O universo perverso e nosso digno merecimento

Nem todo mundo gosta da gente. Quase nada é como a gente queria que fosse. E a vida segue apesar disso. Como lidar com essa realidade de forma madura e proveitosa?
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Sem aviso prévio de 30 dias, somos finalmente capazes de perceber. É, então, impossível negar que nossa mãe tava certa em parafrasear: tudo passa.

As estações mudam. Os cabelos caem, as unhas se tornam quebradiças quando uma unha nova se força a nascer.

A pele do pé, aquela contra a qual você insiste em lutar para afinar e amaciar em sessões caseiras de embelezamento, se desfaz.

Trocamos de carro, trocamos de meios de locomoção, surgem novas tecnologias. O que era barato se torna caro, o que era caro se torna barato.

O que era feio se torna bonito e o que era bonito se torna motivo de vergonha quando olhamos para as fotos do passado.

Aquela saia que era cafona e há dez anos atrás você usava se tivesse o sádico interesse em ser chamada de maria-mijona, se torna elegante e sai na Vogue. O tênis, antes prova de desleixo e desinteresse, agora é cool.

As plantas precisam ser podadas para dar lugar a folhas melhores. As árvores secam…e dão flores. O chão antes infértil ganha terra nova e adubo para dar lugar a novas árvores.

As pessoas partem. Ou deixam de fazer parte da sua vida para serem parte da sua história. Mudamos de casa. De rotina. De trabalho. De mentalidade.

As roupas que antes gostávamos já não parecem dizer nada sobre quem somos hoje e aquele cabelo parece nos incomodar.

As preocupações deixam de ser aquelas para serem outras. O que tanto nos atormentava antes parece, agora, bobagem. Nosso choro ganha motivos mais duros.

Os bebês, rapidamente crescem. Aquele pezinho vermelho e inchado do recém nascido se torna um artefato firme da sustentação que permitirá que, finalmente, ele ou ela explore o mundo no seu próprio ritmo: quem você só poderia carregar no colo, agora quer correr o mundo todo debaixo dos pés.

A rede de apoio com a qual antes você contava se dissolve. E, do contrário, também pode se refazer e ganhar um novo sentido mediante o inesperado.

Nós sabemos de tudo isso. Quando as mudanças (principalmente não tão boas) não acontecem conosco, chega até… ser bonito dizer, ler, ouvir falar.

Nós sabemos de tudo isso. Mas saber é tão diferente de sentir! Sob uma perspectiva racional somos capazes de perceber e entender que nada é permanente.

E, ainda assim, ficamos esperando que a vida ocorra exatamente do jeito que esperamos: céu azul (ou, no caso de alguns, nublado), sol, flores e sorrisos.

Esse foi o modo mais adequado que processamos para lidar com a valorização do sofrimento da era vitoriana, das guerras, da fome, das pestes, das crises financeiras que abalam o mundo: a ilusão.

Comerciais de margarina, barbies, o “American Way of Life” que germinou nos meados da década de 40…tudo pareceu uma ótima saída para a crise de 29 e outras porcarias que se pudesse imaginar. 

 

Mas,   ás vezes, o cadarço simplesmente é vermelho

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sim, até você se comporta assim

Afinal se, por um lado, a vida pode ser muito difícil, por outro, deve ser apenas uma preparação para nos tornarmos tudo aquilo que acreditamos que precisamos e gostaríamos de nos tornar. Mas não.

Uma pessoa que respeito, gosto e admiro muito me ensinou uma frase pela qual sou apaixonada até hoje (Sim, Ste! Estou te devendo um quadro rs) e que busco compartilhar sempre que considero pertinente. Afinal, há sempre a possibilidade de ser s vida dizendo:


“Não te dou o que você quer, porque não é o que você precisa.”


Então, flertando obsenamente com o achismo, talvez uma das razões pelas quais não sabemos lidar com a transitoriedade seja pelo fato de que transitoriedade significa que o que está bom, deixará de ficar – mesmo que também signifique que o que está ruim, dará lugar ao que você escolher tornar.

Outra razão é que demoramos muito mais tempo do que imaginamos para deixarmos de ser aquela criança que chora porque o cadarço do sapato não é azul – ou seja lá as razões estranhas pelas quais você chorava quando era criança.

Hoje estas razões parecerão bestas pra você. Porque, sob o olhar de quem já viveu e superou outras coisas, elas passam a ser.

Mas experimente se tornar o maior inimigo de uma criança ao debochar de sua dor e dizer a ela que aquilo é bobagem.

Obviamente, existem dores que uma criança experimenta que perduram na vida adulta. Eu arriscaria dizer que muitas dores e frustrações que carregamos na vida adulta, vêm justamente dessa fase

Só que estou falando daquelas situações em que realmente parecia que estávamos sendo espancados ou passando fome porque sua vó/pai/tia decidiu dizer “não” no supermercado.

Então, tente se lembrar disso: existem coisas que te perturbam hoje que parecerão ridículas no futuro. E existem coisas que te perturbarão por muito tempo.

Quanto às primeiras, se eu pudesse, sugeriria analisá-las com frieza e observar quanto de energia você está gastando com isso, no lugar de qualquer outra coisa melhor. 

Em relação às segundas, considere-as como parte, mas não ressignifique sua vida e suas decisões por causa delas.

 

Dos cadarços aos chinelos

nem sempre a vida cabe em um comercial, na verdade, geralmente não cabe mesmo

Bem, e tem uma outra coisa que precisamos admitir: nossa incrível incapacidade de sermos humildes.

De aceitarmos e entendermos que nem tudo podemos controlar e, com o restante, nos resta fazer o melhor que pudermos – mas que os resultados dependem unicamente de nós.

Então, quando sentimos a impotência de não controlarmos nada, culpamos. Os astros, Deus, as pessoas, Newton, o funcionamento do universo, seu amigo impertinente, Lavoisier.

E aquela pequena parcela de coisas que talvez possamos transformar em algo é compreendida apenas como martírio: afinal, você está cansado demais da vida para lidar com isso, certo?!


Mas lidar com essas poucas coisas que podemos transformar em algo é justamente do que se trata a vida.

Esta é a vida real. As dificuldades e como podemos aprender a sorrir e viver mesmo com a consciência de que elas estão ali.

É claro que, em alguns momentos, a vida parece estar tirando uma onda com a nossa cara. O universo parece estar conspirando especificamente contra nós.

É mais cômodo pensarmos dessa maneira ou adotar o cinismo como melhor companheiro, do que questionarmos nosso comportamento, nossas escolhas, nossos próprios obstáculos internos em evoluirmos: “o que estou precisando aprender?”

Questionar verdadeiramente, se perguntar o que aquilo significa e o que você PODE fazer com isso é, sem dúvidas, mais desafiante do que lamentar tudo aquilo com o qual você NÃO PODE fazer absolutamente nada.

Uma grande lição que este livro me ensinou – ou melhor, uma noção que foi reforçada a partir dele – é justamente isso: ser positivo não tem nada a ver com ignorar as merdas da vida. Tem a ver em considerá-las como parte da existência.

“Sentir-se confortável com o fracasso”, como sugere Mark Manson, parece uma boa ideia para o sucesso, afinal de contas.

Inclusive, vou deixar que Mark fale por si:

“A cultura em que vivemos hoje nutre obsessivamente expecativas pouco realistas. Ser mais feliz. Ser mais saudável. Ser o melhor, superior aos outros. Ser mais inteligente. Mais popular, mais produtivo, mais invejado e cagar pepitas de ouro de doze quilates antes de beijar uma esposa impecável e dois filhos perfeitos no café da manhã, depois ir de helicóptero para seu emprego extremamente gratificante onde você passa os dias fazendo um trabalho importantíssimo que um dia ainda vai salvar o planeta.”

Percebe como é isso que, no fim das contas, bem lá no fundinho, esperamos? E como é aburdamente, ridiculamente, próximo de um roteiro de filme de ação do Tom Cruise, do 007, do Indiana Jones ou de um punhado de super-heróis?

 

Surpresa!

“Oi, eu sou a vida real”

Tenho uma novidade pra você: você não é um super-herói (ou uma super-heroína) e provavelmente seu trabalho não vai salvar o planeta.

Você não viajará o mundo perseguindo vilões nem acordará no cume de uma montanha na Índia. Dificilmente você terá descoberto a maravilhosa Atlantis.

Muitas vezes seu trabalho – mesmo que você o ame – será simplesmente maçante e exigirá grande força propulsora, disciplina e comprometimento.

Com sorte, você encontrará um parceiro ou uma parceira de vida especial que, como todo ser-humano, carrega suas próprias dores e manias.

Mas não, este relacionamento não será perfeito, regado a sexo, jantares, viagens e sorrisos. Na maior parte das vezes será…normal. Porque a vida é, na maior parte das vezes, normal. E tudo bem.

Então, esta pessoa, que você escolheu para estar ao seu lado, fará coisas absurdas em muitos momentos.

Talvez ela bagunce o armário que você levou um dia inteiro para arrumar. Ou tenha problemas motores em repousar a toalha molhada no lugar certo.

Você ainda pode correr o risco de esta pessoa comer o resto do feijão e esquecer de deixar um pouco para você de vez em quando, ou ter o azar nada romântico do seu parceiro ou parceira ter um gênio ruim. 

Existe a chance de esta pessoa esquecer, dia-após-dia, de deixar os sapatos no lugar certo, ou que tenha a intolerável mania de guardar até o caldinho da carne e do tomate.

Caso você decida ter filhos, esqueça aquelas cenas de novela onde tudo é bonito, leve e maravilhoso. Há chances bem grandes de ser simplesmente doloroso, dificil, caótico, perturbador.

O parto não serão aqueles 60 segundos da Carolina Dickman maquiada de sofrência enquanto empurra o bebê. Acostume-se a ideia de que será irritante e que os gritos podem durar umas quatorze horas.

Ah! E aceite o fato de que eles serão criaturinhas que farão coisas estranhas, capazes de produzir coisas fedorentas e despertar uma fúria inexplicável em você.

Há enormes chances de um dia ele ou ela soltar um pum na sua cara, limpar o salão bem na hora daquela foto de família que tinha tudo pra ficar perfeita ou o mais velho fazer chifrinho na mais nova.

Quem sabe você terá uma filha “bunda-mole” como você disse que jamais admitiria, ou seu filho seja chorão de um jeito que você nunca imaginou.

Se você acha que, então, está tudo certo porque você já decidiu não ter filhos, você também está para lá de iludido(a)!

Não será essa simples decisão que tornará sua vida digna de clipe de hip-hop ou comercial de shampoo, desodorante, gillete.

Você não estará o tempo inteiro com pessoas lindamente esculpidas ao seu redor.

Seus amigos seguirão tendo suas próprias vidas, e as merdas não vão dizer: “Volta, volta gente, deu ruim. Esse aqui se deu bem e decidiu não ter filhos nem se casar.” ou: “Risca aí da nossa lista, essa aí tá proibido atormentar!”.

Não duvide: você também vai passar por uma porção de perrengues que julgará detestáveis ou até insuportáveis. E, ás vezes, sentirá a mesma solidão da sua amiga, casada e com filhos. 

Ah! Não: a probabilidade também não está ao seu lado em relação à moradia. Tão cedo você não estará morando na casa dos seus sonhos, talvez, nem um pouquinho.

Pode ser um apartamento no centro barulhento da cidade ou uma casinha bem simplesinha cheia de coisas para consertar.

Se for, tudo bem: paciência. Analise suas prioridades, trace uma estratégia e execute um plano de ação para mudar isto. Mas não espere pela mudança de casa para mudar de perspectiva.

O que quero dizer é que você, provavelmente, passará a maior parte da sua existência por situações difíceis – que se tornam ainda mais difíceis mediante as expectativas cheias de fantasia que colocamos nas coisas.

E esperar viver, sorrir e estar bem só depois que essas situações passarem é loucura e, por que não dizer, um dos maiores erro que poderíamos cometer.

Condicionamos todo nosso bem-estar nos contos da Disney. E envolvemos todas as pessoas e coisas no nosso devaneio. O mais bizarro é que, quanto mais fatores que fogem do nosso controle, mais possível aquilo tudo parece.

 


Por outro lado, quando entendemos que estar bem não tem muita relação com as condições ideais e nos libertamos da culpa de não termos sido capazes de realizá-las, a vida fica mais leve.


Você aceita, por exemplo, que pode ter vontade de esganar alguns membros da sua família de vez em quando, mas que é maravilhoso tê-los por perto.

Que a pessoa com quem você está construindo uma história é realmente incrível e estar com ela te tornou muito melhor.

Que você ainda não conseguiu fazer aquela viagem, mas que vai ser muito gostoso encontrar seus amigos no próximo final de semana.

Que você não tem o corpo que gostaria de ter, mas tem um coração quentinho e que, por enquanto, isso deve bastar.

Que, talvez, você gostaria de não ter tido filhos se soubesse o quão desafiante era. Mas você teve – e se não tivesse, sua vida teria dificuldades proporcionais à sua realidade.

Voltando ao Manson escritor (não o assassino): “O segredo para uma vida melhor não é precisar de mais, é se importar com menos e apenas com o que é verdadeiro, imediato e importante”

 

A lei do esforço invertido

Seja esse cachorro. Tô brincando – mas cê entendeu, né?!

Tudo isso parece ter muito a ver com o que descobri, mais tarde, se chamar também de “A Lei do Esforço Invertido”, do Alan Watts, que se resume assim: 

“O desejo de ter mais experiências positivas é, em si, uma experiência negativa. E, paradoxalmente, a aceitação da experiencia negativa é, em si, uma experiência positiva.” 

Há séculos passados essa ideia foi a base do Budismo. Tempos depois, foi um dos pilares do Estoicismo.

Provavelmente seria possível escrever umas vinte páginas sobre os inúmeros teoremas e conceitos relacionados, em diversos credos e culturas.

Mas pouco importaria: nenhum nome, teoria ou artigo poderá representar a totalidade e a complexidade individual das nossas experiências.

Sua dor é a sua dor e ninguém será capaz de compreendê-la completamente. 

Só nós sabemos o que carregamos, o que aquilo nos causa e o quão difícil é nos livrarmos de algumas malas pesadas que mal sabemos explicar como vieram parar no nosso carrinho. 

Mas, volto a falar: VAI passar. Não há como evitar isso. Nada é fixo. Não importam as suas escolhas, tudo vai estar passando, o planeta vai estar girando.

E as coisas não vão parar um pouquinho de acontecer porque deu uma boa complicada.


A vida não será paciente e não esperará você se recompor. Ela acontece enquanto e porque você se recompõe.



Para dar contorno ao que quero dizer, compartilho esse excelente trecho do longa Paddleton (2019) onde o personagem, brilhantemente interpretado por Ray Romano interpreta um outro personagem (ta, não importa, ne?). {ah! Se você tem Netflix, recomendo ver na versão legendada, ali pelos 32 minutos}


Em resumo: quando chegarmos ao último minuto, não haverá “misericórdia”. Você pedirá por mais tempo, desejará voltar atrás, viver todos aqueles problemas que, na época, te atormentaram tanto.

Mas adivinha só? Isso não vai acontecer. 

 

Então aproveite o segundo tempo

Apenas isso. O óbvio. O clichê do clichê. 

O que resta da sua vida está descortinando bem na sua frente e, enquanto o espetáculo acontece, você está preocupado porque a cadeira não está confortável o suficiente.

Não estou dizendo que, por isso, você deva sentir culpa. Por reclamar, por se queixar, por se cansar, por achar a vida uma senhora bem desagradável de vez em quando. 

Estou sugerindo que experimente uma existência onde isso não seja capaz de definir seu estado de espírito, ou pelo menos não prioritariamente. 

Porque, se nem todo mundo tem o privilégio da fé sobre para onde iremos depois da morte, qualquer um pode saber exatamente o que deseja fazer com todos os outros dias que restam. 


PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

Hoje a prática é bem simples, e não precisará ser executada por uma vida perfeita. Na verdade, seria até recomendável que se fizesse meio ao caos. Como alguns já sabem, eu amo listas. Portanto…
1. Trace três colunas. Em uma, faça uma lista de grandes amigos,  digo, de tudo aquilo que mais tem te incomodado ultimamente.
2.Na outra, force-se a visualizar o que poderia fazer de bom e produtivo com aquilo: como cada um destes incômodos poderiam ser uma oportunidade de aprender ou fazer algo? Não se preocupe…você não precisa achar uma coisa boa para cada coisa ruim, afinal, ãs vezes as coisas ruins podem ser simplesmente ruins.
3. Na terceira, faça um cruzamento das informações de ambas as colunas e de suas próprias percepções ao longo do exercício, e conclua considerando uma ação prática e cotidiana que você pode adotar para lidar de uma forma diferente com os problemas.
4. Uma sugestão extra é, depois, considerar pelo menos 3 coisas pelas quais você é sinceramente grato. Pode parecer uma tremenda bobagem mas esse simples ato foi cientificamente comprovado como um método eficaz de aumentar a satisfação e bem-estar quando feito diariamente. E sabe o melhor de tudo? É de graça. Na pior das hipóteses você ainda pode encher a boca para sair falando por aí que não funciona e que é tudo balela. Mas antes, concentre-se em tentar e realmente se entregar ao ato em si. 
Ah! Se quiser compartilhar ou tirar dúvidas, ficaremos felizes em conversar. E se estiver disposto(a) a diálogos construtivos, comente abaixo o que achou do post e da prática…concorda, não concorda? 

 

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