mas isso é algo que como adulta, posso fazer com ele. Porque uma das coisas mais gostosas de se tornar adulto é poder revisar tais “personagens” da nossa vida com outro olhar. 

Com a perspectiva de que ali há uma pessoa, uma trajetória única, um universo inteiro, um conjunto de dores e glórias que sustentam a construção toda. 

Então, eu poderia mencionar milhares de coisas sobre meu pai: como o fato de ele ser imensamente afetuoso ou de não pensar duas vezes ao tirar a comida do seu prato para dar para nós – em quaisquer circunstâncias.

Eu também poderia citar os relatos de como ele passava horas nos segurando, sem movimentar um dedo para não nos acordar.

Ou como era capaz de comprar briga com minha mãe (se vocês conhecessem minha mãe, saberiam como ela é maravilhosa e doce, mas também entenderiam o tamanho da coragem dele) para nos defender.

Ele dizia o tempo todo o quanto nos amava. Como éramos tudo para ele e ele não seria nada sem nós. Como, tudo que ele fazia, era para e por nós.

E nos carregava no colo ou nos ombros mesmo quando já éramos muito grandes; nos colocava para dormir mesmo quando não merecíamos. 

Mas, novamente, muito antes de ser meu pai, este homem também era um ser-humano; caçula e único filho homem de uma família com cinco irmãs.

Minha avó era descendente de uma mistura entre negros e portugueses e, partindo do lado mais pobre, passou por uma série de dificuldades e mudanças bruscas. 

Meu avô, por sua vez, era um descendente de italianos quase austríacos.

Os dois, como muitas famílias antigas, constituíam uma base trabalhadora, forte, silenciosa, rigorosa e exigente. 

Portanto, como tantos garotos daquela geração, o Calinho ou simplesmente Cau (denominação que, só depois, descobri não ser seu verdadeiro nome) passava a maior parte do dia pela cidade, chutando pedra e bola de meia, andando pelos trilhos de trem, jogando peão e bolinha de gude. 

Dono de um coração enorme, também se apropriava de uma personalidade forte: apanhava de relho, saía correndo, se escondia debaixo da mesa e falava palavrão.

Então, acho que desde sempre, lidar com ele não era exatamente fácil. Mas estava longe de ser extremamente difícil. 

O mesmo garoto que foi expulso de várias escolas, desobedecia e zombava professores, fugia da escola – perdendo excelentes oportunidades, como homem, na época, de seguir com os estudos – também defendia os amigos a ferro e fogo, e tinha uma enorme reverência e carinho pelos pais.

O contato com eles, ainda assim, era limitado a funções como ajudar a mãe com o galinheiro e comprar coisas na mercearia para a casa, com o dinheiro suado que entrava dos trabalhos de construção do pai – o qual, vez ou outra, acompanhava para ajudar.

Assim, todas as desculpas para se passar um tempo a mais juntos eram devidamente aproveitadas por todos.

Não havia cuidados extras, atenções desmedidas, preocupações delicadas: a vida precisava ser prática. É claro que meus avós amaram incondicionalmente meu pai, assim como a todos os filhos.

Mas a manifestação desse amor era restrita a gestos de sobrevivência: dar comida, roupa, casa, cama e alguns afagos e sorrisos esporádicos. 

Costumava contar que, um dia, meu avô encheu os olhos de lágrimas ao observar seu modo de ser pai.

Havia, de certa maneira, um saudosismo de tudo que não existiu naquela relação, e uma vontade de viver aquilo que, talvez, aconteceu incontáveis vezes em sua imaginação.

Correndo risco de parecer epílogo para lápide (mas muito longe disso), ele foi um profissional eficaz, trabalhador e empático.

Um amigo leal e generoso. Um filho dedicado e amoroso. Inclusive, sobre isso: ele amava demais as pessoas.

Tanto é que, mais de uma vez, disse que o que mais gostava do comércio era conversar com pessoas diferentes, trocar ideia, conhecer o mundo através daqueles que sentavam no balcão da sorveteria. 

Bem verdade que, talvez, nem sempre nós conseguíamos retribuir na mesma medida, o que lhe deixava melancólico e frustrado várias vezes. 

Mas ele nunca deixava de amar, de usar todo seu arsenal possível. E seus gestos puros dispensavam autopromoção. 

Comportamento cujos louros se estenderam, mesmo depois de “partir”, já que continuamos a ouvir declarações que sempre nos surpreendem e nos trazem alegria.

Minha mãe me contou por exemplo, que essa semana mesmo, em uma visita, descobriu que ele levava sorvete à uma vizinha idosa e passava um tempo com ela, sentado na varanda, conversando, rindo e fazendo-lhe companhia.  

Ela me perguntou: “tu sabia disso?”. Eu não sabia, papai, mas quem te conhecia, sabia que isso era a sua cara

Outro fator é que, embora ele não tivesse graduação – em partes pela sua indisciplina e inquietude, já mencionadas – lia muito e era assustadoramente inteligente e sagaz, com percepções aguçadas sobre alguns assuntos.

Bastante gregário, se dava bem com todos os tipos de pessoa e, inclusive, confiava demais – talvez por isso tenha repetido várias vezes que não devemos confiar em absolutamente ninguém

Este homem também era uma pessoa muito nervosa. Rapidamente ficava irritado e era constantemente movido por impulsos.

Mas, da mesma maneira que acreditava na sua intuição e nas suas crenças, era extremamente autêntico.

Eu não sei bem se preservei algumas de suas características como forma de mantê-lo por perto, se sempre tive semelhanças claras com ele, ou se fruto do que sou hoje é do que aprendi na convivência. 

De qualquer maneira, algumas coisas que meu pai sempre dizia nunca vou esquecer.

São coisas que eu levo comigo e repassei ao meu sobrinho. Coisas que eu contarei, caso um dia eu tenha, aos meus filhos, sobre o avô que eles não conheceram.

Por exemplo, este homem incrível, me ensinou que: 

  • É bom cumprimentar as pessoas na rua. Mesmo quem a gente não conhece. É um gesto de cuidado, educação e gentileza que não custa nada e deixa todo mundo mais feliz e conectado. 

  • “Tem duas coisas que não aguento: calça curta e sapato sujo.” 

  • Poupar é fundamental, e uma questão de hábito, disciplina, otimização e inteligência: deixar de gastar com aquilo que não importa possibilita viver melhor o que importa e alcançar qualquer objetivo. 

  • O conhecimento é o tesouro mais importante a ser adquirido, ninguém pode roubá-lo de você e sempre é possível transformá-lo em algo ainda melhor e valioso. 

  • Uma pessoa não precisa ser rica ou andar com roupas e sapatos caros, ela precisa ter dignidade, ser honesta, e se esforçar pelas coisas boas; é isso que a torna uma pessoa “de valor”. 

  • Nem todo mundo teve as mesmas oportunidades que você, então seja paciente e tolerante. 

  • É nossa responsabilidade cuidar do meio ambiente, nos comprometer a fazer o melhor por ele, fazer o possível para preservar as coisas boas da natureza. 

  • A tempestade é uma das coisas mais terríveis e belas do mundo. Assim como o mar, com o qual é preciso lidar com um cuidado extra: admirar, aproveitar mas sempre respeitar. 

  • Ás vezes é melhor pagar mais caro por coisas duráveis do que desperdiçar dinheiro comprando coisas baratas que estragam logo. 

  • Nem sempre as coisas são o que parecem, muito cuidado: “um sorriso largo, ás vezes, é pior que um soco forte no saco” (ele sabia que eu não tinha saco e, pra mim, dizia outras variações, mas eu já ouvi ele falando essa, e parece mais com ele).

  • A vida é muito curta. Valorize o que você tem. Viva sua vida plenamente, e realize seus sonhos antes que seja tarde. 

 

Aquele plus: ou seja…

É verdade: eu tive um homem realmente incrível para chamar de papai. Mas dizem que as saudades do que não tivemos doem mais.

Espero que seja mentira, afinal, a saudade do que tivemos já é bem dolorosa e, como diz a música: cada um sabe a dor e a delícia de ser o que se é.

De todo modo, torço para que você encontre suas próprias resoluções e que descubra, caso ainda não veja dessa forma, que não é a ausência de figuras que torna alguém incompleto, que deixa “lacunas”. Mas a indisposição de estabelecer conexões reais, verdadeiras, puras, com quem quer que seja, com quem quer que a vida oportunize. 

Portanto, se eu pudesse dar uma sugestão seria: esteja atento(a) a novas chances de se conectar com as pessoas e coisas certas, e agradeça as que teve até aqui, entregando-se verdadeiramente a elas. 

Abrace quem você ama, com barba ou sem barba. Jovens e velhos. Rabugentos e bem-humorados. Barulhentos e silenciosos. Discretos ou extravagantes. 

Diga que as ama, faça a elas declarações públicas e privadas de amor. Homenageie quantas vezes forem necessárias, de todas as maneiras possíveis. Não tenha vergonha nem medo. 

Mande cartas, bata fotos, almoce junto. Publique ou não publique. Despeça-se sempre de uma forma gentil e amorosa. Faça as pazes. Perdoe, mesmo que internamente. Dê beijos. Acarinhe.

Dê, antes de receber. Não perca tempo justificando seus erros com o erro daqueles que vieram antes de você. Não limite a sua capacidade de amar usando os mesmos padrões de limitações dos outros. 

Reserve-se ao direito de viver plenamente estas conexões que dispensam datas, protocolos, espaços, contextos, regras. Pois, acredite, elas podem passar mais rápido do que desejamos, antes que estejamos prontos. 

 

 

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