Você realmente sabe de onde (isso) vem?

Colocamos as pessoas em caixas. Mas normalmente só percebemos quando vamos procurá-las em 'seus lugares' e nos surpreendemos ao não encontrá-las ou ao encontrar algo diferente do que idealizamos. Está na hora de repensar isso.

Como costuma acontecer, sem identificar com clareza o gatilho, me peguei pensando em um aspecto que somente a partir daquele momento, passou a soar curioso: a base sob a qual construímos nossas percepções.

Veja, temos a tendência de pensar na vida apenas no espectro em que passamos a existir nela. Ignoramos, sem querer mesmo, o que aconteceu antes de nascermos, antes de sequer sermos cogitados. 

Não. Não só antes de nós, mas antes dos nossos pais, antes dos nossos avós, muito além, inclusive, nessa régua antecessora. 

Então, a partir dessa percepção de curtíssimo prazo, avaliamos as pessoas e as situações.


De onde isso vem?

Colocamos rapidamente as pessoas, os acontecimentos, tudo, em caixinhas na nossa mente. Mas, de onde isso vem?

Acredito ser um impulso primitivo de sobrevivência: precisamos saber o grau de interação que podemos ter com aquilo que chega até nós.

Quando nos deparávamos com mamutes furiosos e famintos não era natural pensarmos:

“Oi, mamute! Sei que agora você está furioso e faminto, mas por favor, me conte sua história.” 

Ou então:

 “Cara. Você já parou para se perguntar por que você é um mamute?”

e ainda:

“Que atitudes, como mamute, você poderia mudar para ser um mamute mais feliz?”.


Simplesmente não se tratava disso.

Mas continuar avaliando os fatos do presente com base em um passado distante enraizado em nós perde bastante o sentido quando lembramos que não somos nem mamutes nem homens corcundas, mudos, cobertos de pêlo que precisam aniquilar o próximo para sobreviver. 

Evoluímos e, em quase todos os aspectos que posso me lembrar, não consigo pensar em um que valorizamos tanto quanto aqueles capazes de justificar nossas falhas de pensamento e ação.

 

Vamos testar

Se eu lhe perguntasse agora, por exemplo, seu nome, sua idade, o ano em que nasceu, ou a cidade em que nasceu é muito provável que você saiba responder. 

Talvez até tenha conhecimento do que acontecia no seu país, a idade da sua mãe ou do seu pai quando se tornaram sua mãe e seu pai. 

Mas você saberia dizer com precisão estes dados do seu colega de trabalho? Como foi a infância dos seus pais ou de alguém que você simplesmente não consegue entender? 

Você pode, sem esforço algum, pensar nas pessoas que te trouxeram ao mundo, te criaram e fizeram parte do seu desenvolvimento – sua tia, seu filho, seu professor – como pessoas “comuns”, sem associá-los aos papéis que exercem ou exerceram em sua vida?

Talvez eu esteja errada. Mas não conheço pessoas que responderiam positivamente a todas estas perguntas .

E aqui, é claro que a metalinguagem parece estar presente também:


minha realidade me levou a construir uma determinada percepção sobre um assunto, guiou meu raciocínio e me levou a crer que esta, talvez, seja uma verdade. 


E assim seguimos nos pregando peças mentais. 

Pode ser, pode não ser. Mas a base sob a qual ela foi construída é relativamente fraca, baseada apenas no que vivi ou vi e ouvi daqueles que convivem comigo.

bolha social escopo

Nós acabamos, invariavelmente, avaliando pessoas e situações com base em pessoas e situações do nosso círculo. Da nossa realidade. O termo “bolha” tem sido comumente utilizado para se referir a este comportamento.

Embora ele faça muito sentido, também pode ser bem variável, uma vez que se estenda para a parte técnica da internet em si.

Para reforçar a idéia, existe outra teoria bastante conhecida que pode tranquilamente ser utilizada aqui, em uma licença científica para lá de poética: o paradoxo do Gato de Schrödinger.

Salvo complexidades físicoquânticas próprias do estudo, e resumindo bastante, o experimento mental proposto em 1935 pelo austríaco Erwin informa que um gato é colocado em uma caixa completamente fechada.

Na caixa há um frasco de veneno e um átomo radiativo com 50% de chances de se desintegrar dentro de uma hora. Se isso acontecer, uma espécie de sensor acionará um mecanismo que quebrará o frasco do veneno, levando o gato à morte.

Isso significa dizer que haverá um espaço de tempo em que o gato estará ao mesmo tempo vivo como morto – até que, como propôs o físico Niels Bohr na solução conhecida como interpretação de Copenhague, se abra a caixa para verificar. 

Quando damos voltas ao redor das nossas próprias percepções estamos cegos sobre o que de fato está acontecendo na caixa. Nossa perspectiva é limitada àquilo que está facilmente visível aos nossos olhos e sentidos. Para estendê-la e conhecer algumas realidades, é preciso abrir a caixa – ou, sair da bolha, se você preferir.

Nessa mesma linha (e igualmente licenciada) não podemos deixar de mencionar a concepção do mito da caverna, de Platão, onde a verdade só seria conhecida por aqueles que saíssem da caverna, descobrindo que o que mais despertava o medo, era fruto de um jogo de luzes. 

Gosto de todos esses. Ainda assim existe, para mim, uma ideia que define isso de um jeito bem mais fácil: consideramos as coisas com base naquilo que estã dentro do nosso escopo. Existem diversas definições de escopo, mas a que mais gosto é aquela utilizada no meio tecnológico:

Na ciência da computação escopo é um contexto delimitante aos quais valores e expressões estão associados. O tipo de escopo vai determinar quais tipos de entidades este pode conter e como estas são afetadas, em outras palavras, a sua semântica.


Assim, o que existe atrás da cerca não é somente desconhecido. É ignorado completamente, como se não existisse e, portanto, irrelevante para qualquer entendimento.


A realidade (ou não) dos escopos

Para mim, esse conceito é incrível porque mostra como nossas verdades se constroem. Nós não vemos além do nosso escopo (além da cerca), porque além do nosso escopo não existe.



Mas existe, e interfere, inclusive, naquilo que está dentro do nosso escopo e não sabemos de onde vem

Por exemplo, quando alguém age de forma rude conosco, a percepção de que essa pessoa é ou está rude, é ou está mal-humorada, está dentro do nosso escopo.

Mas essa forma de agir pode ter inúmeras variáveis e perspectivas, pode ter uma história, um acontecimento do passado que formou tal personalidade ou um acontecimento recente que levou a essa reação.

E esta história, seja ela recente ou de muito tempo atrás, normalmente está fora do nosso escopo.

Ao ficarmos apenas com a percepção do que está dentro do nosso escopo e analisarmos as coisas sob este aspecto, podemos dizer que nossa base é fraca. O mesmo acontece ao interagirmos com alguém novo. 

 


quando conhecemos uma nova pessoa —  ao contrário do que nossos instintos tentam nos ensinar  —  ela não se resume ao que optou (ainda que inconscientemente) mostrar de si naquele dia, naquela ocasião. 

 

É estranhamente óbvio e igualmente necessário lembrar, no entanto, que cada pessoa, cuja existência passou a ser percebida por nós (e não se resume ao que nós percebemos dela), tem uma história, um passado, sonhos que foram deixados de lado, sonhos que ainda o serão.

Nossa tendência, contudo, é vermos tudo sob um escopo cujas fronteiras são visíveis somente a partir do momento que passamos a existir nele. 

Um dos maiores problemas disso acontece quando, mesmo que não estejamos realmente num determinado escopo, um pedacinho dele escapa perto da gente. Algumas circunstâncias ou pessoas respingam nas proximidades do nosso escopo, vemos uma porção daquilo, e então acreditamos que é o suficiente para interpretamos, com base naquela percepção fracionada e muito limitada.

Afinal, existem diversos fatores que influenciam na construção do comportamento e modelo mental das pessoas ou no desenrolar das situações. Alguns podem, por exemplo: 

a. estar muito no fim,
b. estar muito no começo
c. não estar indo muito bem ou num bom dia
d. estar atravessando um período muito bom ou um período pra lá de ruim.

E então, tomamos decisões a respeito de coisas que, por mero acaso, aconteceram ao nosso redor. Mas cuja estensão ou complexidade nos escapa completamente. 

Assim, algumas decisões são tomadas a partir desses subsídios bastante superficiais, que geralmente nos trazem à luz mais informações sobre nós mesmos do que propriamente àquilo que nos propomos analisar — ou que precisamos fazê-lo por alguma razão. 

A partir daí, desse exato momento, baseando-nos em um minúsculo fragmento de espaço-tempo que favoreceu (ou desfavoreceu) aquela ocasião, decidimos o que pensar a respeito destas interações universais.

O que perdemos 

Ok. Mas afinal, para onde vamos com essa lenga-lenga? É que estive pensando nisso por um longo tempo, e então parei para fazer uma rápida revisão de todas as conseqüências.



Quantas pessoas incríveis deixei de conhecer? Que profundezas da complexidade humana eu perdi? Quantas histórias surpreendentes eu não ouvi ou li? Como esses fragmentos perdidos, da existência de algo que eu só vi um pedaço, me afetaram? 


Até que ponto me construí com base na construção fragmentada do que chegou até mim?

Quem sou, é fruto mais de relações e análises profundas, ou mais de percepções fragmentadas da vida – da vida em que não existi, mas existiu muito antes de mim e seguirá existindo mesmo que sem mim?

Estou cheia da existência das outras coisas ou das minhas próprias coisas?

Na dúvida, decidi revisitar episódios mais antigos e me deparei com tudo que não sei e provavelmente nunca saberei. 

Não doeu, mas fiquei pensando qual o grau de importância isso precisa ter nas microdecisões diárias que tomamos todos os dias. Se tivesse que ser diferente, o que deveria mudar?

Bem, já entendemos e aceitamos (espero) que não somos nem mamutes nem homens primitivos incapazes de articular emoções e buscar caminhos melhores para vivermos em conjunto. 

Embora enxergar o problema (da falta de empatia, da agressividade na comunicação, da força do ego, do impulso do julgamento, etc)  seja o primeiro passo, a sequência é muito mais desafiante.

 


———

Como resolver?

 

Não sei.

Eu também sou horrível e freqüentemente observo como a empatia é algo difícil para mim. Mas, considerando as circunstâncias, acredito que temos algumas opções.

Afinal, nada pode ser pior que agir com base no que vimos ou estamos vendo. Assim, listei, para mim mesma, algumas alternativas, que compartilho abaixo:

 

  1. Deixar o julgamento para o mais depois possível, até que ele deixe de existir
    Comecei a, simplesmente, me punir mentalmente sempre que o julgamento automático vinha á minha cabeça.
    Por mais positivo que fosse, por mais complexo que fosse. Porque julgamentos superficiais negativos são mais fáceis de perceber e controlar.

    Mas acredito que quando fazemos julgamentos positivos imediatos, por melhor que isso seja, em algum lugar na nossa cabeça é como se disséssemos: “Bem, tudo bem julgar. Estou julgando, e é algo bom. Então julgar pode ser algo bom.”

    Pode ser bobagem, mas tenho preferido não arriscar por enquanto.

    Deixo momentos assim apenas quando meu julgamento possa e deva ser prudente e ponderado, como tomar alguma decisão que impacte na minha vida. Ou que impacte realmente na de outras pessoas.

 

  1. Lembrar-se sempre da história que não estamos vendo

     
    Quando alguém for ou parecer ruim, tenho tentado pensar no pano de fundo daquilo. No que alguns chamam de background.

    E penso que isso seja válido mesmo com pessoas próximas a nós, com as quais temos intimidade e conhecemos há muito tempo: temos a tendência de supor que conhecemos nossos amigos.

    Até acredito que seja verdade. Sabemos o que precisamos saber deles, sabemos o suficiente para tê-los tornado nossos amigos. Pessoas que sabem da nossa vida, conhecem ou até convivem com a nossa família. Mas em alguns casos, esses backgrounds, essas histórias, sequer são conhecidas ou lembradas por eles.

    Em outros casos, pode ser tão difícil lidar ou gerenciar, que a opção mais acertada é ocultar aquele pedaço de nós e podemos até ser pegos de surpresa diante de uma reação aparentemente desproporcional de um amigo.

    Não há motivo para chateação prolongada. Afinal, se pararmos para pensar, todos nós já prefirmos deixar escondido algum aspecto da nossa vida ou personalidade. E tudo bem. Não precisamos ser um livro aberto o tempo todo.

    Nossas histórias pertencem a nós e mostramos ao mundo aquilo que estamos prontos para mostrar. Isso parece algo muito óbvio e fácil de entender e respeitar até que aconteça conosco e tal habilidade é posta em teste – e eu espero que você não precise descobrir isso por experiência própria, como foi o meu caso.



  1. Quando possível, demonstrar genuíno interesse nestas histórias
    Essa já dei spoiler mas vou relembrar. Lembra do mamute? Então. Você não é mais das cavernas, e não convive (imagino) com mamutes. Por isso, você pode tentar fazer perguntas de genuíno interesse.

    É claro que você precisa realmente estar aberto ao mundo de outra pessoa e realmente estar interessado na sua história, no seu pano de fundo.

    Podemos, por exemplo, diante de uma pessoa ou uma situação difícil, dizer:
  • Desculpe, vejo que você não está muito bem. Quer conversar?
  • Sinto que está acontecendo alguma coisa, quer conversar?
  • Você não parece bem. Por que não me conta o que está acontecendo?

    Essa, ainda, é a mais difícil para mim! Nem sempre estou bem, e em muitos casos eu sou um mamute furioso e faminto. Mas mantenho isso em alerta no meu radar, e manifesto interesse genuíno sempre que estou pronta para ouvir de forma genuína.

    Aqui faz-se, respeitando o espaçamento de uma estrutura de tópicos, um ou dois parágrafos de finalização, contornando o post e encerrando da melhor forma possível, sem pontas soltas. Uma coisa que é bacana é finalizar com uma pergunta que pode levar a reflexão ou,  futuramente aos comentários



    Então…qual outra sugestão você teria? Já passou por alguma situação onde estas coisas ocorreram? Conte mais sobre suas experiências e perspectivas aqui ou aqui

 

 

PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

Dentro ou fora do seu escopo, faça uma rápida análise visual. Para isto recomendo:
1. Desenhar um círculo em uma folha e escrever nela todas as suas crenças. 
2. Ao redor, você pode desenhar círculos menores ou escrever ideias, percepções, situações ou pessoas que te incomodam. 

3. Depois avalie estas coisas fora do seu escopo e pense, uma-a-uma, como você poderia reagir e lidar com elas como um ser-humano evoluído 🙂

Se quiser, publique sua experiência no instagram e twitter usando #assimpassa ou nos envie um e-mail!

 

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