6 homens que ensinam como ser incrível – e um plus indispensável

Agosto costuma ser um monte de coisas e tem até gente que diz que é mês do desgosto ou associa a coisas negativas. Mas eu só tenho coisas boas a dizer sobre agosto.

Pessoas maravilhosas da minha vida nasceram nessa época, e algumas pessoas nasceram na minha vida nesse mês, que tem agradável tendência de me reservar coisas boas. 

Bem, parece que alguém mais viu uma bela oportunidade nessa lacuna do calendário comercial e nasceu o dia dos pais.

Eu sou totalmente favorável à noção de que, dia dos pais, mães, mulheres, crianças, homens, avós, papagaio (e tudo aquilo que se fala, se vê e se prega nessas datas) é a gente quem faz, não precisa ter data ou presente.

Mas também sou totalmente favorável a todas as desculpas que surgem para comemorarmos ao lado das pessoas que amamos.

Afinal é sempre gostoso lembrarmos das que representam determinados papéis na nossa jornada, refletirmos sobre suas importâncias e reconhecê-las como fundamentais. E agora é a vez dos pais.

Só que tem muita gente que não tem um pai presente ou vivo. Que não tem um pai. Ou não vê sentido nessa data por qualquer outra razão.

E, embora eu reconheça que “figura parterna” não necessariamente deva ser exercida por um homem, nem reflita uma vida afetiva incompleta, eu optei por ser mais tradicional. 

Portanto, esse ano decidi “comemorar o “Dia dos Pais”  de uma forma diferente: homenageando os homens que mais influenciaram/influenciam a minha formação, meu desenvolvimento como ser-humano, independente do aspecto parental. Afinal:

  1. A figura paterna não necessariamente é tão “paterna” assim;
  2. Homens representativos nem sempre precisam ser reais.

Estes homens incríveis foram ordenados de forma crescente (ou seja, começando com aquele que exerceu menor “poder”).

E nesta lista você vai encontrar os seis que não consigo deixar de lembrar com um sorriso no rosto e um brilho no olhar.

São homens que despertam em mim uma profunda admiração, respeito, inspiração. Que representam o que eu posso ou quero me tornar quando “crescer”.

Eles me ensinaram ou seguem ensinando algo de muito valoroso de que raramente abro mão. 

Esses homens provam que não precisa ser pai ou herói para ser “homem”.

Eles estão aqui justamente porque foram capazes de serem “de verdade” e estarem sempre dispostos a buscar sua melhor versão.

De enxergar o outro, de enxergarem a si mesmos. De pedir desculpas. De valorizar as pessoas. De dizer “eu te amo”. De serem sensíveis, e também falhos. De chorar.

E nunca deixar de serem extremamente fortes e seguir a luta. Enfim: humanos. Humanos incríveis. Em toda sua beleza e complexidade. 

 

1. Roland de Gilead (Deschain)

Homens Incríveis - Roland o pistoleiro
resiliência, equilíbrio, o peso das projeções, foco, frieza tática, análise e conscientização dos problemas

O melhor pistoleiro das galáxias e dos mundos transversais é também um dos homens mais sensíveis, resilientes e inspiradores que já conheci. 

Eu poderia, facilmente, traçar uma série de metáforas e comparações entre minha vida e a dele, minha busca e a dele.

Porque Roland guarda dentro de si memórias inteiras desde sua primeira infância, os infortúnios e as interpretações que fez de tudo que já aconteceu com ele ou perto dele. 

E, enquanto cresce, projeta uma busca ideal. Uma coisa que, caso ele conquiste, poderá dizer que cumpriu sua missão.

Ele não sabe exatamente como fazer issso, nem o que de fato isso representa.

Roland raramente questiona sua busca: ele simplesmente sente que é isso, e faz tudo que pode para chegar

Obstinado e solitário dedica anos de sua existência a atravessar mundos e tempos, sobrevivendo a cada um dos problemas que aparecem, mesmo quando tudo indica que aquela é a linha de chegada para ele. 

Roland também é constantemente surpreendido por difíceis decisões entre sua busca objetiva e suas necessidades emocionais e subjetivas.

A vida lhe ensinou que é preciso serenidade emocional, respeito a si mesmo e aos outros, foco e frieza tática para conseguirmos resolver problemas de forma assertiva.

Tanto que evoca a isso com um mantra clássico da aventura:

“Eu não miro com a mão. Aquele que mira com a mão esqueceu o rosto de seu pai. Eu miro com o olho. / Eu não atiro com a mão. Aquele que atira com a mão esqueceu o rosto de seu pai. Eu atiro com a mente. / Eu não mato com a arma. Aquele que mata com a arma esqueceu o rosto de seu pai. Eu mato com o coração.”


Mas se tem algo admirável sobre ele, é que não há ponto sem nó: ele não abre mão de nada que lhe é realmente importante, apenas sabe quando aquele não é o momento, e inclui a pendência em sua lista. 

Em um momento parece difícil a ele entender que as pessoas não são simples passos convenientes para seus objetivos e que conexões emocionais não são como manivelas.

Em outro, ele é capaz de olhar para trás e perceber como poderia ter ido mais rápido, melhor, mais feliz, se tivesse feito diferente.

Se tivesse priorizado mais aqueles sem os quais não há vitória. 

Um dos conceitos mais perenes em toda a saga é prova disso. Afinal, esse Indiana Jones do multiverso foi o responsável por reforçar uma ideia primordial: a relevância que as pessoas têm na nossa jornada, sob o termo Ka e Ka-tet.

Ka…a palavra que vocês pensam como ‘destino’, Eddie. Embora o verdadeiro sentido seja muito mais complexo e difícil de definir. E tet, que quer dizer um grupo de pessoas com os mesmos interesses e metas. Ka-tet é o lugar onde muitas vidas são reunidas pelo destino”


Se por um lado ele é humilde, digno e honrado, por outro, demora a entender que nada é conquistado sozinho – pois chegar sozinho, depois que se conhece algumas pessoas, parece a verdadeira derrota. 

 

2. Pedro Bandeira

Homens incríveis - O escritor Pedro Bandeira
transgressão, desenvolvimento, superação, força e resiliência, coragem, gentileza, respeito


Posso dizer sem nenhum medo de parecer tola ou exagerada, que este homem foi um dos que salvou a transição entre minha infância e adolescência.

Conheci o Pedro Bandeira nas andanças bibliotecárias das fichas de leitura. 

Ali pela quinta-série, um dos livros disponíveis chamou minha atenção pela capa: um moleque de tênis, uma poça, um cenário bem urbano e “marginal”. 

Eu li, foi ótimo, mas nem se compara ao tesouro que vivia bem perto dele nas estantes.

Só quando fui devolver na biblioteca, é que o encontrei, em um dos livros mais marcantes daquele período (o que é bem relevante se considerar que eu lia dois a três por semana).

Quando vi o título não pensei duas vezes: A droga da obediência. Uma palavra odiada pelos adultos, outra odiada por nós, adolescentes. 

Li sem nenhuma pretensão e embora possamos imaginar que foi esse o segredo, ao ler o segundo do mesmo autor, me encantei ainda mais: O Anjo da Morte.

Daria até para brincar que considero Pedro Bandeira o Stephen King brasileiro dos adolescentes. 

Depois desses dois, li muitos outros dele, e passei meses encantada com cada novo personagem.

Mas, em todos, este homem incrível que eu considero pacas (em vários sentidos) era sempre o primeiro a tentar ensinar uma lição.

Uma lição que a vida nunca cansa de pôr em prova: tudo passa. Um momento pode parecer horroroso, sem fim, sem solução, o ponto final.

Mas é só um momento, e somos nós quem damos o devido peso a ele. Somos nós que o interpretamos e resolvemos de modo a dar sequência a uma série de resultados. 

Somos colocados constantemente diante de desafios, mas não podemos desistir.

Ás vezes sequer parecemos a pessoa certa para aquilo, não estamos preparados. Mas estar preparado é uma questão de perspectiva. 

O Pedro Bandeira me ensinou uma porção de coisas sobre ser adolescente, sobre reijeição, sobre dizer não e se impor, sobre autoaceitação.

Em diversos momentos foi como se ele sentasse ao meu lado na cadeira da biblioteca, colocasse a mão no meu ombro e dissesse: 



“Ei. Tudo bem se você não se encaixa. Ás vezes, não ser aceito, é a maior prova de que você está no caminho certo, o seu.”.


Fora isso – que já seria para lá de suficiente para uma recém-iniciada adolescente, rebelde, sem amigos, que ainda gostava de jogar bola e peão, gordinha e com uma alergia de pele que diziam ser contagiosa – eu ganhei amigos.

Eram fictícios, mas era agradável passar horas com eles, rindo e chorando com seus problemas que, ás vezes, eram meus também.

Sou muito grata ao homem de mente genial, gentil e imaginativa que os criou, e que me ajudou a criar parte do que sou também. 

 

3. Walter Bishop

Homens incríveis Walter Bishop de Fringe
convicção, autenticidade, humildade, escolhas decisivas, equilíbrio, a importância das pessoas


Se tem alguém que foge do estereótipo de “figura paterna” é esse cara. Ao mesmo tempo, desde que o conheci, não encontrei maneiras de não amá-lo.

Mesmo depois de eu “não ter mais notícias dele”, nunca deixou de fazer parte da minha vida.

E realmente carrego comigo seus sorrisos, reflito sobre suas dores e relembro de tudo que aprendi.

Convicto de seus ideais e mais fiel a eles do que às suas conexões interpessoais, Walter Bishop mostra-se uma pessoa. Não um pai.



Afinal, embora normalmente nos esqueçamos, um pai é um homem, uma pessoa, muito antes de ser um pai.

Tem falhas absurdas, traços inconcebíveis, sofre para adaptar-se às expectativas e frustra-se, quase como uma criança, quando sente-se pressionado a abrir mão de algo.

Curiosamente ele precisa, constantemente, escolher entre as duas coisas que mais importam para ele. 

E a vida testa quase cruelmente sua capacidade de decidir “certo”.

A ciência – associada à vaidade que quase todos nós temos, de nos imprimir no mundo, de fazer alguma diferença, de ter e seguir um propósito. E um filho.

Algo que Bishop não necessariamente idealizou, fantasiou e planejou – tal como suas aventuras científicas – mas que lhe despertou sentimentos nunca imaginados.

E esse duelo respinga em diversos momentos decisivos de sua jornada.

Como cientista, ele é imbatível, icônico, divertido, bem-humorado, impulsivo, apaixonado, incoerente e brilhante: sempre sabe o que está fazendo e como resolver quando as coisas não saem como esperado. 

Como homem e pai…bem, ele talvez seja um homem e pai comum: cheio de imperfeições, erros em cima de erros – alguns, pode-se dizer, dignos de serem considerados imperdoáveis por uma grande maioria. 

Mas este cientista incrível, esse homem ingênuo de personalidade maluca, esse pai terrivelmente falho é também absurdamente humano e humilde.

Com ele, aprendi a importância de assumir nossos erros e de não desistir de se responsabilizar para consertá-los. 

Isso envolve mostrar-se fraco. Imperfeito. Frágil. Incompetente. Incapaz. Vulnerável. 

E, o mais importante: ele me lembrou porque e como sermos autênticos é fundamental para encontrarmos aquilo que buscamos.

Me lembrou que ser diferente não é um problema. Que a extravagância, a ingenuidade, a espontaneidade não são defeitos.

Nos mantermos verdadeiros sobre quem somos é, ao mesmo tempo que um ato de lealdade conosco mesmo, um desafio de convivência com os demais e uma forma de nos conectarmos com quem realmente interessa e faz a diferença. 

 

4. Carlos Ruiz Zafón

 

Homens incríveis - O escritor Carlos Ruiz Zafon


Falar sobre homens que me impactaram profundamente, sem falar deste, seria incoerente.

Como já disse, livros, séries, filmes e músicas contribuíram muito para a minha formação.

É inevitável, portanto, que outro escritor figure por aqui, nessa lista seleta.

Então, a exemplo do Pedro Bandeira, conheci o Zafón em um momento particularmente doloroso da minha vida: um homem saía dela, enquanto outro ia se aproximando, carregando mais um (ou vários), em forma de livro, embaixo dos braços.

Com ele, o autor do tal livro – ou melhor, por meio dele – eu chorei, dei risada, fiz novos amigos, tive novas perspectivas, e comecei a entender e aceitar a impermanência das coisas.

Aprendi que nossa vida, tão curta e ao mesmo tempo tão imensa, é composta de fases que carregam um pouco de nós.

Em alguns aspectos, deixamos no passado coisas que não nos servem mais, e em outros, buscamos novas roupagens para nosso eu.

Mas, no meio de tudo, podemos conhecer universos fantásticos e pessoas incríveis.

Mudar para sempre a nossa vida e a vida daqueles que temos a chance de conhecer – positiva ou negativamente, mas nunca sem a devida resposta do universo. 

Por ele fui lembrada também, várias vezes, que o tempo passa muito rápido.

Que as escolhas mudam tudo. Mas que sempre é possível respirar fundo e começar de novo

Que o orgulho e a vaidade são nossos piores inimigos mas chegam das maneiras mais inusitadas e, ás vezes, imperceptíveis. 

E, sobretudo: que a vida é mesmo complexa, difícil e mesmo assim, impecável, magnânima e linda. 

 

5. O homem que a vida trouxe

Homens incríveis - Os presentes que a vida da
pureza, lealdade, generosidade, simplicidade, ética, calma, frieza tática, gregário, bondoso, generoso, humildade

Como essa é uma lista de homens incríveis – posso garantir que, conhecer o Caciano foi uma tremenda sorte. 

Claro que a intimidade traz a vantagem de poder ver em alguém mais do que ela mostra à maioria.

Mas mesmo antes de eu cogitá-lo como meu companheiro de vida, eu já o admirava e respeitava. 

Então, isolando o papel social que ele representa na minha vida, se eu tivesse oportunidade de saber sobre ele tudo que sei hoje, mesmo que como somente amiga, ele estaria nessa lista. 

Primeiro porque ele é real. Segundo porque…ele me aguenta TODO DIA. Ou seja, um verdadeiro herói.

Mas pulando a parte humorístico-depreciativa, é realmente um privilégio conviver com alguém assim, realmente puro, verdadeiro, sereno, generoso e completamente ético.

O Caciano é do tipo de pessoa que sempre busca fazer o que é certo. Ao longo de todos esses anos, nunca vi ele falar de mal de alguém pelas costas, denegrir o outro.

Em todos os ambientes que transita, em todos os grupos que integra, em todos os momentos, com todas as pessoas: ele é o mesmo

E eu não poderia esperar outra coisa: o mais velho dos quatro filhos de um casal silencioso mas amoroso, passava o dia inteiro andando por aí, no sítio dos avós, no meio do mato e dos bichos, voltando cheio de lama e fome.

Lembro até hoje quando ele me contou das suas lembranças e como aquilo me tocou de um jeito novo.

A forma com que seus olhos brilhavam ao falar do avô e das suas aventuras, com nomes de plantas e animais dos quais eu nunca tinha ouvido falar.

Ou do dia que ele plantou o bambu que está, até hoje, nos fundos da casa dos pais.

E de como aquela fala macia, alegre e calma transmitia a essência de uma alma leve impossível de não se amar. 

O Caciano compartilhou, desde o início, o universo fantástico daqueles que se desenvolvem longe das maldades, regras, exigências, expectativas e protocolos sem sentido da sociedade “urbana” e me lembrou que existe um modo bem melhor de viver.

Por coisas assim ele me inspira a buscar a melhor versão de mim sem falar nada, apenas sendo ele. E é sempre difícil falar sem parecer declaração de amor eros, cego.

Então: é claro que, ainda bem, ele tem defeitos. Mas mesmo esses defeitos são compatíveis com as coisas boas que ele guarda. 

É delicioso olhar para trás e ver como eu mudei por causa da tranquilidade perene que ele transmite, do modo cuidadoso, sistemático e frio com que resolve os problemas.

Ou mesmo pela forma elegante, sutil e firme com que se desvia daquilo que não lhe agrega.

Que poupa energia e esbanja sabedoria ao abrir mão de tentar controlar coisas que estão fora do seu alcance.

E de como dedica-se em manter todos os seus vínculos saudáveis. Porque algumas pessoas preferem perder o amigo a perder a piada, ou ter razão a ser feliz.

O Caciano, por sua vez, faz muitas piadas, principalmente com amigos, mas jamais colocaria em risco uma amizade ou qualquer tipo de relação positiva por orgulho, vaidade ou teimosia. 

Ele é, definitivamente, como aquela música, o tipo de pessoa que chega de mansinho, sem avisar, sem fazer alarde, e vai ficando até ficar.

Surpreede todos aqueles que lhe dão a chance de mostrar que ele será o amigo mais leal, confiável, justo e amoroso (do seu modo sutil e cuidadoso). 

Ele não mente. Se esforça sempre para ser melhor para todos e para ele mesmo.

Está sempre disposto a ouvir. É verdadeiramente compreensivo, tolerante e amigável – mesmo com aqueles mais diferentes dele.

Não tem medo de chorar. Nunca fala ou faz aquilo que não acredita ou sente realmente.

Fica feliz com as coisas mais simples. É uma das pessoas mais humildes que eu conheço (talvez a MAIS humilde).

Portanto, ele merece estar aqui. Não como marido. Mas como homem, como ser-humano incrível que sempre foi e nunca deixará de ser: comigo ou “sem-migo”  

 

6. O homem que a vida deixou

Pai incrível
o homem por trás do pai, abnegação, amor incondicional, sabedoria, coragem de ser ele mesmo, autenticidade, a imprtancia das pessoas, bondoso, conectado a natureza


Cara. É claro que deixei propositalmente pro final, fechando com chave de ouro.

Não dá pra terminar um artigo sobre homens incríveis sem falar desse em particular.

Dentre todas as figuras parentais disponíveis no mundo, a minha é a mais óbvia.

Porque, se de um modo ele foi levado, de outras tantas ele ficou e mostrou que o legado é mais forte que a matéria.

Infelizmente, não tive a experiência de tomar cerveja com ele. De mostrar a ele minhas descobertas ás vezes divertidas, ás vezes dolorosas sobre a vida. 

Não pude levar ele para passear, ouvir novos conselhos, nem compartilhar com ele meus conflitos – tão parecidos com os dele. Não pude me tornar adulta, realmente, e tê-lo fisicamente ao meu lado.

Talvez, inclusive, eu teria demorado muito mais para me tornar uma, e mesmo na sua partida, houve uma lição.

Nem pude ser mais sua amiga e menos sua filha – coisa que costuma acontecer quando crescemos o suficiente para entender algumas coisas.

Mas isso é algo que como adulta, posso fazer com ele. Porque uma das coisas mais gostosas de se tornar adulto é poder revisar tais “personagens” da nossa vida com outro olhar. 

Com a perspectiva de que ali há uma pessoa, uma trajetória única, um universo inteiro, um conjunto de dores e glórias que sustentam a construção toda. 

Então, eu poderia mencionar milhares de coisas sobre meu pai: como o fato de ele ser imensamente afetuoso ou de não pensar duas vezes ao tirar a comida do seu prato para dar para nós – em quaisquer circunstâncias.

Eu também poderia citar os relatos de como ele passava horas nos segurando, sem movimentar um dedo para não nos acordar.

Ou como era capaz de comprar briga com minha mãe (se vocês conhecessem minha mãe, saberiam como ela é maravilhosa e doce, mas também entenderiam o tamanho da coragem dele) para nos defender.

Ele dizia o tempo todo o quanto nos amava. Como éramos tudo para ele e ele não seria nada sem nós. Como, tudo que ele fazia, era para e por nós.

E nos carregava no colo ou nos ombros mesmo quando já éramos muito grandes; nos colocava para dormir mesmo quando não merecíamos. 

Mas, novamente, muito antes de ser meu pai, este homem também era um ser-humano; caçula e único filho homem de uma família com cinco irmãs.

Minha avó era descendente de uma mistura entre negros e portugueses e, partindo do lado mais pobre, passou por uma série de dificuldades e mudanças bruscas. 

Meu avô, por sua vez, era um descendente de italianos quase austríacos.

Os dois, como muitas famílias antigas, constituíam uma base trabalhadora, forte, silenciosa, rigorosa e exigente. 

Portanto, como tantos garotos daquela geração, o Calinho ou simplesmente Cau (denominação que, só depois, descobri não ser seu verdadeiro nome) passava a maior parte do dia pela cidade, chutando pedra e bola de meia, andando pelos trilhos de trem, jogando peão e bolinha de gude. 

Dono de um coração enorme, também se apropriava de uma personalidade forte: apanhava de relho, saía correndo, se escondia debaixo da mesa e falava palavrão.

Então, acho que desde sempre, lidar com ele não era exatamente fácil. Mas estava longe de ser extremamente difícil. 

O mesmo garoto que foi expulso de várias escolas, desobedecia e zombava professores, fugia da escola – perdendo excelentes oportunidades, como homem, na época, de seguir com os estudos – também defendia os amigos a ferro e fogo, e tinha uma enorme reverência e carinho pelos pais.

O contato com eles, ainda assim, era limitado a funções como ajudar a mãe com o galinheiro e comprar coisas na mercearia para a casa, com o dinheiro suado que entrava dos trabalhos de construção do pai – o qual, vez ou outra, acompanhava para ajudar.

Assim, todas as desculpas para se passar um tempo a mais juntos eram devidamente aproveitadas por todos.

Não havia cuidados extras, atenções desmedidas, preocupações delicadas: a vida precisava ser prática. É claro que meus avós amaram incondicionalmente meu pai, assim como a todos os filhos.

Mas a manifestação desse amor era restrita a gestos de sobrevivência: dar comida, roupa, casa, cama e alguns afagos e sorrisos esporádicos. 

Costumava contar que, um dia, meu avô encheu os olhos de lágrimas ao observar seu modo de ser pai.

Havia, de certa maneira, um saudosismo de tudo que não existiu naquela relação, e uma vontade de viver aquilo que, talvez, aconteceu incontáveis vezes em sua imaginação.

Correndo risco de parecer epílogo para lápide (mas muito longe disso), ele foi um profissional eficaz, trabalhador e empático.

Um amigo leal e generoso. Um filho dedicado e amoroso. Inclusive, sobre isso: ele amava demais as pessoas.

Tanto é que, mais de uma vez, disse que o que mais gostava do comércio era conversar com pessoas diferentes, trocar ideia, conhecer o mundo através daqueles que sentavam no balcão da sorveteria. 

Bem verdade que, talvez, nem sempre nós conseguíamos retribuir na mesma medida, o que lhe deixava melancólico e frustrado várias vezes. 

Mas ele nunca deixava de amar, de usar todo seu arsenal possível. E seus gestos puros dispensavam autopromoção. 

Comportamento cujos louros se estenderam, mesmo depois de “partir”, já que continuamos a ouvir declarações que sempre nos surpreendem e nos trazem alegria.

Minha mãe me contou por exemplo, que essa semana mesmo, em uma visita, descobriu que ele levava sorvete à uma vizinha idosa e passava um tempo com ela, sentado na varanda, conversando, rindo e fazendo-lhe companhia.  

Ela me perguntou: “tu sabia disso?”. Eu não sabia, papai, mas quem te conhecia, sabia que isso era a sua cara

Outro fator é que, embora ele não tivesse graduação – em partes pela sua indisciplina e inquietude, já mencionadas – lia muito e era assustadoramente inteligente e sagaz, com percepções aguçadas sobre alguns assuntos.

Bastante gregário, se dava bem com todos os tipos de pessoa e, inclusive, confiava demais – talvez por isso tenha repetido várias vezes que não devemos confiar em absolutamente ninguém

Este homem também era uma pessoa muito nervosa. Rapidamente ficava irritado e era constantemente movido por impulsos.

Mas, da mesma maneira que acreditava na sua intuição e nas suas crenças, era extremamente autêntico.

Eu não sei bem se preservei algumas de suas características como forma de mantê-lo por perto, se sempre tive semelhanças claras com ele, ou se fruto do que sou hoje é do que aprendi na convivência. 

De qualquer maneira, algumas coisas que meu pai sempre dizia nunca vou esquecer.

São coisas que eu levo comigo e repassei ao meu sobrinho. Coisas que eu contarei, caso um dia eu tenha, aos meus filhos, sobre o avô que eles não conheceram.

Por exemplo, este homem incrível, me ensinou que: 

  • É bom cumprimentar as pessoas na rua. Mesmo quem a gente não conhece. É um gesto de cuidado, educação e gentileza que não custa nada e deixa todo mundo mais feliz e conectado. 

  • “Tem duas coisas que não aguento: calça curta e sapato sujo.” 

  • Poupar é fundamental, e uma questão de hábito, disciplina, otimização e inteligência: deixar de gastar com aquilo que não importa possibilita viver melhor o que importa e alcançar qualquer objetivo. 

  • O conhecimento é o tesouro mais importante a ser adquirido, ninguém pode roubá-lo de você e sempre é possível transformá-lo em algo ainda melhor e valioso. 

  • Uma pessoa não precisa ser rica ou andar com roupas e sapatos caros, ela precisa ter dignidade, ser honesta, e se esforçar pelas coisas boas; é isso que a torna uma pessoa “de valor”. 

  • Nem todo mundo teve as mesmas oportunidades que você, então seja paciente e tolerante. 

  • É nossa responsabilidade cuidar do meio ambiente, nos comprometer a fazer o melhor por ele, fazer o possível para preservar as coisas boas da natureza. 

  • A tempestade é uma das coisas mais terríveis e belas do mundo. Assim como o mar, com o qual é preciso lidar com um cuidado extra: admirar, aproveitar mas sempre respeitar. 

  • Ás vezes é melhor pagar mais caro por coisas duráveis do que desperdiçar dinheiro comprando coisas baratas que estragam logo. 

  • Nem sempre as coisas são o que parecem, muito cuidado: “um sorriso largo, ás vezes, é pior que um soco forte no saco” (ele sabia que eu não tinha saco e, pra mim, dizia outras variações, mas eu já ouvi ele falando essa, e parece mais com ele).

  • A vida é muito curta. Valorize o que você tem. Viva sua vida plenamente, e realize seus sonhos antes que seja tarde. 

 

Aquele plus: ou seja…

É verdade: eu tive um homem realmente incrível para chamar de papai. Mas dizem que as saudades do que não tivemos doem mais.

Espero que seja mentira, afinal, a saudade do que tivemos já é bem dolorosa e, como diz a música: cada um sabe a dor e a delícia de ser o que se é.

De todo modo, torço para que você encontre suas próprias resoluções e que descubra, caso ainda não veja dessa forma, que não é a ausência de figuras que torna alguém incompleto, que deixa “lacunas”. Mas a indisposição de estabelecer conexões reais, verdadeiras, puras, com quem quer que seja, com quem quer que a vida oportunize. 

Portanto, se eu pudesse dar uma sugestão seria: esteja atento(a) a novas chances de se conectar com as pessoas e coisas certas, e agradeça as que teve até aqui, entregando-se verdadeiramente a elas. 

Abrace quem você ama, com barba ou sem barba. Jovens e velhos. Rabugentos e bem-humorados. Barulhentos e silenciosos. Discretos ou extravagantes. 

Diga que as ama, faça a elas declarações públicas e privadas de amor. Homenageie quantas vezes forem necessárias, de todas as maneiras possíveis. Não tenha vergonha nem medo. 

Mande cartas, bata fotos, almoce junto. Publique ou não publique. Despeça-se sempre de uma forma gentil e amorosa. Faça as pazes. Perdoe, mesmo que internamente. Dê beijos. Acarinhe.

Dê, antes de receber. Não perca tempo justificando seus erros com o erro daqueles que vieram antes de você. Não limite a sua capacidade de amar usando os mesmos padrões de limitações dos outros. 

Reserve-se ao direito de viver plenamente estas conexões que dispensam datas, protocolos, espaços, contextos, regras. Pois, acredite, elas podem passar mais rápido do que desejamos, antes que estejamos prontos. 

 

 

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As histórias por trás de toda história

Desde o início eu sabia que haveria um tipo específico de artigos onde eu traria reflexões inspiradas ou baseadas em filmes, séries, músicas e livros.

Porque sempre tive a impressão de aprender muito sobre a vida, pessoas e relacionamentos com essas coisas, com personagens, com histórias, com aventuras que eu não havia vivido mas de cujos louros eu poderia usufuir. 

Portanto, eventualmente, vou trazer uma abordagem específica, de alguma coisa que mexeu comigo, me fez ir além. Sabe aquele livro, filme, série que te deixa sem ar? Que acaba e você fica paralisado, atônito, com a cabeça a mil? Ou que você passa a semana toda pensando sobre? Então.

Essas coisas que a gente não consegue descrever, adjetivar com poucoas palavras, digerir em alguns minutos. Essas coisas que dá vontade de conversar a respeito, escrever a respeito. É disso que se trata.

Assim, está oficialmente lançada a série Coisas que São. Adianto que minha pretensão não é tentar ocupar um espaço da crítica de cinema ou literatura. Mas sim usar histórias incríveis para falar daquilo que a fantasia entrega para a realidade. Afinal, dizem que a vida imita a arte, mas em algum ponto, ovo e galinha se tornam pontos de inícios e finais. 

Não é o que você está pensando!

Bem, eu não posso evitar estrear com esta obra confusa e genial, no meu ponto de vista. Preparem-se, porque vou compartilhar uma bolota intragável que consumi há alguns meses.

Uma bolota com nome, elenco, fotografia, produção e uma espécie de…trilha sonora. Posso dizer que foi um filmezinho bem do sem-vergonha, que entrou infiltrado na minha lista interminável. 

Como assim? Acontece que, uma vez, enquanto assistia a um vídeo ou série de trailers (ah! o ócio), apareceu o trailer de um filme que, na ocasião, me despertou atenção.

Tratava-se de uma mulher que tinha o sonho de cantar, mas como o marido não a apoiava ou entendia ela decidiu partir rumo ao sonho. Só que ela não cantava muito bem e o caminho parecia longo.

A partir daí, o que eu fiz foi o que qualquer pessoa faria: anotei e guardei o nome desse filme que me interessou tanto em um lugar impossível de perder.

E, adivinhem?! Eu perdi, lógico.

Até que me deparei com a sinopse de um filme e pensei que só podia ser ele.

Adivinhem, de novo? Não era, claro.


Mesmo assim, algo na sinopse do filme que não era me atraiu. Pensei: “Por que não?! Quem sabe um dia?”. Até que o tal dia chegou. Entre os milhares de itens da minha lista, alguma coisa me levou a descobrir este. E que bom. Meu instinto, mais uma vez, me presenteava com uma excelente oportunidade.

Foi sim aquele tipo de filme. Sabe? Que, quando acaba, deixa a gente boquiaberto, andando meio torto. Peito aberto. Em transe.

Demorei para “acordar” e passei dias pensando. Talvez dei sorte e o filme me pegou no momento certo, talvez simplesmente seja incrível e você precise ver.

Então, vamos falar, SEM SPOILER sobre…

Marguerite!

Para começo de conversa: Tudo em Marguerite não é.

Não era o filme que eu procurava e anotei no papelzinho. Mas gostou desse negócio de me enganar, e continuou não sendo. Marguerite não se trata de uma cantora desafinada na sociedade elitista da Paris dos anos 50. Não se trata de uma mulher rica que compra todos os seus sonhos e caprichos. 

Marguerite, talvez, se trata de um ser-humano cheio de posses que teve o azar de ter um sonho. Se você assistiu o trailer antes (como eu) não se iluda: não temos aqui uma comédia. 

Essa ficção, inspirada na história real da socialite Florence Foster Jenkins, não se trata de coisinha banal. Não dá para pôr na sessão da tarde – ninguém suportaria mais do que Edward Mãos de Tesoura por lá. Aqui, temos uma verdadeira obra-prima da frustração, da crença, da entrega.

Marguerite trata das paixões que não sabemos gerenciar mas sem as quais jamais conseguiríamos viver. Todas elas. Físicas, emocionais, espirituais. Nossas obsessões, nossas crenças, nossas demandas mais urgentes e excruciantes.


Marguerite trata da solidão que encontra fim na fé e na arte. Marguerite, a personagem, por sua vez, não é uma cantora desafinada. Ela é uma idealizadora. Uma artista presa num corpo e numa condição.


Em resumo, não se trata de um romance nem propriamente de uma crítica, mas também não é um drama. Sequer é um drama. Como você vê, é difícil até para mim falar sobre Marguerite.

Mas vou seguir tentando, mencionando alguns tópicos que falam do que Marguerite é – sem simplificar a sua vida. Porque Marguerite é complexo demais, e falar a respeito de forma simples seria, no mínimo, um desperdício.

 

Detalhes, inconstância, não-pertencimento e o encatamento de cada essência – como a vida real!

     

A obra, acima de tudo, conta a história de pessoas que se conectam pela mesma razão: vagam presas, limitadas, condicionadas, ocultando o melhor de si.

Marguerite, o longa, não parece ter a pretensão de colocar em caixas de heróis e bandidos, bons e maus. Não se preocupa, inclusive, com atos catastróficos.

Marguerite se trata dos detalhes. Do olhar que abaixa. Das sobrancelhas que expressam. Do barulho que parece um gato miando, escondido em algum lugar. Das cenas da caça que não teve chance. Do cuidado e da complexidade que só quem vive pode degustar.

Ora ela é louca. Ora ela é adulta. Ora é criança. Ora é ambiciosa e audaz. Ora inocente. Ora profunda, ora superficial. Ora cheia de orgulho, ora sem orgulho nenhum.

Ela é, por fim, humana. Ela é como eu e você. E por isso que se encaixa tão bem. O não-pertencimento é difícil para Marguerite como para todos nós. 

Podemos até dizer, por exemplo, que a abordagem de um casamento fracassado e de fachada é importante na trama. Mas, de novo: é mais que isso. 


É a manifestação da complexidade das relações, do status, das normas sociais subjetivas e como isso afasta ao mesmo tempo que aproxima.

 

Claro que, no olhar ocidental, moderno e evoluído (ainda bem) somos capazes de enxergar em George um cretino egoísta. Mas se realmente nos esforçarmos em nos tornarmos empáticos, veremos também um homem carregado de medos e crenças que, nem assim, impedem de preservar um genuíno carinho pela esposa.

Um carinho, bem verdade, freado pela sua própria incapacidade de se aceitar que, por sua vez, reflete-se na flexibilidade em aceitar aquilo que sua mulher representa: a extravagância dos que seguem autênticos.

Já, em Madelbus, podemos escolher ver um homem misterioso, ora assustador, ora apaixonado, ora obcecado. Ora bondoso e generoso. Ora capaz de fazer o que for necessário para preservar sua protegida.

 

A velha necessidade do julgamento e a urgência atemporal da empatia 

Falamos de George e Maldebus. Mas também Marguerite tem seus excessos.

Como poderia ser diferente? Rica, desde sempre e conduzida apenas a casar e exercer um papel social, seria natural que se buscasse caminhos e caprichos que distraíssem a personagem.

A verdade é que cada um de nós tem suas próprias manias. Precisamos delas, de algum jeito estranho. Apenas adequamos essa necessidade (de ter manias para chamar de nossas) à realidade em que vivemos, buscando um meio de torná-las possíveis.

Criamos estas manifestações de singularidade por diversas razões e ás vezes nem as percebemos. Mas elas não surgem do nada e sempre têm uma construção, um ponto de onde ela se originou e tornou-se indispensável. Inclusive, coicidentemente, falei sobre isso aqui recentemente.

Assim, mesmo quando notamos estes padrões, não os assimilamos como manias. São hábitos, são nosso modo particular de ser no mundo. As do outro sim, facilmente podem ser interpretadas como manias, frescuras, bobagens.

Então: não. Comer apenas comidas brancas não é uma mania para Marguerite. Não é uma frescura. É um objetivo. É a maneira pela qual ela ameniza uma dor latente de não ser tanto quanto sente que pode, que deve, que nasceu para ser.

É um modo, talvez, de sentir que tem algum domínio sobre sua vida: ela não controla o que sai de sua boca, mas este pode ser sua maneira sutil e estranha de decidir o que entra.

Também é possível concordar que é incômodo o esforço em mostrar esse lado doloroso de se ter tanto dinheiro a ponto que ninguém estar disposto a ser honesto. O discurso, embora válido, não faz mais sentido: somos minorias demais.

Mas para garantir que tenha ficado claro: também não se trata disso. Sobre riqueza ou pobreza ou os méritos de cada lado. Se trata de empatia. De seres-humanos. De acreditar tanto nos sonhos que ninguém ousa arrancar isso de você.

Se trata de um homem que se entrega ao amor de uma mulher brilhante e, ao mesmo tempo, vulnerável. De um garoto que não aprendeu a crescer e precisa de fugas. De uma talentosa voz incapaz de lidar com a entrega . Esse é o entorno de Marguerite. 

Sobre ela, interpretada magnificamente por Catherine Frot, há algumas características fixas e fáceis em nossas expectativas: cantora, velha, rica, desafinada.

Mas ingênua, jovem, pura, fresca, leve, solta também são adjetivos que facilmente podemos destilar para Marguerite e que provavelmente são mais adequados à sua essência.


Um exercício de paciência

Além de tudo, Marguerite tem seu ritmo. É um filme lento. Cheio de pausas. Com cenas que a princípio não fazem sentido e com espaços que demoram.

Marguerite é sim um exercício de paciência. Mas não nos vence pelo cansaço. Nos vence pela coragem.

Assim como a própria personagem, que ao contrário das primeiras suposições vai, aos poucos, mostrando que não conquista as pessoas que seguem ao seu lado por causa do dinheiro, mas porque os inspira. Ela os ganha pela pureza e autenticidade sem ser arrogante, boçal, prepotente.

Embora rica, embora profundamente comprometida há anos com sua prática errática, ela escuta. Ela está disposta. Ela ouve. Mas ninguém quer lhe dizer o que ela precisa. E disso ela não tem culpa.

Marguerite, com toda essa paciência, me impactou. Me ensinou coisas para as quais eu não estava totalmente preparada. Algo em Marguerite parece um soco em algum lugar no esôfago.

Depois de engenhosamente construída como mito, como rainha, como musa inspiradora.

Manipulada de forma mais cruel que personagens de um livro, que ganham sua própria vida aqui, ainda deixa um poderoso alerta: cuidado para não estar vivendo o sonho de outra pessoa. Afinal, para Marguerite isso nunca foi tão verdade.

Entregou olhares, e chegadas que nunca vieram. Driblou meu senso precipitado e falho de julgamento e me mostrou que há muito mais quando estamos dispostos a ver as matizes. Lembrou de como cada um é, do seu modo, essencial para toda história. E me fez pensar nas inúmeras histórias escondidas atrás de cada um.

Por isso tudo, pela primeira vez, um filme exigiu de mim paciência, sem me irritar.

 

O que podemos aprender

Como eu disse, é possível extrair muito aprendizado de praticamente tudo que vivemos, vemos, sentimos. E a ficção tem um enorme potencial de fazer issso. Portanto, as coisas mais importantes que Marguerite me trouxe foi a lembrança, não necessariamente nessa ordem, de que:

  • Nós somos os únicos responsáveis por acreditar nos nossos sonhos.
  • Alguns sonhos são maiores que nós. Outros, não são sonhos. 
  • É importante descobrir o que, de verdade, nos transcende e o que é fuga, válvula de escape. 
  • Autoestima é ótimo, mas  o ego e a vaidade podem cegar e nos confudir.  
  • Quando olhamos para alguém, só vemos a superfície, sempre há mais. Muito mais. 
  • As razões do outro são facilmente convertidas em manias, as nossas, em particularidades. 
  • Sinceridade é importante, mas deve ser aplicada com gentileza. 
  • O bakcground de cada um pode ser surpreendente, mas descobri-lo exige cuidado.
  • Seres-humanos são complexos e, na grande maioria das vezes, só estão tentando fazer o melhor que podem
  • A intuição e sensibilidade aos detalhes podem ser cruciais na tomada de decisões.
  • Ingenuidade, vulnerabilidade e fé são agentes eficazes em conectar pessoas. 

Bom, imagino que, se eu assistir novamente, a lista aumentaria. Mas acho que está de bom tamanho. 


PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

Bom, temos e não temos algo complexo para a prática de hoje. Afinal, depois da geléia mental do meu cérebro, não poderia encerrar diferente. Então, vamos lá.
1. Que mentiras você tá contando para si mesmo? Escreva em uma folha tudo aquilo que vêm à sua mente, avalie cada tópico, selecione um mais alarmante, e guarde.
2. Analise como você informa às pessoas sobre suas expectativas e sentimentos e reflita sobre como interage com a sinceridade: Você tem medo de falar a verdade? Ou fala verdades demais? Como isso afeta as pessoas ao seu redor? E a você?
3. Agora, investigue as duas respostas e trace uma meta que melhore sua relação de verdade com o outro. 
Ah! Se tiver alguma sugestão, nos envie um e-mail!

 

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Quatro coisas que me salvaram

Constantemente lembro-me de como eu era um ser-humano mais bosta até poucos anos atrás. E como isso parece ter diminuído gradativamente conforme os anos, experiências, pessoas, conhecimentos e leituras (boas/bons e ruins) foram se passando.

Não estou dizendo que alguém com características semelhantes seja bosta (como as que mencionei aqui), nem que eu acredite realmente que deixei de ser meibosta.

Mas, olhando para quem sou agora e para tudo que concluí até então, só posso me sentir mais bosta mesmo, quando penso na minha eu de antes.

Como já falei muitas vezes, não posso garantir quando foi o momento estopim, se é que houve algum. Um momento exato da mudança, a única coisa, pessoa ou leitura que me tocou.

Mas se tem algo que eu posso fazer, é listar certas decisões que foram…hm, decisivas?! Não só na mudança de comportamento como um todo, mas também em relação à adoção de determinadas práticas extremamente importantes para que eu tivesse uma vida melhor, dentro daquilo que descobri como meus padrões.

É claro que, nesse sentido, eu teria muito mais pra falar, porque existe uma porção de coisas que me ajudaram/me ajudam. Mas nesse post vou me referir especificamente a coisas mesmo. Objetos, coisas palpáveis, sabe?

Ah! Elas acabaram, sem querer, vindo exatamente na ordem em que aconceram. Eu gostei da ideia e mantive assim. Então, vamos lá.

 

1. O violão

Ter começado a aprender um instrumento me trouxe benefícios pelos quais sempre serei gratas. O violão entrou num momento nada original da minha vida: a terrível adolescência.

Então, como muitos adolescentes, aos 14 anos eu havia me tornado incontrolável. Para mim e para os outros. Em suma, eu era uma adolescente completa.

Tinha crises imensas de choro, tristeza, raiva. E não só me sentia sozinha: eu era sozinha. Não tinha amigos (e juro que não foi falta de esforço) e, para fingir que tava tudo bem, costumava dizer a mim mesma que não precisava de ninguém.

Meu pai, que sempre foi meu herói e reduto de consolo, já não lidava tão bem com aquela menina histérica, dramática, teimosa e desobediente.

Eu não era mais a garotinha de cachinhos, olhar bondoso e parceira de todas as horas. Assim, cada “não” que vinha dele, era uma razão a mais para dificultar sua vida e torná-lo meu inimigo.

Eu quebrava coisas, batia portas (e algumas também quebraram um pouco, tamanha a força), dava socos na parede (antes mesmo de saber que as pessoas faziam isso nos filmes, como uma manifestação apaixonada e problemática da raiva), gritava com os outros sempre que algo dava errado e não sabia lidar com as dificuldades normais da vida.

Portanto, também seria quase dispensável dizer que eu passava muito tempo ouvindo Legião Urbana, Pink Floyd, Guns Roses, Metallica e Ramones no meu quarto, o tempo todo, já que:

  1. eu não tinha amigos;
  2. internet só depois da meia-noite, escondida (sim, amigos mais jovens);
  3. e escrever durante muito tempo dava dor nos dedos.

Então pensei: bem, quem sabe aprender a tocar violão pode propiciar uma nova atividade individual agradável para colocar no menu.

E a mudança foi rápida para mim. Aprender (ou tentar) a tocar violão me trouxe disciplina, dedicação séria a algo, comprometimento e principalmente, concentração.

Quem já tentou aprender um novo instrumento sabe que é impossível fazer sem concentrar-se. É preciso tocar muito agilmente as notas, mesmo nas músicas mais lentas ou “fáceis”, e trocar notas geralmente envolve um conjunto complexo de formação dos dedos, respiração, e contagem instantânea.

Só ali eu vi que aquele modo agitado e intempestivo de ser era prejudicial. Não só para alcançar meu objetivo de conseguir tocar pelo menos uma música inteira sem errar, como para todos os aspectos da minha vida.


A partir de então, foi mais possível entender porque meus pais faziam aquela expressão de que estavam prestes a me esganar (embora eu não admitisse para eles, claro).


Além disso, essa época também foi deliciosamente temperada por pessoas que, de certo modo, eram meus amigos. Nós ríamos juntos e ousávamos compartilhar uns com os outros fragmentos de nossos medos e preocupações.

Por mais curta que tenha sido aquela amizade, não posso dizer que não foi verdadeira. Éramos honestos e confiávamos uns nos outros, não tínhamos vergonha e, acima de tudo, buscávamos genuinamente ajudar-nos.

Precisei admitir que eu queria mais daquilo sim: ter amigos, pessoas com quem houvesse identificação de valores e com quem eu pudesse dividir um pedaço da vida.

Obs.: E…sim. Eu consegui tocar pelo menos uma música inteira, sem errar. rs e de vez em quanto brinco com outras!

 

2. O diário

Foi mais ou menos nessa mesma época, depois de ter percebido algumas coisas sobre mim mesma, que decidi retomar a ideia do diário (iniciada de uma forma bem grostesca, na infância, com letras e desenhos incompreensíveis).

Embora eu lamente ter abandonado a prática, tive diário por uns quatro anos seguidos. E foi transformador de várias maneiras.

A primeira delas é que eu notei que, ao falar livremente sobre meus sentimentos sem ser julgada, eu ficava muito mais tranqüila. Era como se um peso enorme saísse de mim.

Normalmente fazemos isso com os amigos, mas como eu não tinha muitos disponíveis (para não falar o óbvio), era uma opção bem interessante!


Eu escrevia realmente todos os dias. Podia esquecer de escovar os dentes ou decidir tomar banho só no outro dia, mas escrever no diário era um hábito tão automático como tomar água quando estamos com sede.


É claro que, antes dos diários eu já escrevia muito: poesia, textos em prosa, desabafos juvenis espalhados, entre outros tipos de conteúdo. Então, na ocasião, eu já tinha acumulado vários cadernos e folhas soltas, devidamente guardadas em uma caixa.

Porém, a escrita do diário, era totalmente diferente. Não eram como arrombos inspiracionais que duravam dias e madrugadas adentro, cheios de paixão, intensidade, furor, fluidez, velocidade e mãos tentando acompanhar pensamentos — que cessavam tempos depois.

Não. Eram geralmente serenos, estáveis, práticos. É inegável que havia toda a tragédia e perspectiva dramática de uma adolescente passando pelas transformações e frustrações naturais.

Mas ainda assim era uma atividade de cunho prático e funcional. Era perene e constante. Era como fazer um relatório minucioso para um professor exigente.

A segunda razão pela qual foi transformador é que, ao escrever, eu também acabava refletindo sobre os acontecimentos que estava relatando, sobre o que eu estava sentindo e de onde vinha.

Essas coisas não apareciam se eu apenas ficava pensando sobre elas. Pelo contrário, ficavam ainda mais confusas  e assustadoras.

Mas escrever sempre deixava as coisas mais claras, para mim e para os outros (sobretudo meus pais, que acabaram sofrendo com alguns “recadinhos” nada elogiosos meus).

Por fim, o terceiro modo com que isso me transformou é que…cara! Ler aquilo era sempre positivo. Seja porque eu dava muita risada (como quando eu lia coisas mais antigas, de meses ou anos anteriores), seja porque me permitia refletir a respeito, lembrar de alguns dilemas, dúvidas e inseguranças, pensar em novas perspectivas.

Não à toa, até hoje tenho esses diários e guardo eles com muito carinho. Ali está parte de quem fui, e muito da minha transformação ao longo dessa fase de “sobrevivência”.

Passei a abandonar a prática quando comecei a trabalhar e fazer um curso a noite. Depois veio a faculdade conciliada com o trabalho. Como costuma acontecer, outras coisas ganharam prioridade e “roubaram” aquele espaço importante do dia.

Como eu disse, sinto um pouco de arrependimento de ter deixado de fazê-lo porque, desde que parei, aconteceram tantas coisas na minha vida, que eu gostaria mesmo de tê-las relatado adequadamente, para lembrar, para me revisitar. Sabe?

Então, uma resolução bem recente foi tentar voltar a prática. Até adquiri um exemplar resumido (365 perguntas, por cinco anos), que é bem gostoso de responder e útil (já vejo as diferenças de um ano para o outro, por exemplo). Mas pretendo usar também o modelo raiz: todo dia, páginas livres.

Inclusive estou pensando em criar um modelo para facilitar alguns gatilhos que acho válidos registrar, como a questão de saúde, hábitos, dores e afins (sabe como é ne, a gente vai ficando veio e sentindo necessidade de resolver mais e melhor essas coisas).

Se você tiver interesse em ser avisado quando isso acontecer, informe abaixo seu e-mail! 


Também já testei um modelo para lá de prático e resumido, que achei muito interessante mas por alguma razão não funcionou muito bem comigo, porque acabo sendo bem genérica e acho legal algo menos restritivo.

Mas fica a dica para quem é mais objetivo: esse artigo explica bem direitinho e o método é super simples e barato.

 

3. A bicicleta

Cara. Minha relação com as magrelas começou bem turbulenta. Ganhei uma linda dos meus padrinhos amados, no aniversário de sete anos.

Mas só comecei a andar sem rodinhas depois de muito tempo (e de várias bicicletas adultas que meus pais tinham que comprar e colocar a rodinha, afinal eu era muito alta para as infantis).

Então, imagine você a cena. Eu e a galera da rua (ou seja, minha prima e os amigos dela, gentilmente compartilhados comigo) dando rolezão.

Eles andando sem uma das mãos, sem NENHUMA das mãos, subindo e descendo de degraus e meio fios, e eu. Super maneira. Na minha super bike adulta. De rodinhas. Eu achava ok. Mas ficava tentada a experimentar aquela sensação. Assim, todos tentaram me ajudar.

Meu pai, coitado, todo dia sugeria algo novo. Minha mãe incentivava com sorrisos e olhares confiantes. Minha irmã mais velha dava todas as instruções, didaticamente. Nada resolvia.

Eu estava determinada: “tudo bem, vou andar para sempre de bicicleta de rodinha oras, qual o problema?”. Veja, eu já estava com uns 13 anos.

Todo mundo que eu conhecia tinha começado a andar de bicicleta (sem rodinha claro, porque a rodinha nem era considerada como andar de bicicleta) no máximo, aos sete.

Quem andava de bicicleta, impreterivelmente tinha começado nessa idade e a rodinha sequer era mencionada. Basicamente, quem não tinha começado a pedalar aos sete, era quem não tinha interesse em pedalar.

Mas eu tinha. Eu gostava de pedalar. De rodinha. Óbvio. Chegou ao ponto de eu repelir a ideia de andar numa bicicleta sem rodinha. Até que um dia minha prima conseguiu. E eu sempre vou agradecê-la por isso.

Ela fez o que meu pai, minha mãe ou minha irmã não tinham coragem de fazer. Afinal, ela também era uma criança, mas ela era melhor que eu nisso: ela não tinha medo.

Se ela era capaz de botar barro e areia nos meus ferimentos com sangue, para “estancar” porque era “meio médica” e sabia o que tava fazendo, ela CERTAMENTE seria capaz de me dizer:

“Olha só, vou te jogar desse morro aqui e você faz tudo que eu te ensinei, ta bom? É fácil, tu vai conseguir” – Foi mais ou menos o que ela fez.


Provavelmente inspirada pelos vários exemplos (bons e maus sucedidos) de filmes e por alguma das propagandas da Caloi, ela tinha muita certeza de que aquilo iria funcionar.

Nem mesmo ficou pensativa quando sugeri que aquela rua, cheia de paralelepípedos irregulares e buracos, talvez não fosse a melhor opção.

Porque além de eu cair (como várias vezes já tinha acontecido) e me machucar pela queda em si, eu me machucaria ainda mais ao cair no meio daquelas pedras. Não. Para ela não tinha crise. Ia dar certo.

“Deixa de ser medrosa, já te ensinei tudo que você precisa, acredite em você, você consegue.” Por obra do destino, pelo meu apurado instinto de sobrevivência, e pelo fato de não ter muita escolha, deu. 

De alguma forma, fiquei naquela geringonça por incríveis trinta segundos! Cai logo depois, mas tudo bem. Foi com estilo e consideramos a empreitada bem sucedida. Fiquei tão confiante por aqueles segundos convictos que depois ficou fácil.

No entanto, após algum tempo, ela precisou se mudar para o Rio e, com isso, todos os “meus” amigos bicicletados também deixaram de fazer parte da minha vida. Cheguei a pedalar durante alguns verões, mas era uma atividade sazonal, embora agradabilíssima.

Até que, já crescida, e tendo abandonado até mesmo a sazonalidade da pedalação (afinal, no verão, para uma jovem, surgem várias outras atividades bem mais interessantes), voltei a pensar nisso. Mas não ao acaso.

Eu tinha recém saído de 1. um trabalho que me deixava ansiosa; 2. de uma experiência traumática e 3. de um estilo de vida irregular, sedentário e gastronomicamente tóxico (era normal almoçar coxinha de frango com muito azeite de oliva, ou pizza da padaria com muito azeite de oliva; e repetir essas riquíssimas refeições também no lanche, e ás vezes a noite).

Então, depois de passar por uma fase magra, alta, morena, atleta, corredora, bonita e sensual eu estava me sentindo um saco de banha, inútil, gordurento, com a pele horrível, com o cabelo opaco, com olheiras, cansada.

Muito pior do que quando eu só era gordinha por conta dos remédios que tinha que tomar por conta de um quadro alérgico.

Enfim. Por sorte, logo chegou o verão, e aproveitei para relembrar a estação mais quente do ano sob duas rodas, já que na época a maioria dos amigos que eu tinha feito estavam vivendo em outros lugares, tinham feito outros amigos, tendo outras vidas.


Foi um período maravilhoso, inteiramente meu. Andava por todos os lugares, via as pessoas, parava para fazer um lanche saudável na beira-mar, curtindo o sol e o vento, o peso da lua e das estrelas. Senti que era livre.

 

E chegava feliz em casa, sem nenhuma vontade de comer por impulso. Mas quando voltei para a “cidade” e para o meu novo emprego, cada dia que passava me dava mais saudade daquilo.

Eu tinha rapidamente voltado para um estilo de vida ansioso e nocivo, comendo muito, me exercitando nada, dormindo pouco e mal, ficando estressada com o trânsito e com a correria de tudo.

Então tomei algumas resoluções. Uma delas é que eu compraria uma bicicleta, e eu usaria ela para me locomover. E ponto. Não teria mimimi de morro. De movimento de carros. De falta de acostamento. Ia andar SIM de bicicleta.

No início meus pais não botaram muita fé e tinham certeza que duraria pouco, que eu não agüentaria o tranco (porque sempre fui preguiçosa mesmo rs). Mas, ainda bem, surpreendi a eles e a mim. Minha vida mudou COM-PLE-TA-MENTE. Sério.

Continuava acordando sonolenta e me arrumando rapidamente. Mas ao invés de entrar no carro e dirigir rumo ao insuportável tráfego, eu pegava a bicicleta e ia surfando pelo asfalto.

Desviava de obstáculos, acelerava ou parava, passava entre vãos, subia e descia níveis. Quando chegava no trabalho estava disposta, acordada, com energia.

Passei a me importar cada vez menos com a trabalheira de trocar de roupa, secar o suor, me arrumar de novo para estar num nível minimamente razoável para o ambiente “corporativo”.

O mesmo aconteceu com os olhares atravessados, com a risadinhas e deboches do corredor de gente desocupada, com a encheção de saco de alguns motoristas mal-educados e grosseiros, com o preconceito, com a incompreensão de alguns, etc.

Além da alegria de estar me sentindo “no comando”, vieram outros benefícios como conseqüência. Por exemplo: descobri que aquele era meu estilo de vida, e instantaneamente a sensação de liberdade se tornou indispensável.

Isso fez com que eu repensasse sobre minhas roupas também. Afinal, eu deveria estar confortável se quisesse andar de bicicleta. Portanto também precisava desempenhar atividades profissionais que permitissem isso.

O próximo passo foi decidir que eu buscaria oportunidades futuras de trabalhar em um local que fosse mais flexível quanto ao dresscode e eu pudesse me sentir mais eu mesma. 

 

4. Os tênis

Com isso, vieram outras resoluções: eu usaria tênis. Procuraria tênis bonitos e confortáveis que eu pudesse usar para pedalar, ir ao cinema, trabalhar ou caminhar no parque.

Se você é homem e as mulheres da sua vida são perfeitas damas que se dão bem nos sapatinhos lindos e tipicamente femininos, talvez esse tópico não faça sentido para você. Mas, se você é mulher, e nunca se adaptou muito bem nos tais calçados, sabe do que estou falando.


Eu não submeteria mais os meus pés ou o meu corpo ao sofrimento das sapatilhas e outros calçados desconfortáveis que fingimos ser confortáveis para ficarmos mais a altura do que esperam de nós.

 

É claro que isso foi fortemente impulsionado por um problema de joelho que eu tinha há anos e só depois percebi piorar conforme o sapato que eu usava. Mas foi igualmente libertador.

Confesso que no início foi estranho e difícil. Até hoje tenho que pensar em alguns looks para determinados eventos, de tênis.

Pesquisei bastante, salvei uma porção de referências no pinterest ecomecei a imaginar como isso poderia funcionar sem que eu me sentisse mal, deslocada ou desrespeitada.

Não foi nada absurdo. Eu já tinha bastante clareza sobre o estilo de roupa que combinava comigo. Então, bastaram alguns poucos ajustes e achar os tênis ideais, que tudo se acertou.

É claro, para determinados eventos e ocasiões ainda me obrigo a usar um sapato diferente. Mas não mais salto ou sapatilhas.

Escolho sapatos preferencialmente de couro, duráveveis e confortáveis que combinem comigo, com meu estilo e que eu não precise fingir ser quem não sou.

Nesse mesmo viés veio o desapego do jeans. Continuo usando calça jeans, afinal elas são práticas e praticidade é algo que tem tudo a ver comigo.

Mas dou sempre preferência para aquelas que tenham bastante elastano, sem zíperes ou botões e cintura alta. Essas, por sua vez, perdem para as de alfaiataria que consegui achar no meio do processo.

E o mais legal é ver como o mercado está cada vez mais preparado para atender a demanda. Tenho visto váras marcas e referências femininas assumindo de vez os tênis, fruto de todo o trabalho relacionado ao empoderamento feminino e movimento girl power.

Não estamos mais aceitando esmagar nossos lindos pezinhos em qualquer sapatinho de cristal não. Queremos e merecemos conforto, em todas as ocasiões.

Sem dúvida, vez ou outra ainda rola aquele olhar 43 de reprovação, um desconforto de alguém ao ver uma mulher usando tênis fora da academia ou do piquenique no clube.

Mas isso é normal e a gente vai tirando de letra a medida que entende que é um incômodo completamente irrelevante perto da delícia que é poder andar entre nuvens e não ter que esperar chegar em casa para sentir aquele alívio, relatado e vivido durante tanto tempo.

 

Finalizando: experimente.

Decidi compartilhar com vocês porque realmente essas coisas me salvaram, cada uma no seu tempo e do seu jeito. Elas foram instrumentos essenciais para me levar para um outro degrau. Descobri intuitivamente, meio “sem-querer”.

Ou sej: eu não te conheço, ou a sua realidade. Não sei quem você é, ou os problemas que encara. Mas eu poderia, ainda assim, recomendar que tente algumas dessas atividades. 

Na pior das hipóteses, você terá aprendido algo sobre você e, quem sabe, descubra outras “ferramentas” que funcionem melhor para o seu caso. 

E, por favor, se puderem, compartilhem suas próprias listas. 

 

 

PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

  clique para ouvir a música recomendada para essa prática

A prática de hoje é simples e dispensa tópicos: não importa se você está triste, feliz, neutro. Descubra algo novo, tente uma atividade diferente. Sério. É sempre muito bom! E também muito fácil. Ligar o som alto e dançar sozinho(a) em casa já ta valendo. Se possível, tente registrar isso de algum modo. Crie seus botes salva-vidas, porque é algo seu, cujo uso e proveito depende apenas de você mesmo.   
Se quiser, divida sua própria lista, publique sua experiência no instagram e twitter usando #assimpassa, ou nos envie um e-mail! 
 

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Você realmente sabe de onde (isso) vem?

Como costuma acontecer, sem identificar com clareza o gatilho, me peguei pensando em um aspecto que somente a partir daquele momento, passou a soar curioso: a base sob a qual construímos nossas percepções.

Veja, temos a tendência de pensar na vida apenas no espectro em que passamos a existir nela. Ignoramos, sem querer mesmo, o que aconteceu antes de nascermos, antes de sequer sermos cogitados. 

Não. Não só antes de nós, mas antes dos nossos pais, antes dos nossos avós, muito além, inclusive, nessa régua antecessora. 

Então, a partir dessa percepção de curtíssimo prazo, avaliamos as pessoas e as situações.


De onde isso vem?

Colocamos rapidamente as pessoas, os acontecimentos, tudo, em caixinhas na nossa mente. Mas, de onde isso vem?

Acredito ser um impulso primitivo de sobrevivência: precisamos saber o grau de interação que podemos ter com aquilo que chega até nós.

Quando nos deparávamos com mamutes furiosos e famintos não era natural pensarmos:

“Oi, mamute! Sei que agora você está furioso e faminto, mas por favor, me conte sua história.” 

Ou então:

 “Cara. Você já parou para se perguntar por que você é um mamute?”

e ainda:

“Que atitudes, como mamute, você poderia mudar para ser um mamute mais feliz?”.


Simplesmente não se tratava disso.

Mas continuar avaliando os fatos do presente com base em um passado distante enraizado em nós perde bastante o sentido quando lembramos que não somos nem mamutes nem homens corcundas, mudos, cobertos de pêlo que precisam aniquilar o próximo para sobreviver. 

Evoluímos e, em quase todos os aspectos que posso me lembrar, não consigo pensar em um que valorizamos tanto quanto aqueles capazes de justificar nossas falhas de pensamento e ação.

 

Vamos testar

Se eu lhe perguntasse agora, por exemplo, seu nome, sua idade, o ano em que nasceu, ou a cidade em que nasceu é muito provável que você saiba responder. 

Talvez até tenha conhecimento do que acontecia no seu país, a idade da sua mãe ou do seu pai quando se tornaram sua mãe e seu pai. 

Mas você saberia dizer com precisão estes dados do seu colega de trabalho? Como foi a infância dos seus pais ou de alguém que você simplesmente não consegue entender? 

Você pode, sem esforço algum, pensar nas pessoas que te trouxeram ao mundo, te criaram e fizeram parte do seu desenvolvimento – sua tia, seu filho, seu professor – como pessoas “comuns”, sem associá-los aos papéis que exercem ou exerceram em sua vida?

Talvez eu esteja errada. Mas não conheço pessoas que responderiam positivamente a todas estas perguntas .

E aqui, é claro que a metalinguagem parece estar presente também:


minha realidade me levou a construir uma determinada percepção sobre um assunto, guiou meu raciocínio e me levou a crer que esta, talvez, seja uma verdade. 


E assim seguimos nos pregando peças mentais. 

Pode ser, pode não ser. Mas a base sob a qual ela foi construída é relativamente fraca, baseada apenas no que vivi ou vi e ouvi daqueles que convivem comigo.

bolha social escopo

Nós acabamos, invariavelmente, avaliando pessoas e situações com base em pessoas e situações do nosso círculo. Da nossa realidade. O termo “bolha” tem sido comumente utilizado para se referir a este comportamento.

Embora ele faça muito sentido, também pode ser bem variável, uma vez que se estenda para a parte técnica da internet em si.

Para reforçar a idéia, existe outra teoria bastante conhecida que pode tranquilamente ser utilizada aqui, em uma licença científica para lá de poética: o paradoxo do Gato de Schrödinger.

Salvo complexidades físicoquânticas próprias do estudo, e resumindo bastante, o experimento mental proposto em 1935 pelo austríaco Erwin informa que um gato é colocado em uma caixa completamente fechada.

Na caixa há um frasco de veneno e um átomo radiativo com 50% de chances de se desintegrar dentro de uma hora. Se isso acontecer, uma espécie de sensor acionará um mecanismo que quebrará o frasco do veneno, levando o gato à morte.

Isso significa dizer que haverá um espaço de tempo em que o gato estará ao mesmo tempo vivo como morto – até que, como propôs o físico Niels Bohr na solução conhecida como interpretação de Copenhague, se abra a caixa para verificar. 

Quando damos voltas ao redor das nossas próprias percepções estamos cegos sobre o que de fato está acontecendo na caixa. Nossa perspectiva é limitada àquilo que está facilmente visível aos nossos olhos e sentidos. Para estendê-la e conhecer algumas realidades, é preciso abrir a caixa – ou, sair da bolha, se você preferir.

Nessa mesma linha (e igualmente licenciada) não podemos deixar de mencionar a concepção do mito da caverna, de Platão, onde a verdade só seria conhecida por aqueles que saíssem da caverna, descobrindo que o que mais despertava o medo, era fruto de um jogo de luzes. 

Gosto de todos esses. Ainda assim existe, para mim, uma ideia que define isso de um jeito bem mais fácil: consideramos as coisas com base naquilo que estã dentro do nosso escopo. Existem diversas definições de escopo, mas a que mais gosto é aquela utilizada no meio tecnológico:

Na ciência da computação escopo é um contexto delimitante aos quais valores e expressões estão associados. O tipo de escopo vai determinar quais tipos de entidades este pode conter e como estas são afetadas, em outras palavras, a sua semântica.


Assim, o que existe atrás da cerca não é somente desconhecido. É ignorado completamente, como se não existisse e, portanto, irrelevante para qualquer entendimento.


A realidade (ou não) dos escopos

Para mim, esse conceito é incrível porque mostra como nossas verdades se constroem. Nós não vemos além do nosso escopo (além da cerca), porque além do nosso escopo não existe.



Mas existe, e interfere, inclusive, naquilo que está dentro do nosso escopo e não sabemos de onde vem

Por exemplo, quando alguém age de forma rude conosco, a percepção de que essa pessoa é ou está rude, é ou está mal-humorada, está dentro do nosso escopo.

Mas essa forma de agir pode ter inúmeras variáveis e perspectivas, pode ter uma história, um acontecimento do passado que formou tal personalidade ou um acontecimento recente que levou a essa reação.

E esta história, seja ela recente ou de muito tempo atrás, normalmente está fora do nosso escopo.

Ao ficarmos apenas com a percepção do que está dentro do nosso escopo e analisarmos as coisas sob este aspecto, podemos dizer que nossa base é fraca. O mesmo acontece ao interagirmos com alguém novo. 

 


quando conhecemos uma nova pessoa —  ao contrário do que nossos instintos tentam nos ensinar  —  ela não se resume ao que optou (ainda que inconscientemente) mostrar de si naquele dia, naquela ocasião. 

 

É estranhamente óbvio e igualmente necessário lembrar, no entanto, que cada pessoa, cuja existência passou a ser percebida por nós (e não se resume ao que nós percebemos dela), tem uma história, um passado, sonhos que foram deixados de lado, sonhos que ainda o serão.

Nossa tendência, contudo, é vermos tudo sob um escopo cujas fronteiras são visíveis somente a partir do momento que passamos a existir nele. 

Um dos maiores problemas disso acontece quando, mesmo que não estejamos realmente num determinado escopo, um pedacinho dele escapa perto da gente. Algumas circunstâncias ou pessoas respingam nas proximidades do nosso escopo, vemos uma porção daquilo, e então acreditamos que é o suficiente para interpretamos, com base naquela percepção fracionada e muito limitada.

Afinal, existem diversos fatores que influenciam na construção do comportamento e modelo mental das pessoas ou no desenrolar das situações. Alguns podem, por exemplo: 

a. estar muito no fim,
b. estar muito no começo
c. não estar indo muito bem ou num bom dia
d. estar atravessando um período muito bom ou um período pra lá de ruim.

E então, tomamos decisões a respeito de coisas que, por mero acaso, aconteceram ao nosso redor. Mas cuja estensão ou complexidade nos escapa completamente. 

Assim, algumas decisões são tomadas a partir desses subsídios bastante superficiais, que geralmente nos trazem à luz mais informações sobre nós mesmos do que propriamente àquilo que nos propomos analisar — ou que precisamos fazê-lo por alguma razão. 

A partir daí, desse exato momento, baseando-nos em um minúsculo fragmento de espaço-tempo que favoreceu (ou desfavoreceu) aquela ocasião, decidimos o que pensar a respeito destas interações universais.

O que perdemos 

Ok. Mas afinal, para onde vamos com essa lenga-lenga? É que estive pensando nisso por um longo tempo, e então parei para fazer uma rápida revisão de todas as conseqüências.



Quantas pessoas incríveis deixei de conhecer? Que profundezas da complexidade humana eu perdi? Quantas histórias surpreendentes eu não ouvi ou li? Como esses fragmentos perdidos, da existência de algo que eu só vi um pedaço, me afetaram? 


Até que ponto me construí com base na construção fragmentada do que chegou até mim?

Quem sou, é fruto mais de relações e análises profundas, ou mais de percepções fragmentadas da vida – da vida em que não existi, mas existiu muito antes de mim e seguirá existindo mesmo que sem mim?

Estou cheia da existência das outras coisas ou das minhas próprias coisas?

Na dúvida, decidi revisitar episódios mais antigos e me deparei com tudo que não sei e provavelmente nunca saberei. 

Não doeu, mas fiquei pensando qual o grau de importância isso precisa ter nas microdecisões diárias que tomamos todos os dias. Se tivesse que ser diferente, o que deveria mudar?

Bem, já entendemos e aceitamos (espero) que não somos nem mamutes nem homens primitivos incapazes de articular emoções e buscar caminhos melhores para vivermos em conjunto. 

Embora enxergar o problema (da falta de empatia, da agressividade na comunicação, da força do ego, do impulso do julgamento, etc)  seja o primeiro passo, a sequência é muito mais desafiante.

 


———

Como resolver?

 

Não sei.

Eu também sou horrível e freqüentemente observo como a empatia é algo difícil para mim. Mas, considerando as circunstâncias, acredito que temos algumas opções.

Afinal, nada pode ser pior que agir com base no que vimos ou estamos vendo. Assim, listei, para mim mesma, algumas alternativas, que compartilho abaixo:

 

  1. Deixar o julgamento para o mais depois possível, até que ele deixe de existir
    Comecei a, simplesmente, me punir mentalmente sempre que o julgamento automático vinha á minha cabeça.
    Por mais positivo que fosse, por mais complexo que fosse. Porque julgamentos superficiais negativos são mais fáceis de perceber e controlar.

    Mas acredito que quando fazemos julgamentos positivos imediatos, por melhor que isso seja, em algum lugar na nossa cabeça é como se disséssemos: “Bem, tudo bem julgar. Estou julgando, e é algo bom. Então julgar pode ser algo bom.”

    Pode ser bobagem, mas tenho preferido não arriscar por enquanto.

    Deixo momentos assim apenas quando meu julgamento possa e deva ser prudente e ponderado, como tomar alguma decisão que impacte na minha vida. Ou que impacte realmente na de outras pessoas.

 

  1. Lembrar-se sempre da história que não estamos vendo

     
    Quando alguém for ou parecer ruim, tenho tentado pensar no pano de fundo daquilo. No que alguns chamam de background.

    E penso que isso seja válido mesmo com pessoas próximas a nós, com as quais temos intimidade e conhecemos há muito tempo: temos a tendência de supor que conhecemos nossos amigos.

    Até acredito que seja verdade. Sabemos o que precisamos saber deles, sabemos o suficiente para tê-los tornado nossos amigos. Pessoas que sabem da nossa vida, conhecem ou até convivem com a nossa família. Mas em alguns casos, esses backgrounds, essas histórias, sequer são conhecidas ou lembradas por eles.

    Em outros casos, pode ser tão difícil lidar ou gerenciar, que a opção mais acertada é ocultar aquele pedaço de nós e podemos até ser pegos de surpresa diante de uma reação aparentemente desproporcional de um amigo.

    Não há motivo para chateação prolongada. Afinal, se pararmos para pensar, todos nós já prefirmos deixar escondido algum aspecto da nossa vida ou personalidade. E tudo bem. Não precisamos ser um livro aberto o tempo todo.

    Nossas histórias pertencem a nós e mostramos ao mundo aquilo que estamos prontos para mostrar. Isso parece algo muito óbvio e fácil de entender e respeitar até que aconteça conosco e tal habilidade é posta em teste – e eu espero que você não precise descobrir isso por experiência própria, como foi o meu caso.



  1. Quando possível, demonstrar genuíno interesse nestas histórias
    Essa já dei spoiler mas vou relembrar. Lembra do mamute? Então. Você não é mais das cavernas, e não convive (imagino) com mamutes. Por isso, você pode tentar fazer perguntas de genuíno interesse.

    É claro que você precisa realmente estar aberto ao mundo de outra pessoa e realmente estar interessado na sua história, no seu pano de fundo.

    Podemos, por exemplo, diante de uma pessoa ou uma situação difícil, dizer:
  • Desculpe, vejo que você não está muito bem. Quer conversar?
  • Sinto que está acontecendo alguma coisa, quer conversar?
  • Você não parece bem. Por que não me conta o que está acontecendo?

    Essa, ainda, é a mais difícil para mim! Nem sempre estou bem, e em muitos casos eu sou um mamute furioso e faminto. Mas mantenho isso em alerta no meu radar, e manifesto interesse genuíno sempre que estou pronta para ouvir de forma genuína.

    Aqui faz-se, respeitando o espaçamento de uma estrutura de tópicos, um ou dois parágrafos de finalização, contornando o post e encerrando da melhor forma possível, sem pontas soltas. Uma coisa que é bacana é finalizar com uma pergunta que pode levar a reflexão ou,  futuramente aos comentários



    Então…qual outra sugestão você teria? Já passou por alguma situação onde estas coisas ocorreram? Conte mais sobre suas experiências e perspectivas aqui ou aqui

 

 

PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

Dentro ou fora do seu escopo, faça uma rápida análise visual. Para isto recomendo:
1. Desenhar um círculo em uma folha e escrever nela todas as suas crenças. 
2. Ao redor, você pode desenhar círculos menores ou escrever ideias, percepções, situações ou pessoas que te incomodam. 

3. Depois avalie estas coisas fora do seu escopo e pense, uma-a-uma, como você poderia reagir e lidar com elas como um ser-humano evoluído 🙂

Se quiser, publique sua experiência no instagram e twitter usando #assimpassa ou nos envie um e-mail!

 

Continue lendoVocê realmente sabe de onde (isso) vem?

4 comportamentos para se livrar imediatamente

A gente não precisa esconder nossa preguiça ou indisposição de mudar atrás da máxima de que ninguém é perfeito. Ainda assim, com bastante frequência, é o que acontece.

E claro que ninguém é perfeito, mas cada um interpreta como preferir. Essa interpretação, no entanto, pode mudar ao longo da vida. A síndrome de Gabriela, por exemplo, me acometeu durante a adolescência e parte do início da vida adulta. Até que entendi que não era bem assim que  a vida tocava.

Talvez esse tenha sido ou esteja sendo o seu caso – ou, quem sabe, de alguém que você conheça. Portanto, de um modo ou de outro, espero que esse artigo te ajude a analisar alguns pontos. 

Vou contar (o mais resumidamente possível) como aconteceu comigo e você pode ir destacando os aspectos em que se identifica enquanto adapta para sua própria experiência.

Nota: Como vocês foram bonzinhos e não reclamaram (muito) do tamanho do último post, decidi fazer um menorzinho. Então a leitura é rápida mas importante.  


Nascemos, mudamos, amém.

Impactada pelo processo de autoaceitação, eu fiz bastante coisa errada. Primeiro porque o que eu achava que era autoestima se manifestava apenas como um instinto de defesa – útil durante um período, mas destrutivo a longo prazo.

Saí aos seis anos de uma escola onde meu nível de popularidade era até bastante elevado (se comparado com todo o restante). Na nova escola, segui tratando todos bem, mas era tudo muito diferente.

welcome to the jungle: eu era o cachorro

 

Então, rapidamente entendi que o jeito bonzinho e gentil de ser não ia funcionar naquele ambiente.

Cheguei a me enquadrar durante curtos períodos num contexto aqui, num grupo acolá e depois até fui capaz de fazer excelentes amigos com quem mantenho contato até hoje [obrigada, vocês me salvaram].

Mas fora essa partícula, todo o resto parecia apenas péssimo. Então finalmente “decidi” que eu não precisava de ninguém e f*. O problema disso?

Bem, o problema é que deu incrivelmente certo!

Eu não sentia mais nenhum tipo de carência, dor, rejeição, inadequação: claro, eu passei a viver sob novas regras, as minhas próprias, que funcionavam à medida que eu me mantinha cuidadosamente distante de qualquer tipo de socialização “perigosa”.

Isso significava horas sozinha sob o sol da quadra externa, trancada na sala nos dias mais frios e chuvosos, na biblioteca ou em algum canto escondido que eu encontrava para corroborar meu sucesso total.


Eu era muito feliz. Até que alguém me descobrisse ou eu precisasse interagir com o mundo real. 


Então, para não fazer fiasco, desenvolvi um método ultrapowermegahardcore que envolvia uma mescla de hostilidade, ironia, cinismo e blasesismo (o moderno whateverismo). Ou seja: melhor atirar de cara ou criar uma barreira do que correr riscos.

E logo achei um espaço para mim: eu era a pessoa que não se importava, que respeitava e me dava bem apenas os “freaks” (ou alguns “temidos”), que era ótima com o computador e com as palavras, incrível nas apresentações e trabalhos escolares, útil para resolver coisas ou ajudar amigos em situações de emergência ou necessidade.

Mais ou menos aí entrou o estilo Síndrome de Gabriela de ser. Se eu era boa, e ok, e aceita em algumas coisas…bem, então pareciam motivos o suficiente para suprimir todas as outras em que eu não era. Quem não aceitasse, a porta era serventia da casa.

Esse aglomerado de itens e associações foi um modelo de sobrevivência. E, em partes, funcionou. Em partes, passou. Em partes, deixou seqüelas. Porém, algumas coisas se enraizaram em mim e, até hoje, são difíceis de abandonar.

Isso não foi simples de perceber. Como já disse outras vezes, levei anos, precisei conversar com muita gente; ler muitos livros; analisar e estudar muitos conceitos e comportamentos; buscar terapia – entre outras resoluções.

É bem possível que eu ainda nem tenha descoberto tudo ainda, todos os resquícios desse “modelo de sobrevivência”. Mas a maioria só entrou em evidência quando as pessoas me falaram, e eu pude pensar, ler sobre esses problemas.

Ou seja: quando tive oportunidades mais palpáveis de pensar se aquele era realmente meu caso, se eu realmente fazia aquilo, e então buscar alternativas.

Por isso, optei por compartilhar: talvez algumas coisas sirvam para você, como muitas serviram para mim.

Pra não deixar muito longo (viu?!), decidi escolher aleatoriamente quatro destes itens. Se vocês gostarem e for útil para você ou para alguém que conheça, me avise que eu continuo e falo sobre outros!

 

1. Jugalmentos precipitados e críticos: ah mas aí…


Algumas pessoas acabam se encaixando no papel de quem resolve as coisas. Não sei exatamente o porquê e provavelmente cada caso é um caso.

De todo modo, normalmente quem está do outro lado é uma pessoa passando por processos de indecisão, dúvida, medo ou angústia.

Quando você é buscado por alguém passando por coisas assim, entende que é necessário pensar rápido, dar opções, ter critérios, analisar e definir. Por isso, é comum que essa assimilação leve a uma postura mais incisiva e firme.

Mas o problema é quando essa reação entra no piloto automático. E aí você se acha no direito de julgar, basicamente, tudo. Como se o mundo REALMENTE precisasse da SUA opinião sobre como resolver todos os problemas. 


Educação, boa vizinhança, maternidade, política, música, cultura: de repente você se convence que é perito em todas e certamente seu posicionamento sobre qualquer tema fará muita diferença. 


Não faz. Óbvio. Primeiro porque quase nunca existe uma verdade absoluta, segundo que, se ela existisse, não seria você (nesse caso, qualquer um de nós), em alguns dias, horas, ou minutos, que seria o agente revelador.

De modo geral, o mundo, a maioria das pessoas, grande parte das situações…estão basicamente cagany pra você, suas suposições, suas manifestações sobre um determinado assunto e lero-lero.

Liberdade de expressão e acesso a informação são ótimos e muito vindos, mas acredito que seja possível poupar muita energia ao escolher as batalhas pelas quais lutar. 


O que eu comecei a fazer:
Admiti o problema e comecei a me rodear de assuntos, pessoas e conteúdos que traziam e estimulavam uma postura diferente (um exemplo foi este canal, que recomendo demais). Assim, pude me sensibilizar sobre o problema, estando mais atenta para perceber quando eu voltava a ele e refletir/lembrar sobre o porquê de eu estar agindo daquela maneira, buscando formas mais saudávei. Nesse caso, pra mim, o silêncio.

 

2. Autosuficiência em excesso: eu não preciso disso

Terapia. Mais horas de sono e descanso. Aquele livro ótimo de auto-ajuda sobre como lidar com suas emoções, sua ansiedade ou a bagunça da vida. Fazer exercícios. Se divertir mais. Assistir aquele documentário ótimo do netflix. Ler aquele artigo importante sobre mindset. Comer direito. Manter as coisas organizadas. Mais generosidade com você mesmo. Tratar os outros melhor. Amor, carinho, afeto, relacionamentos saudáveis. Aprender uma coisa nova e importante fora do seu escopo.

Essas são todas coisas que, frequentemente, as pessoas dizem não precisar. É claro que em muitos casos não precisamos mesmo. Mas costuma fazer uma boa diferença e mudar a vida pra melhor.

Então, quando alguém recomendar algo a você, principalmente alguém com quem você tem uma razoável proximidade, considere. As pessoas não fazem isso a toa. Embora sempre possa existir maldade (como tudo), ainda assim sempre há algo válido a ser aprendido.

O que eu comecei a fazer: Quando você está passa alguns dias doente resolve em casa mesmo, dando um jeitinho aqui e ali, tudo bem. Mas quando você fica doente várias vezes e os sintomas duram muito tempo, levando a outras doenças, você se OBRIGA a ter uma postura mais severa.  Ir ao médico, tomar remédios mais fortes, adotar novos hábitos, etc. Comigo foi assim. Chegou um momento que não dava mais e acabei precisando de uma coisa que todo mundo dizia ser maravilhoso, mas eu achava bobagem, frescura. Eu dizia que não precisava. De repente, lá estava eu, tendo excelentes resultados e resolvendo problemas que talvez nem teriam existido se eu não tivesse sido tão resistente. Então pensei: “bem, se isso funcionou dessa maneira, que outras coisas que eu desconsidero também não poderiam trazer coisas ótimas?

 

3. Acreditar que algo não vai dar certo (antes mesmo de pensar em tentar): não dá.


Expectativas irreais sempre foram um problema para mim. Afinal, desde sempre fantasio diálogos e cenários. Claro: em algum ponto, descobri que isso não era um base muito segura para o desenrolar de coisas reais.

Portanto, na maioria das vezes que alguém me fala de algo que eu não sei fazer, que eu não domino, que eu não conheço, que eu não acredito, que eu desconfio, que eu nunca vi nem comi só ouço falar: não dá (bem, parece que eu não sou muito inovadora).

Algumas coisas, vamos combinar, não dá mesmo, ne pessú…tem umas coisas que nadavê. Mas várias outras viram tipo: “Não creio, era isso? Gentê!”.

Lembrando que é totalmente diferente, do que algumas pessoas consideram pessimismo. Em muitos casos, principalmente em tomadas de decisão da minha vida pessoal, eu me vejo calculando todos os problemas e me preparando para o pior.

No estoicismo, existe até um termo para isso, praemeditatio malorum, um dos conceitos mais importantes dessa escola filosófica.

Não, não. Não é disso que estou falando. Me refiro a coisas que simplesmente digo que não dá. Não prevejo problemas e tento preparar medidas preventivas para eles. A própria coisa É o problema. Porque não dá.

O que eu comecei a fazer: Embora eu não seja perita em nenhum dos itens dessa coletânea (e pra falar a verdade estou bem longe disso), posso afirmar, seguramente, que este é um dos mais difíceis para mim. Não sei explicar. Mas além de ouvir mais as pessoas, também comecei a me “forçar” a fazer determinadas coisas. E descobri que, quando a gente faz, uma coisa louca vira só uma coisa. A única coisa que separa algumas coisas da realidade possível, é nosso próprio evitamento. Descobri isso de um jeito bem besta, quando simplesmente decidi pegar a bicicleta e ir sozinha para outra cidade, mesmo que, na época, eu mal tivesse vencido 15km.  

 

4. Tentar resolver problemas ao invés de escutar e oferecer um ombro amigo: ah! e se você…



Várias pessoas muito importantes para mim me alertaram, de um jeito ou de outro, sobre esse problema. E isso aconteceu justamente quando a idéia de empatia passou a ganhar mais popularidade e entendimento.

É claro que eu não entendia coisa nenhuma do conceito. E mesmo depois que entendi a teoria, ainda tinha muita dificuldade em visualizá-lo na prática. Por isso que digo, digo, sem nenhum orgulho, que não sou uma pessoa empática. Mas não acho que isso seja bobagem e tenho me esforçado para ser.

Porque até bem pouco tempo atrás, eu era quem resolvia coisas. Eu era útil em determinados casos (ou achava que era). Essa, inclusive, foi a forma com que eu lidei comigo mesma, durante muito tempo.

Eu não me permitia sentar no meio fio da loucura emocional e chorar copiosamente. Eu pensava:


Nada disso, fofa. Limpe suas lágrimas, respira fundo e resolve isso. Nada de nhenhenhé, que a vida não espera e ninguém tem a responsabilidade de te ajudar com esse pepino.

Então eu diria que, no ranking, este item e o anterior competem pelo primeiro lugar. Para mim ainda é muito difícil simplesmente apenas ouvir atentamente, de coração aberto, e nada mais.

Ás vezes, confesso, corro o risco de sentir que a pessoa está perdendo tempo enquanto poderíamos, juntas, estar resolvendo. E é normalmente desafiante para mim, na hora, entender que AQUELE é justamente um caminho para resolver. É uma etapa do processo. Desabafar.

O que eu comecei a fazer: As oportunidades de praticar uma forma diferente de lidar com essa situação ficaram cada vez mais escassas, afinal ninguém quer compartilhar seus maiores problemas, angústias e dilemas com alguém que notavelmente não esta OUVINDO de verdade. Mas tento sempre me policiar. Ao conversar com amigos que não estão bem, tento lembrar de tudo que li aqui. Na minha cabeça, é sempre um emoji de “desespero, é agora, o que eu faço?”. Então, simplesmente, lembro: “Não faça nada, mostre apenas aquilo que você já é – amiga. Ela(e) é perfeitamente capaz de resolver seus problemas, mas se está aqui falando é porque busca apoio, carinho, conforto, compreensão”. Se você é como eu e também tem dificuldade mas deseja melhorar, eu recomendo muitíssimo esse livro e esse vídeo. E se tiver outras sugestões que ajudem, por favor, compartilhem


Enfim,

como eu disse, não me considero nem um pouco especialista em nenhum dos tópicos, mas sinto que evoluí bastante ao reconhecer estes comportamentos nocivos e tentar técnicas de desenvolvimento. E claro, sigo aberta à sugestões e recomendações! E também, caso você queira compartilhar outros comportamentos que julga válido mencionar nos outros posts dessa série, compartilhe!

E você? Se identifica com estes comportamentos? Já passou por isso ou conhece alguém que os executa? 

 

PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

Você realmente não precisa disso. Mas é possível que essa prática facilite algumas coisas para você, mesmo que você não tenha se identificado com as experiências ou comportamentos mencionados.
1. Anote em uma folha pelo menos cinco coisas que diferentes pessoas te dizem para mudar ou indicam que precisa ser melhorado (mesmo que você não concorde). Você também pode escrever o que já observou em si mesmo e te incomoda.
2. Avalie-os honestamente e escolha dois para considerar. Aqueles que você acredita que fazem realmente sentido ou mesmo que você vem sentindo consequências mais evidentes.

3. Ao lado de cada um, coloque possíveis razões para aquele comportamento. Vá na raiz. Investigue, faça um brainstorming com você mesmo.
4. Depois, defina uma rota alternativa sempre que esses gatilhos surgirem. Você pode definir, por exemplo, que a cada julgamento precipitado, fará um elogio sincero a alguém próximo ou subsutituirá por um pensamento positivo em relação aquela situação ou pessoa.
5.  Mantenha isso em mente constantemente e observe os resultados, mudando as rotas alternativas sempre que surgir necessidade e até mesmo acrescentando novos comportamentos nocivos. 
Se quiser, publique sua experiência no instagram e twitter usando #assimpassa ou nos envie um e-mail!

 

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O guia completo da Zona de Conforto – Coisas para jogar fora

É possível que você não goste do que eu vou dizer. 

Produtividade. Alta performance. Mindfulness. Zona de conforto.

Toda essa porcaria. Sabe o que você faz com elas? Joga no lixo. Elas não servem para nada se você não estiver bem posicionado. Mas vamos por partes porque eu quero continuar sua amiguinha (talvez). 

Hoje vou falar só da segunda. Porque ficaria ainda mais enorme (?).

Então decidi ampliar minha singela “homenagem” às afirmações que nos entregam na bandeja na tentativa de que sirvamoss aos outros buscando impressionar.

Ao invés de um único artigo contra uma única “verdade incontestável”, decidi começar uma série (nada planejada) para combater essas coisas que ficam na boca do povo e nem sempre fazem sentido.

Como você pode já ter sacado meu motim, aproveito para avisar e me desculpar: esse artigo ficou gigantão. E precisava ser assim. No entanto, como sou incrível razoável decidi pôr um sumário para te ajudar, caso você esteja com preguiça seja uma pessoa objetiva e assertiva e não queira ler todas as ponderações que antecederam conclusões.

  • Zona de conforto: por que mesmo isso é ruim?
    Aqui vou falar bem brevemente da minha cisma com o termo e parte da minha motivação para escrever esse post – prometo não te encher muito o saco.

  • Afinal, o que é “Zona de Conforto”
    Discuto sobre de onde surgiu essa merda a suposta origem do termo e começo a te encher um pouco o saco.

  • Ok, vamos de base científica 
    Não ronca. Essa parte é importante pra você entender porque não faz sentido nenhum o uso tão enriquecido de um termo tão pobre baseado na interpretação rasa de coisas bem mais legais (e algumas óbvias graças aos avanços e etc)

  • Finalmente posso dizer
    Finalmente falo o que queria falar desde o início mas precisava de uma introdução bem embasada para mandar para longe umas coisas bestas que surgem e os problemas que elas geram:

    1. O problema das interpretações genéricas
    2.  Culpa e vergonha.
  • Joga fora no lixo, e ponto.
    Finalizo enchendo quase nada o seu saco com coisas que você pode tentar lembrar quando alguém mal-informado sobre o tema ou sobre a sua vida e não tão bem-intencionado vir com conversinha explanações pouco aprofundadas.

Zona de conforto: por que mesmo isso é ruim? 

zona de conforto não é ruim

Foi essa a pergunta que eu estava me fazendo um dia. Confesso que me senti envergonhada. Culpada. Constrangida. Eu não podia falar aquilo para ninguém. Ninguém poderia descobrir que eu tinha  minhas considerações a respeito de algo aparentemente tão óbvio para todo mundo. 

Até que confiei a inquietação para uma amiga. Já estava lá, me preparando para a derrota de um jogo que eu entrei em campo para perder. 

E então ela me disse algo como: “poisé, né?! também não entendo”. Essa reação, vinda de uma pessoa incrível, extremamente profissional, competente, engajada com sua carreira e, por que não dizer, workaholic me surpreendeu e me pegou de “calça curta”.

Conversando sobre o assunto e depois estendendo a outras pessoas de variadas perspectivas e estilos de vida cheguei à conclusão que esse assunto, em algum momento, se tornou um tabu. Entrou no grupo daquelas coisas das quais você não pode discordar: 

Sim. Este é um fato consumado. O céu é azul tanto quanto zona de conforto é um lugar horrível para se estar, se é o seu caso, nossos pêsames! Você precisa sair dela/você está sendo preguiçoso/você vai ficar para trás/várias outras coisas do gênero.


Isso me faz pensar em um artigo recente da Freaknomics Radio que mencionava um problema chamado illusion of explanatory depth (ilusão de profundidade explicativa), investigado por Leonid Rozenblit e Frank Keil há alguns anos e ajustado mais recentemente por Steven Sloman. 

Este conceito diz respeito ao “fenômeno” que leva as pessoas a acreditarem que sabem sobre um determinado assunto. No entanto, quando suas explicações são solicitadas, elas simplesmente não são capazes de fazê-lo da mesma forma lógica e coerente com que concluíram determinados conteúdos. 

Essas coisas costumam me incomodar. E não por motivações egoístas ou como postura defdensiva. As pessoas dizem uma porção de coisas sobre mim, mas eu não lembro de alguém ter mencionado: “ei, você está bem acomodada aí, não é mesmo?”.

Porque, infelizmente, eu vivo inquieta. Sem querer, busco o desconforto. Portanto, esse lugar “horrendo” nunca deixou de ser algo que me intrigava e me atraía: “Gente, existe mesmo um lugar onde você vai lá e fica benzão e tudo bem? Gosto.”.

No entanto, eu vejo isso o tempo todo. Pessoas dizendo para outras pessoas como elas deveriam estar se sentindo mal por não estarem se movendo do modo que o mundo, outras pessoas e aquele renomado CEO que todo mundo venera (mas cuja empresa poucas pessoas conhecem). 


Afinal, o que é Zona de Conforto? 

Então ta. O que é mesmo essa tal de Zona de Conforto que tem gente que gosta tanto de falar? Não a coisa óbvia. Eu sei que você sabe o que é se tivesse que falar rapidamente sobre ela. Mas, e se tivesse que analisar BEM direitinho, se tivesse que explicar tintim-por-tintim para um alienígena visitando nosso planeta?

explicando zona de conforto não faz sentido
assista essa série, sério


Vamos lá, nosso amigo WikiPedia diz:

Na psicologia a zona de conforto é uma série de ações, pensamentos e/ou comportamentos que uma pessoa está acostumada a ter e que não causam nenhum tipo de medo, ansiedade ou risco. Nessa condição a pessoa realiza um determinado número de comportamentos que lhe dá um desempenho constante, porém limitado e com uma sensação de segurança. Segundo essa teoria, porém, um indivíduo necessita saber operar fora de sua zona de conforto para realizar avanços em seu desempenho – por exemplo no trabalho – eventualmente chegando a uma segunda zona de conforto. Atualmente já foi concretizado que indivíduos mais bem sucedidos operam com frequência fora da zona de conforto, expandindo cada vez mais o número de dificuldades que conseguem superar.


Bem, parece que é isso mesmo. Ao que tudo indica, esse conceito pode ter tido origem na psicologia behaviorista em 1908 (!) quando Robert M. Yerkes e John D. Dodson fizeram um experimento voltado a entender a relação entre velocidade de aprendizagem e níveis de excitação.

Eles observaram que ao levar pequenos choques elétricos o ratinho (desculpe) sentia-se “motivado” a completar o labirinto, mas se a intensidade dos choques aumentava o desempenho apresentava resultados inversos, levando-os a correr com a intenção desesperada de escapar.

Assim, a conclusão foi que níveis ideais de excitação (nesse caso representada pelos choques leves) ajudam a concentrar a atenção na conclusão da tarefa em questão, mas apenas até um determinado ponto.

Ou seja, se você decide saltar de paraquedas pela primeira vez, naturalmente estará com algum um nível de ansiedade. Quando o grau de estresse provocado pela ansiedade for “ideal” você será levado a se concentrar naquilo, respeitar o processo e as instruções atentamente e concluir a “missão” do jeito que espera.

Por outro lado, se o estresse provocado pela ansiedade for muito alto, você facilmente poderá ficar atrapalhado, pensando, por exemplo, em como aquilo pode dar errado, não prestando atenção nas instruções ou sair correndo para o banheiro fugir.

Ok. O que é que tem?! Eu diria que tem muito. Mas vou começar pelo mais óbvio:


a única relação “científica” do termo Zona de Conforto é um experimento feito há mais de cem anos atrás, sobre velocidade de aprendizagem e níveis de excitação, em que o termo “comfort zone” nem sequer aparece.

É claro, fui apenas até a página quinze do Google (muito descuidada) e você pode me desafiar descobrindo algo diferente disso. Mas pelas minhas leituras posso supor com alguma confiança que esse termo surgiu de uma interpretação do estudo, conhecido como Lei de Yerkes-Dodson ou U invertido.

Como a maioria dos itens que entram no não-tão concorrido grupo das coisas-absolutas-sem-devido-embasamento, em algum momento alguém entendeu e disse algo que rapidamente transformou-se num telefone sem fio no emaranhado de informações, comportamentos de consumo criados, reinventados e mascarados, e assim nasceu uma nova verdade. 

“Se você continuar gostando mais de sorvete de café ao invés de chocolate, será incapaz de meditar porque estará entrando na curva de distração viciante.”.


Isso faz sentido para você? Se você gostasse de sorvete de café e alguém te dissesse isso, sairia distribuindo a informação e sequer questionaria? Bem, suponho que foi algo assim que aconteceu em algum momento.


Ok. Vamos de base científica

origem da zona de conforto e lei de yerkes-dodson
sacou?

 

Aparentemente, a chamada “zona de conforto” seria algum ponto na curva de desempenho, antes do ápice (ponto ideal de ansiedade) do desempenho. Nos gráficos representativos geralmente aproxima-se muito mais do tédio.

Ou seja, não é exatamente sobre um desempenho RUIM. Tanto que, no próprio estudo, este era considerado um ponto de desempenho estável, constante. Ponto. Apenas isso.

É preciso dizer que respeito muito afirmações embasadas empiricamente. Portanto, mesmo se partirmos do princípio de que aquilo que foi comprovado não pode ser derrubado por achismos, encontraríamos objeções que até Yerkes e Dodson facilmente concordariam.

Por exemplo: ainda que níveis de ansiedade possam afetar nosso desempenho, não há um copo medidor de qual seria esse nível. 

Esses indicadores só são possíveis com laboratórios, neurotransmissores e outras coisas que normalmente não fazem parte da nossa rotina. Portanto, qualquer pessoa que queira afirmar que uma outra está em sua “zona de conforto” precisaria carregar algo mais que as convicções adquiridas.

Outro ponto é que, em tarefas simples e operacionais (organizar coisas numa caixa) o nível de estresse tem menor poder de influência. Enquanto que tarefas mais complexas (tomar uma decisão que pode matar uma pessoa, como as que os cirurgiões cardíacos passam, por exemplo) são mais propensas a sofrerem as influências dos baixos ou altos níveis de ativação/excitação.

Faz sentido porque tem uma relação direta com o peso da decisão, que varia conforme as possíveis conseqüências no resultado final (errar o lugar do objeto na caixa é muito mais banal que a vida de alguém, a não ser que você seja psicopata). 

Mas não é só a complexidade da tarefa que é contabilizada nessa lógica. O modelo considera outras variações, que inferem em diferentes medidas conforme o indivíduo, já que considera-se quatro fatores que afetam a curva: habilidade, personalidade, traço de ansiedade (nível de autoconfiança) e complexidade da tarefa.

Assim, extrovertidos parecem lidar melhor com a pressão do que introvertidos, que costumam apresentar desempenhos melhores na ausência de pressão – o que foi confirmado por outros novos estudos, que sugerem que a lei do U invertido não funciona para todos, inerentemente ao elemento habilidade ou autoconfiança.

Antes disso, inclusive, várias pesquisas surgiram, indicando que a correlação de excitação e desempenho existe – como a de Broadhurst (1959), Duffy (1957) e Anderson (1988)  – embora as causas ainda não tenham sido estabelecidas com sucesso. (Anderson, Revelle, & Lynch, 1989).  Se quiser, você pode ler aqui uma das mais recentes e expressivas, feita pela NASA em 2004. 


Finalmente, posso dizer


Então…vamos parar de usar esse termo?! Convoco a todos que estão lendo (e entenderam os porquês), de pararmos de usar termos como “zona de conforto”, como se eles realmente significassem algo muito sério e verdadeiro.

Porque eu realmente gostaria muito de saber quem usou o termo pela primeira vez, já que desde sempre tive desconfiança de que dois cientistas (ainda que do século passado) pudessem remeter o nome zona de CONFORTO a algo tão desconfortável. Portanto, se você descobrir ou souber, por favor, me avise!

Afinal, desde os primórdios buscamos o conforto. Foi graças a isso que sobrevivemos: descobrimos o fogo, aprendemos a construir casacos, a endireitar a postura para não sobrecarregar a coluna com nosso cabeção, a criar ferramentas para construir outras coisas, e assim sucessivamente (inclusive, recomendo esta leitura que fala bastante disso).

Para título de curiosidade, a palavra conforto vem do Latim Confortus (con – junto e fortus – forte, intenso), significando, literalmente, algo como “com força, com intensidade”. Uma das teorias é que, com o surgimento do termo “dar uma força” (ou seja, oferecer apoio e amparo em momentos difíceis) a palavra foi ganhando um novo sentido, de suavizar, aliviar. E, por fim, levando ao significado de atmosfera agradável, de um estado emocional ou local onde se sinta amparado, acolhido. 

Vamos logo esclarecer: deixar de fazer algo por medo, por se julgar inferior ou incapaz e ficar ali se sentindo infeliz, miserável, arrependido e/ou um bosta porque sua vida não está como você gostaria não tem, absolutamente, NADA a ver com conforto (lembra da época do discurso efeito estufa/aquecimento global? mesma coisa).

Porque estar num ponto, querendo estar em outro, não tem absolutamente nada de acolhedor e, portanto, nada de confortável. Neste caso, a palavra ideal poderia ser, quem sabe, acomodação, cuja origem significa “maneira satisfatória, modo adequado“. Bastante a ver com o sentido daquilo que é mediano e/ou ordinário comumente associado nos discursos pró “ouf of the box“. 

Para mim, esse sempre foi o topo do desconforto (como já disse aqui, meu maior medo é olhar para trás e sentir que fiz tudo errado).

Da mesma forma, se arriscar, vender tudo para realizar o sonho de viajar, abrir a própria empresa, se demitir de um emprego estável ou recusar uma oferta irresistível. Decidir casar ou decidir nunca casar nem ter filhos. Fazer uma faculdade ou decidir não fazer uma faculdade.

Fazer uma especialização para ser foda num determinado assunto, ser líder ou ser “súdito” – tudo isso e milhares de outros casos apresentam tanto conforto quanto desconforto.

A única diferença é que as pessoas aceitam (conscientemente ou não) desconfortos diferentes.

Alguns são constantemente motivados pelo risco, pela pressão, pela dor. Eles geralmente vivem em picos e precisam aceitar o desconforto que vem como conseqüência dessa escolha.

Outras pessoas buscam sistematicamente a estabilidade e a segurança, e precisam aceitar o desconforto que vem do medo, da não-aceitação, de talvez não ter ganhos significativos como aquela amiga que investiu na bolsa e foi para outro patamar de estrutura financeira.


Se somos perfeitamente capazes de entender e aceitar que cada escolha tem um peso, que todo espetáculo tem um bastidor, que toda conquista tem prioridades e sacrifícios, também somos perfeitamente capazes de entender que não faz sentido nenhum nos preocuparmos tanto com “zona de conforto”, já que conforto, sucesso e felicidade são diferentes para cada um.


Por isso fico incomodada com termos jargonizados-gurulizados-demonizados-exaltados-etc. Porque: eles tendem a perder sentido se a gente pára para questionar, analisar, investigar e entender bem bonitinho; eles geram problemas de interpretação devido a conclusões generalizadas; eles promovem embaixadores da culpa e vergonha.

1. O problema das interpretações genéricas

Se você disser, em um ambiente ou pessoa totalmente focado em alto desempenho, competitividade, produtividade e afins: “Eu gosto de estar confortável. Qual o problema?”

Você provavelmente ouvirá frases do tipo:

  • O problema é que se você ficar confortável, não vai mudar e evoluir;
  • O problema é que você vai se contentar com aquilo ali e vai se aconchegando;
  • O problema é que você vai parar de buscar coisas novas que te desenvolvam; 
  • O problema é que você vai esquecer que a vida é mais que isso;
  • O problema é que você pode ficar para trás;
  • O problema é que quando a vida te cobrar você não estará preparado (a).

Eu sei disso porque pesquisei muito e foi o que encontrei. São respostas mais ou menos assim que normalmente vêm. E, bem, existem pelo menos dois pontos a respeito:

a. Se buscar o desconforto é importante para você, é claro que tudo bem. Mas isso é como: “ei, tudo bem se você preferir tomar banho de água gelada logo cedo quando estiver 4 graus; tudo bem se você gosta mais de rúcula do que de brócolis; tudo bem se você prefere sorvete de café do que de chocolate”. Ou seja: tudo bem se algumas pessoas fazem uma coisa e outras não, gostam de uma coisa e outras não.

b. Até que alguém importante diga que água gelada, rúcula e sorvete de café são certamente a única escolha plausível, é natural que você não aceite que alguém te diga, sem qualquer explicação razoável e racional, que justo a sua opção é a errada.

2. Culpa e vergonha: as ferramentas dos embaixadores da “zona de conforto”

Gostar do conforto, de estar bem, feliz e satisfeito na “zona de conforto” não é impossível até que alguém diga: “ei, você não será feliz aí, você sabe disso, não é mesmo?”.

A armadilha parece ser exatamente essa.

Ninguém pode estar confortável na zona de conforto. Se alguém estiver sorrindo quando estiver naquele lugar horrível, você precisa mostrar a ele(a) sua terrível realidade. Está nas suas mãos salvar alguém que acha que está bem e feliz com suas medidas de conforto e desconforto, fruto das decisões de cada um. A felicidade que alguém aparenta quando estiver lá não é real. Acredite em mim. Sua missão é fazer com que a vítima perceba.


E aí tooodo mundo parece fazer exatamente isso: deixar alguém se sentir culpado por estar satisfeito do jeito que está. 

Mesmo artigos bem intencionados na internet parecem carregar uma ameaça velada àqueles que estão “naquele lugar”. É fácil encontrar coisas como: “A não ser que seu objetivo de vida seja ficar estagnado. A escolha é individual e as consequências são a médio e longo prazo.”. O que significa, basicamente:

se você quer mesmo isso, tudo bem, mas pode se preparar porque você vai se foder em algum momento, mesmo que demore a sua vida toda, eu tenho certeza que você vai se arrepender dessa decisão.


Embora eu nunca tenha precisado disso para me sentir desconfortável e raramente precisei ser cutucada pelos outros, eu mesma fazia isso por mim. Eu sei o preço que isso me causou. E por isso me incomoda que alguém assuma esse papel de embaixador da vergonha. 

Porque o conforto, essa coisa de estar parado, sentado, vendo um filme besta sem culpa, sem pensar que deveria estar fazendo algo importante e significativo e produtivo era algo que eu invejava.

Então, vejo da seguinte maneira:

  • Quando você está sentado felizão no sofá gostoso vendo Sherlock uma série Netflix você está CONFORTÁVEL, portanto em uma ZONA DE CONFORTO.

  • Se você está sentado no sofá gostoso vendo Sherlock uma série Netflix pensando que gostaria de ter um blog reconhecido sobre outra coisa isso é DESCONFORTÁVEL, e esta é sua ZONA DE DESCONFORTO

  • E quando está felizão no sofá gostoso vendo Sherlock uma série Netflix você está CONFORTÁVEL, portanto em uma ZONA DE CONFORTO e a tendência é que continue assim, até que alguém te convença de que não está:

    Ei você está na sua zona de conforto e precisa sair dela. Tinha é que estar estudando agora, ganhando dinheiro, achar um emprego para usar terno ou beber durante o expediente numa empresa moderna. Fazer uma pós-graduação, sei la! Todo mundo ta fazendo isso e você ai perdendo tempo.


 

Ver alguém tentando tirar a paz de outra pessoa sob a alcunha de salvador, de bondoso, de mestre, normalmente me leva a concluir quem precisa mesmo de ajuda.

É verdade: ás vezes a gente ta fazendo burrada, repetindo o erro, ficando descontente com a própria vida dia após dia simplesmente por preguiça ou por outras formas de limitações que colocamos a nós mesmos e não fazem sentido. 

Então, ainda bem, existem pessoas da nossa confiança, que nos conhecem realmente, que têm intimidade e embasamento o suficiente para dizer: “cara, isso não ta legal, eu to vendo que você não ta bem, por que não tenta mudar?”.

Isso é muito bom. Mas na grande maioria das vezes não vem dessas pessoas.

Em outros casos, alguém pode estar lá, na demonizada, subjetiva e relativa “zona de conforto” porque ainda não desenvolveu ou adquiriu todos os recursos que julga necessários para sair “de lá”.

Porque sente que realmente não está preparado(a) emocional, física ou financeiramente. Porque simplesmente ainda não é a hora.


Ao contrário do que dizem alguns, quando chega a hora, a gente sabe, se vira, encara e resolve. A vida é assim. E é linda. E tudo bem. Cada um do seu jeito. No seu ritmo.

Afinal, se você não puder conduzir nem a sua própria vida do jeito que considera mais adequado, não há nada mais que você poderá controlar.


Joga fora no lixo, e ponto.

Liberte-se dessas porcarias. Leia seu romance. Veja aquele filme besta para desligar o cérebro. Vai viajar pelo mundo. Vai fazer sua pós. Marca de ver aquela sua amiga. Fica no scroll do instagram. Enfim! 

Entenda e lembre-se de que sim, você pode ser um adorador da “zona de conforto” e:

  • ter muito sucesso (porque sucesso é você que define);

  • ser realmente muito feliz (porque felicidade não depende do ritmo com que você se move mas se você está se movendo no seu ritmo e respeitando isso);

  • não estar na zona de conforto (porque, afinal, conforto quem define é você);

  • buscar evoluir, se desenvolver e aceitar mudanças (porque evolução é o que acontece dentro de você, e pode acontecer mesmo que para os outros você esteja “parado”).

Em resumo, se eu pudesse te dar uma recomendação seria: entenda quem você é, o que é importante para você, quais são suas prioridades, quais são seus desconfortos e como eles interagem com aquilo que você busca para sua vida.

Descubra quais sacrifícios você está disposto a fazer, que palco te estimula aos bastidores. Busque profissionais qualificados, cerque-se do que complementa não do que intoxica.

Se você é do tipo embaixador: reflita. Nem sempre você está certo, nem sempre é o melhor momento, nem sempre é você a pessoa que deve falar isso. Foque no que é interessante para você e deixe que os outros façam o mesmo.

Isso se aplica a qualquer coisa bonita, “chique”, pronta, impressionante que as pessoas vivem falando por aí. Sabe o que você faz com isso? Investigue. Questione. Dialogue. Assuma os riscos de pensar e se expor.

E se isso realmente não fizer sentido nenhum, não se encaixar na sua vida, na sua realidade, joga fora no lixo.


PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

Hoje tá fácil. Reflita sobre sua vida e questione se você está realmente abaixo do que deseja (não do que desejam para você), ou se o sentimento de culpa e vergonha vem mais de fora que de dentro. Só. E se realmente estiver incomodado, por você, entenda porquê e trace um plano objetivo. 
Se quiser, publique sua experiência no instagram e twitter usando #assimpassa ou nos envie um e-mail!

Continue lendoO guia completo da Zona de Conforto – Coisas para jogar fora

O que nos impede de ser mais feliz?

Desculpe. Eu me desautorizei expressamente de responder perguntas genéricas desse tipo para a sua vida. Porque, infelizmente (será?) eu não te conheço. Mas, para tentar ajudar no caminho tortuoso rumos aos tesouros do autoconhecimento, vou compartilhar minhas descobertas. 

O descontrole da Dolores, do Eufrades e outras coisas aí

Sabe quando sua mãe, qualquer adulto ou seu primo mais velho que se achava o sabichão, dizia que você não era todo mundo? Poisé, nesse caso, você é sim.

Porque todo mundo, até vocêzíssimo, acumula coisas ao longo da vida que vão dando forma a sua existência. Então a gente vai seguindo morreba abaixo, morreba acima, e na retona da vida. E nisso a gente vai catando coisinhas no caminho.

Aqui nem estou falando de coisas propriamente materiais. Estou falando exatamente do que é intangível, mas perene ao longo de todo esse caminho. Vamos chamar essa bolinha — esse emaranhado de coisas confusas que remoemos ao longo da vida, de Dolores

as coisas que acumulamos ao longo da vida costumam direcionar para onde seguimos ou podemos seguir
não entenda mal, o nome não é para ser sugestivo…amo minha Dolores, e espero que você ame a sua também!


Assim, conforme o tempo vai passando, nossas Dolores também se transformam. Aumentam, diminuem, desaparecem e se adequam a momentos e distrações que as levam para longe.

Ainda que a Dolores de cada um deva ser respeitada, até eu sou obrigada a concordar que ás vezes deixamos que ela passe dos limites, principalmente quando se junta com Eufrades, um competente radar-auto-falante-esponjoso.

Pelo menos é assim que eu vejo esses dois amores.

Vamos falar desse romance

Eu sempre fui muito perceptiva a tudo ao meu redor que, por qualquer razão, me interesasse. Então minha Dolores ficou grande e forte rapidinho, assim como eu. 

No entanto, manter o foco nunca foi muito uma habilidade minha. Sempre fui mais acumuladora do que propriamente uma agente de mudança.

tem horas que a gente se surpreende com a gente mesmo


Então eu só ia engordando a Dolores, sem nunca pôr aquela massa de coisas a trabalhar. Mesmo assim (ou talvez por isso), vez ou outra a Dolores ficava tão distante que eu não conseguia ver e a vida parecia mais simples.

Mas meu radar continuava ligado e eu não deixava de ser esponja, absorvendo tudo que via, lia, escutava — reverberando essa “riqueza” de conteúdo dentro de mim. 

Esse competente radar-auto-falante-esponjoso é a quem chamo de Eufrades

Nunca importaram as circunstâncias: Eufrades se comportava sempre um dedicado trabalhador, repetindo continuamente tudo que eu precisava fazer: estudar para ter um bom emprego; emagrecer para ser saudável, aceita e feliz; socializar mais e gastar menos tempo na biblioteca com medo do mundo. 

E não posso dizer que ele estava totalmente errado. 

No entanto, ás vezes, ele ficava sem controle e achava muito coerente me lembrar que eu precisava, urgentemente, planejar toda a minha vida, pois iria ficar para trás. “Já está ficando”, ele dizia ás vezes. Ou: “Não adianta nada ficar olhando pro horizonte…como você vai chegar lá?”.


Então, comecei a traçar planos e sonhos reais

E, com mais ou menos treze anos, resolvi tudo, torcendo para o Eufrades fechar aquela matraca. Decidi, por exemplo, que ter meu próprio apartamento e carro aos 23 – no máximo 24 (porque ne, eu era muito realista) – e trabalhar em um lugar com chão de vidro transparente.

Lá, eu andaria fazendo um toc-toc ritmado e sutil com meu salto; desfilaria com meu conjunto de alfaiataria cinza grafite, meu cabelo bem arrumado e uma pasta de couro elegante e feminina nos braços.

a expectativa e a realidade dos nossos sonhos e a nossa verdasdeira felicidade
até a poderosa Jéssica Pearson estava aquém da minha imaginação, mas digamos que era mais ou menos assim


Quando eu passasse, as pessoas me olhariam com admiração e respeito sem que eu me sentisse constrangida: porque eu simplesmente saberia que era merecedora daquilo, e aí tudo bem.

De manhã eu iria acordar e minha assistente pessoal estaria me aguardando com uma mesa de café da manhã simples e deliciosa, composta de geleias e suco natural; croissant, queijos e frios, ovos cozidos no ponto que eu gosto.

Eu tomaria o café já perfeitamente arrumada, sem um fio saindo do penteado. Maquiagem no ponto. Sairia de casa assim, impecável.

Do mesmo modo, chegaria ao meu posto de trabalho, onde exerceria algum ofício de excelente rendimento, com a competência e alto desempenho que me garantiriam crescer absurdamente e ganhar ainda mais.

Só que não

Nem preciso dizer que, nessa fantasia, quase tudo mudou. Até porque o despertador tocou e a vida real começou a chamar.

No meio do caminho, assim que tive a primeira oportunidade de começar a me tornar aquela pessoa, achei que simplesmente não tinha amadurecido o suficiente e não era digna desse papel ainda

Depois, mais velha, blindada e madura…bem, eu seguia me sentindo igual: com aquele peso incongruente de assumir o conjunto de alfaiataria cinza, salto alto, maquiagem diária, e roupas elegantes de todo dia (e eu sequer sentia que era merecedora de respeito ou admiração).

Algo estava errado (e ficou ainda mais)

Foi o que comecei a perceber, sem me dar conta do quão urgente era eu descobrir. Até que entendi, aos poucos, com um passo de cada vez, as batalhas pelas quais precisava lutar.

O primeiro estopim da guerra que travei dentro de mim foi quando perdi meu pai de uma forma dolorosamente inesperada.

Não quero usar de drama para conquistar mas é inevitável falar da minha trajetória/dos meus grilos e preocupações, sem falar daquele momento: porque eu realmente achei que não poderia suportar.

Mas, como humana obediente e sem a devida inteligência emocional, segui com esmero cada etapa do luto: odiei a vida, o mundo, as pessoas. Tinha raiva. 

Uma sensação insuportável de impotência e “desnecessidade” do existir tomou conta de mim. E é claro: eu não estava disposta a ouvir nada, embora muita gente tivesse tentado me dizer coisas importantíssimas.

Nesse processo, as conversas, o apoio e a troca de idéias que encontrei num grande amigo meu foi fundamental. Voltei a questionar alguns parâmetros, fazer perguntas sobre o mundo, sobre mim mesma.

Sobre a vida. Sobre como realmente não somos e não controlamos nada e como digerir e digerir tudo.

Hoje entendo que tudo realmente acontece por uma razão — além disso, era uma forma de tentar dar algum sentido à  “despessoalidade” daquele homem que eu supunha ser forte o suficiente para ser eterno. 


O primeiro checkpoint é a dúvida

Se existe uma palavra especial para nossos saltos no idioma francês, talvez o impulso para esses pulos também mereça nossa atenção. Você já passou por momentos assim? Um episódio marcante na sua vida?

Se já, é possível que tenha se deparado com dúvidas originárias, e poderia identificar pelo menos uma engrenagem, dentro de você, que passou a funcionar diferente.

Caso esteja passando por algo semelhante, a pessoa que você será depois que tudo se resolver, já não será a mesma. Se você não passou, um dia vai passar. Espero que lembre-se do que vou dizer. 



São os momentos de queda que antecedem o salto. Acredite: por mais difícil que seja, a dor tem um potencial enorme de nos transformar.

E acho que isso ocorre porque normalmente ela nos coloca em dúvida. Cria perguntas que não existiam e reverbera outras que decidimos simplesmente deixar de lado e fingir que nunca existiram – até aquele ponto.

Bom, embora esse não tenha sido o primeiro quatervois da minha vida, certamente foi o primeiro mais doloroso: questionei tudo, duvidei de tudo e, a partir daí, fui reconfigurada

Não entendam errado: não acho que a dor seja o único caminho. Pelo contrário, penso que não deve ser. Mas diante do inevitável da vida, pode ser uma ótima (embora cruel) propulsora da dúvida.

Afinal, duvidar é um dos sinais mais sublimes da nossa evolução: é um momento excelente para dar espaço a outras possibilidades.

Foi assim que uma possibilidade alternativa começou a se desenhar na minha cabeça: um contexto mais ameno, que já tinha permeado minha imaginação em outras ocasiões, voltou para disputar com aquela fantasia urbana de comercial de banco dos anos 90.


Fez-se luz: uma nova imagem começava a se formar

Nela, eu levava uma vida simples, vestia roupas confortáveis, estava de cara limpa, com o cabelo no máximo preso num coque. 

Sentada em uma mesa, eu podia sair de vez em quando para ver o verde, o céu, ouvir os pássaros; observar o mar ou alguma extensão de água e voltar ao trabalho, com um sorriso tranquilo.

Mesmo assim, por mais alívio que essa construção me trouxesse, vi como uma opção bastante ponderada dividir tais circunstâncias: poderia trabalhar na cidade, e depois chegar em casa, num lugar tranquilo e em paz.

Nem preciso explicar como isso estava errado. Mas ainda levei tempo para perceber que essa fenomenal flexibilidade era, na verdade, uma dualidade inviável e frustrante. 

Primeiro porque descobri que nunca estaria pronta para a projeção cosmopolita e urbana: aquele papel não me pertencia, seria só isso, um personagem.

Segundo porque comecei a entender algo que, para mim, hoje, faz muito sentido: não dá para ser metade autêntico e se dividir assim torna tudo ainda mais difícil.


Somos um só. E insistir em ir para dois caminhos tão opostos pode nos dividir tanto, a ponto de perdermos um pedaço da gente.

sobre autenticidade - trecho Lucifer S04E06 - sábia Dra. Linda
 sábia Dra. Linda


Era hora de dar uma esticada na Dolores

Então, quando notei que precisaria decidir, mas realmente não enxergava a opção “certa”, escolhi revisar meio sem-querer mesmo, mesmo no automático, tudo que eu era.

Peguei Dolores com carinho. Primeiro achei a pontinha mais recente e fui desenrolando todo o resto até achar a ponta mais antiga. 

Queria olhar meu passado com a nova perspectiva, descobrir de onde eu tinha tirado tantas ideias sobre quem eu seria ou deveria ser, na tentativa de finalmente encontrar meu pedaço mais importante.

Até que, passeando pelos nós firmes da Dolores e andando pela cidade, pensei em como eu detestava concreto, prédio, barulho, buzina, cinza. Por outro lado, olhava para o céu e me sentia livre. 

Foi mais ou menos assim que passei a descobrir a vida e a cidade de outros jeitos, me deslocando de bicicleta na maior parte das vezes. O vento no rosto, a fluidez de tudo, o mundo me pertencendo por um segundo. Eu, só eu, fazendo o caminho que quisesse, na velocidade que escolhesse.

E, finalmente, tive certeza: aquela primeira fantasia nunca foi real, nunca foi minha.  [imagine um mindblow agora].

Pode ter vindo de algum filme, novela. Devo ter visto alguma mulher poderosa que eu admirava — porque mulheres poderosas sempre fizeram parte da minha vida.

Talvez, por acaso, ela usava como armadura o terninho cinza, a maquiagem e o salto alto, me levando a associar as duas coisas; poder e estilo de vida cosmopolita. Poder e sucesso. Sucesso e felicidade.

Ou, quem sabe, nem tenha sido assim a construção desse formato de vida ideal. Vai saber. Não posso dizer de onde veio a noção de que aquelas coisas eram as minhas coisas, as coisas que eu desejava. Nem importa mais, porque depois eu soube.

E descobri que o caminho seria difícil de qualquer jeito. Mas poderia ser um pouco menos pesado. Decidi seguir tentando superar os percalços certos: ilusão por ilusão, escolho a minha. 

Recapitulando…

 

tire os entulhos do seu caminho que te impedem de ser mais feliz

 

Embora essa seja uma representação precisa da minha jornada, ao longo das conversas e leituras percebi que existe sim uma ocorrência predominante nos fatores que nos levam a ser menos felizes e na sequência de checkpoints que acontece no processo que vai do ponto A (completa ilusão e piloto automático) ao ponto B (entendimento, aceitação e ação consciente).

Fatores que nos afastam do que buscamos

  • acúmulo de resquícios mal resolvidas que constrem nosso sistema de crenças;
  • projeção superestimada do instinto de defesa que nos leva a autosabotagem;
  • resistência em confrontar e aceitar verdades sobre nossa vida;
  • construção de fantasia projetada como ideal, segundo expectativas de terceiros.

Sequência de checkpoints

  1. o processo de dor e dúvida vivido sem distrações;
  2. a interpretação dos problemas como campo fértil de oportunidades;
  3. risco de regredir com tentativas de esquemas de negociação com a realidade;
  4. aceitação do que podemos e não podemos controlar e a reação diante do inevitável;
  5. reconfiguração do nosso sistema de crenças e das verdadeiras possibilidades.

 

PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

clique para ouvir a música recomendada para essa prática
Por isso, gostaria de propor algo nem seu Eufrades mais atento ou sua Dolores mais enloquecida poderia negar. Ah! Se tiver postits talvez eles sejam úteis. 
1. Pegue uma folha e divida em três partes/colunas. Em uma escreva Felicidade (1) Dolores (2) e Eufrades (3) – ou seu próprio nome para cada um deles. (ou baixe o arquivo prontinho, disponível no final da página)

2. Na primeira coluna responda à pergunta: “O que realmente é felicidade pra mim?”. Na segunda coluna escreva tudo aquilo que te deixa desconfortável, fruto de episódios anteriores que não foram devidamente processadas e resolvidos (coisas que as pessoas te disseram, que você viu, que sentiu, etc). Na última coluna escreva seus pensamentos mais persistentes (tanto os que te incomodam quanto os que não são um problema aparente para você) e que, na grande parte das vezes, guia suas decisões, seus objetivos, etc.  

3. Analise cada um dos elementos das colunas e veja se existe algum tipo de relação entre eles. Se puder ou quiser, você também pode compartilhar com alguém de sua confiança, com quem poderá falar a respeito e facilitar no processo de insight.

4. Com bastante honestidade, defina pelo menos um e no máximo três elementos que estão sendo obstáculos no caminho do tipo de felicidade que você busca e definiu na primeira coluna. Observação importante: pode ser, que nesse momento, você até perceba que precise alterar o que escreveu na coluna 1: tudo bem. O importante é buscar a verdade. 

5. Deixe esse material guardado em algum lugar que você possa revisitar com alguma frequência e faça os ajustes que considerar necessário ao longo da sua evolução.
Se quiser, publique sua experiência no instagram e twitter usando #assimpassa ou nos envie um e-mail!

Continue lendoO que nos impede de ser mais feliz?

O primeiro passo para você ter uma vida mais calma

Antes, vamos esclarecer algumas coisas.

Primeiro: não, eu não sei qual é a sua realidade. Se você precisa, por exemplo, trabalhar durante o dia, estudar a noite, e trabalhar num segundo turno de madrugada, não viver com pressa é mais difícil. Mas é ainda mais necessário.

Então, como sempre, tudo pode ser adaptado. É questão de ritmo, de prioridade e de escolha. Agora, vamos lá:

 

Ter uma vida mais calma, tranquila e paciente é possível?

a vida passa, mas não precisa ser sempre na correria


Quero crer que sim. Paciência é uma das habilidades mais incríveis. Eu imagino, claro. Porque se tem uma coisa que eu não sou, essa coisa é calma.

Eu tenho pressa. 

E a gente pode até achar lindo isso — quando eu tinha 21 eu achava. Essa fome de mundo, de vida, de experiências, de viagens, de coisas, de dinheiro, de tudo. Mas, na prática, quando se torna uma constante, e não um desejo propulsor de uma fase específica, é bastante desgastante. 

Se for o seu caso, se você sente que tem pressa e está tudo bem com isso, que ótimo: compartilhe! No entanto, se você sente o desconforto da dúvida sobre o ritmo das coisas na sua vida, talvez seja um bom momento para pensar sobre isso.


Você fala muito rápido, gesticula demais, ta sempre “correndo” para alguma coisa? Bom, se for o caso acho que não tem muito o que discutir.

Mas nem sempre vemos os sinais óbvios (estamos com muita pressa para isso) e nem sempre eles são tão óbvios assim. Eu, por exemplo, precisei fazer algumas perguntas para mim mesma:

“Por que escuto tanto ‘calma, tudo no seu tempo’, ‘calma’, ‘respira’, ‘calma’, ‘pára’, ‘calma’. Será que eu sou mesmo apressada? Ou será que tratei de me apressar ao ver a vida passar?”


Olhar para trás para olhar para dentro

Para responder a algumas dessas perguntas, acabei olhando para o ponto mais “atrás” que pude. Foi assim que confirmei como sou apressada.

Descobri que, quando eu era criança, já ficava me imaginando no futuro. Adulta. Um ótimo exemplo disso, talvez o caso mais antigo que me lembre, foi no jardim de infância. 

A professora nos levou para fora e nos convidou a sentar em círculo no gramado, para nos apresentarmos. 

Logo que ela falou o objetivo, comecei a pensar no que iria dizer, como iria dizer — como se houvesse muito a ser dito ou alguma coisa para esconder sobre minha tenra experiência.

E então, assim foi. Tudo correu normalmente e minha ansiedade foi diminuindo à medida que entendi que todos tinham mais ou menos 3 ou 4 anos, falavam só o primeiro nome e era no máximo o segundo ano “escolar” de todos.

Até que o Bruno se levantou e disse: “Oi. Eu sou o Bruno e tenho 7 anos.

chocado


Meu olhar, naquele momento, deve ter se iluminado. Estava ali um ser-humano de sete, SETE anos. Em instantes, Bruno se tornara meu objeto de admiração e respeito. 

Comecei a me imaginar com incríveis SETE anos. Como eu seria? O que eu estaria fazendo? Eu seria tão alta quanto ele? Eu teria sardas como ele? 

Eram minhas perguntas naquele momento. 

Mas não foi o que a professora havia perguntado, provavelmente mais de uma vez, já que todos estavam me olhando. E eu percebi que tinha esquecido o que eu precisava falar. 


Então este é o passo #1: Pare de tentar ludibriar sua Realidade.

Porque ás vezes, é assim. A gente fantasia com o futuro e com tudo que vai acontecer nele. E obviamente existem inúmeros problemas nisso. Mas vou citar estes:

  • Dona Realidade precisa: A gente acorda com a realidade batendo na sua porta, esperando que você execute coisas para as quais esqueceu-se de preparar-se, levando você a tentar resolver tudo antes que seja tarde.

  • Dona Realidade desiste: Ás vezes simplesmente é tarde. Corremos o risco de acordar para a realidade do presente quando ele já se tornou passado e não há mais nada para fazer.

Pelo menos comigo, acabo indo para o futuro justamente com medo de chegar num ponto onde eu não possa mais corrigir minha história — ou uma parte dela.

É o pretinho básico da minha vida: errar por medo de errar.


Dona Realidade precisa

Esse problema passou a ser mais perceptível no início da vida adulta, quando me via tendo que fazer algumas coisas ás pressas. Não estou nem me referindo a imprevistos, a momentos em que parece que tudo acontece ao mesmo tempo e são específicos. 

Estou me referindo a funções regulares. 

A tarefas frequentes e relativamente fáceis de realizar, uma vez que eu sabia como, já tinha feito e sabia que viriam, antecipadamente: trabalhos de faculdade, estudar para a prova, escrever um texto, arrumar a mala, etc. 

Essas tarefas se tornavam urgentes a medida que o tempo passava enquanto eu estava preocupada com outras coisas, que não eram urgentes ou sequer existiam. E aí eu não conseguia fazer mais nada. 

Não conseguia apreciar ou dar atenção ao que estava acontecendo ao redor de mim. Porque eu precisava estar naquele ritmo que precisava dispensar qualquer outra distração.

O cachorro latindo na rua me incomodava mais do que deveria; as pessoas falando indevidamente comigo quando notavelmente eu estava precisando concluir algo me irritavam; o barulho do telefone martelava na minha cabeça.


Dona Realidade desiste

Aí entra o segundo caso, quando a Dona Realidade “desiste”. Não precisa estar à beira da morte para passar por isso. Podem ser momentos simples. Coisas que simplesmente perdemos por não estarmos suficientemente atentos. 

A Realidade está continuamente esperando que executemos algo, ou nos dando oportunidade de executar algo: ao nos encontrar tão ocupados, ela tende a procurar outra pessoa. 

E ter pressa me levava a não prestar atenção e viver as coisas na hora certa. Eu deixava para depois as coisas “chatas” fantasiando com coisas “legais” que poderiam acontecer. 

 

Mas as coisas chatas são aquelas que a Dona Realidade nos cobra. Enquanto as coisas legais que idealizamos são aquilo ela nos oferece — mas só entrega quando prestamos atenção.

 

procrastinação e a realidade


Portanto, ao fazer as coisas com pressa, fui perdendo oportunidades de aproveitar com totalidade o que a Realidade tinha para me oferecer. Ter pressa me impedia de viver as coisas na hora certa, explorar as experiências e colheitas. 


Eu não estava prestando atenção, eu estava ocupada demais fazendo as coisas com pressa

Então eu passava a ficar apenas com as coisas que a realidade PRECISAVA que eu fizesse, do único jeito possível: com pressa. E o ciclo tornava a se repetir. Para mim, esse se tornou o pior problema. 

A sensação de que eu era um hamster, e a vida era o cientista me observando com curiosidade e dizendo aos seus colegas: incrível, ela realmente ainda não entendeu.

Quando estamos fazendo as coisas com pressa, até as coisas que poderiam ser boas e agradáveis, nos irritam. E as coisas que são desagradáveis e irritantes por si, nos levam mais rapidamente ao colapso nervoso. 

Estava na hora de fazer as pazes

Era a minha realidade.

E aquilo, claramente, não estava me fazendo bem. Estava na hora de pôr novas regras no relacionamento abusivo que eu vinha tendo com esta senhora impecável chamada Realidade.

Precisávamos de um alinhamento. Ela estava precisando ou me oferecendo coisas que eu não estava sendo capaz de entregar. 

Embora eu sempre tenha sido comprometida com metas, prazos, e em dar meu máximo para que cada coisa ficasse boa o bastante, estava pagando caro pelas minhas escolhas. 

Assim, olhar para trás, me preparou melhor para mastigar bem mastigadinho o papo passivo-agressivo da Dona Realidade. 

Identifiquei algumas percepções construídas que limitavam minhas possibilidades, analisei a origem do problema. E pude ver as coisas sob outro ângulo.

Viver tranquilamente era possível, e só dependia de mim. Foi minha vez de impôr limites. Assim, essa foi uma importante resolução tomada entre o final de 2016 e início de 2017 e que se aperfeiçoou a cada novo aprendizado:

Fazer as coisas com menos pressa

uma vida mais calma

Simples. Ao mesmo tempo dificílimo. Porque envolve hábitos, e hábitos não são como decorar uma fórmula, mas sobre entender e praticar o problema. Ou melhor, a solução.

No meu caso, precisei de alguns critérios que serviram como base e talvez te ajudem bastante. Este, este, este e mais este artigo, inclusive, falam sobre isso. Mas, basicamente, as regras principais que adotei, tiveram muito resultado e por isso indico foram:

  1. Conhecer-se: seu ritmo, prioridades, sacrifícios que está disposto a fazer;
  2. Manter as coisas arrumadas diariamente;
  3. Focar no horário que precisa SAIR, não no horário do compromisso;
  4. Ter um dresscode básico e versátil;
  5. Dizer não para coisas que não são prioridade; 
  6. Fazer coisas rápidas e urgentes primeiro;
  7. Calcular rotas antecipadamente;
  8. Criar rotinas para tarefas padrão;
  9. Anotar tudo e fazer listas mais direcionadas;
  10. Pedir ajuda e ser honesto.

 

É claro que incorporar consistência e não falhar nunca é uma equação que ainda não domino. Mas tenho entendido um pouco melhor e gostado bastante dos resultados: passei a me conectar mais facilmente com as coisas, entender melhor outras, e ser mais generosa – comigo e com os outros.

Esta é uma mudança que recomendo a todos. Ela não acontece de uma hora para outra. Depende de pequenos passos, é verdade. E é sempre incrível, porque, a cada passo que você dá, fica mais longe de onde esteve.  Pode ver novas coisas a melhorar que te levarão ao próximo degrau.

Então…que tal tentar e ver como você sente?

 

 

PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

Por isso, gostaria de propor algo bem simples que, mesmo você estando com muita pressa, pode fazer.
1. Escreva em uma folha a pergunta: Por que eu tenho pressa?
2. Deixe-a visível, como em uma parede, ou em um local que você acessa frequentemente, como o banheiro uma agenda ou diário;

3. Não tenha pressa em responder imediatamente, nem pare na primeira resposta, mas anote na folha seus pensamentos. Faça isso por um tempo significativo (que tal um mês, no máximo?) até que tenha um conjunto razoável de respostas que parecem fazer sentido e servirão de subsídio para que você saiba o que pode fazer;
4. Depois, trace e se comprometa com uma ação prática e possível para adotar no seu dia-a-dia.
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Continue lendoO primeiro passo para você ter uma vida mais calma

Decidi sair do armário: por que é importante assumir quem somos?

É isso. Decidi sair do armário. 

Infelizmente, é verdade, alguns armários têm saídas mais difíceis e dolorosas. De modo geral, assumir que suas opções fogem do padrão hétero-normativo é uma delas. Não é disso que estou falando aqui.

Desculpe se pareceu que quis me apropriar indevidamente do termo e da situação pra lá de diferente: não foi minha intenção. Mas realmente nada poderia definir melhor esse momento da minha vida. 

Porque…sim! Eu decidi, finalmente, sair do armário. De um armário empoeirado e cheio de tranqueiras que me amarravam. Um armário com saídas não tão resistentes e ainda assim desafiantes.

Um armário, talvez, até sem portas. Com barreiras que eu mesma criei. Mas um armário onde eu (ou você) vinha me escondendo fazia muito tempo.

                                              “um belo dia resolvi mudar, e fazer tudo que eu queria fazer”
                                        

Ok. Não foi bem assim, tudo, tudo. Mas foi quase isso que senti. Então, pra não iludir ninguém, vou contar melhor:  

  • Como meu “despertar” aconteceu;
  • Qual foi essa “revelação”;
  • O que eu e todo mundo que passa por isso ganha.


Onde tudo sempre começa

Lá estava eu, no meu tempo de reflexão mais explosivo: o banho.

Enquanto eu relaxava (mais ou menos) e inocentemente traçava coisas aleatórias no vidro embaçado, uma avalanche de respostas para as minhas dúvidas, medos e inseguranças surgiu. 

Assim, assim mesmo, que um dos estalos mais importantes da minha vida aconteceu. Desse jeitinho, no meio do vapor, do chão, das paredes — não sei de onde.

Embora essa não tenha sido a primeira vez (inclusive, logo vou fazer um post especial sobre meus insights mais malucos e como a vida é louca) não posso deixar de me surpreender nos raros e privilegiados momentos em que acontece. É sempre insano. 

Sei que algumas pessoas não entendem ou mesmo duvidam. Tudo bem. Mas eu torço para que todos, um dia, possam passar por experiências assim —  onde parece que nos plugamos no universo e as coisas se conectam.

Mas nem eu acredito que isso isso tenha vindo do nada. O processo foi longo, instável e difícil (você pode entender mais sobre isso aqui) mas posso dizer que tudo, me trouxe até aquele momento . O momento do estalo. Da grande revelação.

Durante todo o mês algumas velhas dúvidas tinham voltado— ou melhor, eu voltei a elas, afinal, bom filho a casa torna. E nas últimas semanas eu vinha me perguntando, mais uma vez:


Se não é isso, o que é? O que preciso ser? O que preciso fazer? Qual minha coisa no mundo? Por que? Por que estou aqui? Quem sou eu, afinal de contas?

 


Quem tem o prazer de conviver comigo (olha ela) sabe que eu encho o saco com essas perguntas existencialistas chatas, cansativas  e apaixonantes. Encho o meu saco e o de todo mundo ao meu redor. E talvez seja por isso que raramente tem muita gente ao meu redor.  Encho mesmo. 

Mas acredito realmente que se perguntar constantemente nos sensibiliza ou, por que não dizer, nos força a ver outras coisas que não vemos no piloto automático. Portanto, caso você esteja em dúvida sobre quem você é ou se está fazendo certo alguma coisa, meu primeiro conselho não solicitado é: QUESTIONE, alimente esta dúvida dentro de você. 

Não se deixe levar pelas distrações fáceis. Não ofusque o medo, a dúvida, a insegurança. Nem de você nem dos outros em quem confia. Converse sobre isso sempre que possível, leia sobre isso sempre que possível. 

Até que as respostas venham. Porque mesmo que depois elas mudem, uma coisa é verdade:

 

Elas sempre vêm

Então, como já aconteceu diversas outras vezes, entrei no banho (porque sou pobre, mas sou limpinha).  Mas quem saiu de lá, não foi a mesma Luana. Entrei uma pessoa, saí outra.

Entrei uma Luana. Cheia de dúvidas, medos, incertezas, inseguranças e todos os ingredientes bem especiais que cada um chama de um jeito. 

Verdade, entrei aquela Luana. E saí com o mesmo rosto, as mesmas espinhas, a mesma altura. Mas quem saiu de lá não era mais “a eu” de antes. É isso, de que outro jeito posso explicar? Simplesmente entrei no banho uma pessoa e saí outra.

Não sei se foi um upgrade. Mas posso garantir que foi um lançamento cheio de empolgação e de expectativas que só dependiam de mim.

Porque, como eu saí?! Certa, certinha, de como tava entendendo e fazendo tudo errado. E ao mesmo tempo radiante por que agora eu sabia como acertar. Fiquei repetindo, em silêncio e em barulho, para mim mesma, para quem pudesse ouvir:

Como pude ser tão cega? Como demorei tanto tempo? Estava ali o tempo todo.


Eu sou de humanas. Ponto. Sou de humanas, gente. Sempre fui. Pronto. Falei. Revelação.

 

                                        desculpa, não posso evitar

Sem querer ser piegas e manifestar claramente que sou do tempo do Orkut ou estereotipar – afinal sou suficientemente adulta para saber que aqueles gráficos que dividem as pessoas em dois grupos são ótimos parar rir mas não servem na vida real – essa realmente foi uma frase que fez sentido.

Deixe-me explicar. Durante uma grande parte da minha história eu fui calada e reservada. Eu morria de medo de me expor e de me arriscar. Portanto, passadas as primeiras rejeições e a descoberta de que o mundo podia ser bem cruel, aprendi uma forma nova de viver.

E nesse modelo eu calculava tudo. Eu imaginava cada ponto, cada estratégia, cada risco. Por isso, naturalmente, muitas pessoas, ao longo da vida, me viam como analítica, ponderada, razoável. Até passei a ser muito boa em matemática. Ou seja, um típico quadro das exatas.

Outro ponto favorável é que, mesmo nas minhas fases mais sociáveis, estar sozinha era um verdadeiro oásis para mim, e nunca gostei muito de falatório e “gentarada” – mais um ponto para exatas. Mas não.


Eu sou de humanas

É claro que estas deturpações de percepção só mostram como estereótipos do tipo não ajudam em nada no processo de autoconhecimento.

E não há dúvida de que minha pertença ao grupo de “exatas” se desfazia assim que as pessoas me conheciam melhor ou descobriam segredos tenebrosos sobre mim, como minha adoração por literatura e ficção, ou o fato de que eu escrevia poesia.

Mas, vamos lá! Você entendeu o uso da polarização, certo?! O fato é que entrei sendo só Luana, a “o que”. Saí sendo Luana, a artista.

Sei que pode parecer até bobagem. Que isso não deve ter acontecido exatamente como contei a vocês. Mas foi. Foi como se, no banho, eu tivesse cruzado com um Mestre dos Magos do bem (tenho certeza). 

E ele, ao invés de sugestões vagas, ao invés de um mapa confuso, de uma fórmula inteligível ou uma charada misteriosa impossível, tivesse me dado — meio apagadinho pela poeira do tempo, do esquecimento e da negligência, mas ainda lindo — o tesouro prontinho

E foi como se eu o tivesse recebido tal qual uma mãe recebe um filho perdido que finalmente foi reencontrado: maltrapilho, esfomeado, implorando por afeto e trato. 

Eu o aceitei com carinho e vi todo o brilho opaco. Precisava tirar o pó para a luz sair e depois seguir a função que nunca deveria ter parado: alimentá-lo, lapidá-lo, ajudá-lo a ser no mundo.

É verdade, ele foi para lá porque tive vergonha. Esse tempo todo, sempre foi vergonha. Nunca foi incompetência. Nunca foi falta — a não ser de vergonha na cara. Porque quase sempre eu me deixava levar por um caminho mais atraente. Mais fácil, mais certo. 

Demorei. Demorei demais. Mas já entendo que cada dor e cada alegria foram necessários. Pontuaram meu caminho até aqui, deram o ritmo necessário na hora certa.

Nada foi em vão. Aprendi umas coisas aí. Uma delas foi que descobri e aceitei que eu não posso controlar o meu destino. Mas posso coordenar minhas ações. Posso parar de ter vergonha. Posso me expor. Expor quem eu sou de verdade. 

E isso que nunca menti a respeito. No entanto, ter que me esconder para fazer as coisas de que eu gostava – coisas que eu sabia que não deixaria de fazer e nunca fiz para ganhar nada exceto a satisfação por si só – já não parecia mais fazer sentido. 

Como escrever. Aliás, foi a primeira. Aprendi a ler e escrever razoavelmente cedo. E lembro que desde então eu gostava ainda mais da segunda função.

Escrever sempre foi minha forma de expressão preferida (diferente dos meus pais e pessoas que receberam algumas cartas nada elogiosas). A escrita sempre foi a forma com que me imprimia no mundo e deixava ele imprimir em mim.

Eu não saberia dizer se sempre escrevi porque sempre pensei demais, ou o inverso. Mas a verdade é que essa paixão foi descobrindo novas maneiras de se declarar.

Assim, me deparei com uma porção de coisas que complementavam a minha necessidade de me expressar: o lettering, as cores, colagens, fotografias.

Não posso escolher um só. Desculpa, escrita. Desculpa a todo mundo que tentou me dizer que não posso ficar com tudo: eu descobri que, na verdade, não posso NÃO ficar. Tudo sou eu.

Então, agora, estou oficializando o romance e assumindo esse filho. Mas é mais que isso. Estou oficializando e assumindo esse relacionamento bem poligâmico com minha natureza artística.

Não foi o blog que nasceu assim. Eu renasci através disso. Essas coisas foram nascendo em mim, e agora estou parindo. Minha vida não terá mais filho fora do casamento. Assumi tudo.

Estou subindo no palco da minha vida, assumindo todos os riscos, todas as vaias e cada pequeno aplauso — porque sei que vou falhar muitas vezes. Tomara: estou pronta para aprender com cada falha.


Então…por que mesmo que é importante assumir quem somos?

Bom, essa era a pergunta inicial mas, se não ficou totalmente claro e se meu falatório confundiu um pouco, vou resumir em cinco tópicos, te dizendo as coisas que a gente ganha quando decide ser a gente mesmo e se abraça com tudo que isso significa. 

  1. Liberdade para fazer coisas malucas que antes não se permitia;
  2. Leveza e capacidade de lidar consigo mesmo com gentileza e compaixão;
  3. Autonomia para realizar e decidir as próprias coisas;
  4. Compreensão de coisas que você achava que tinha dado errado; 
  5. Alívio por se livrar da sensação constante de que você tomou a decisão errada. 

Se você acha pouco, acha que não precisa disso, segue aí sua vida. Mas se você acha que dá pra fazer melhor com o presente que é a vida, é fácil começar. 

 

 

PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

             clique aqui para ouvir a música recomendada para essa prática

1. Pegue uma folha e escreva nela todos os armários e tranqueiras da sua vida. Todas as coisas que te prendem e das quais você gostaria de se libertar. Todas as suas dores, dúvidas, medos (se quiser, você pode registrar com uma foto e salvar em algum lugar);
2. Depois separe os itens anotados, recortando e pensando individualmente em cada um deles, dobrando e colocando em qualquer lugar assim que concluir de pensar o que precisar sobre ele;
3. Espere algum tempo (recomendo no máximo um mês) e mantenha-se sensível, nesse período, a identificar gatilhos e manifestações destas coisas que você anotou;
4. Após o período, acesse novamente os papeis e reveja, e lembrando-se dos gatilhos e manifestações observados;
5. Tire suas conclusões e estipule uma meta/ação a partir delas. Algo simples que você possa fazer e acompanhar. (quanto aos papeis, você pode queimá-los, rasgá-los, cuspir neles, o que bem entender).
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O elemento imutável da vida

É verdade. Mais um ano se passou. E sigo acreditando nisso.

Agora faz exatamente vinte e nove anos e vinte dias desde que saí da barriga da minha mãezinha, naquele dia bonito, feliz e ao mesmo tempo triste, de três de junho. 

Isso significa que desde que estou aqui, a Terra já deu mais de vinte voltas completas ao redor do sol. Mas, para eu chegar até ali, muita coisa precisou acontecer.

Se pudesse escolher, certamente faria alguns ajustes capazes de tornar tudo mais leve. Mesmo assim, diferente do que eu dizia no passado, eu gosto de ter vindo.

Porque, é claro, eu poderia ter escolhido outro dia. Eu poderia ter vindo antes. Eu poderia ter vindo depois. Eu poderia nem ter vindo.

Mas não. E, talvez tenha acontecido do jeito que tinha que acontecer. As coisas poderiam ter sido diferentes, e minha mãe poderia gritar outro nome quando fosse brigar comigo.


Mas não.

Era para eu me chamar Eslim.

Ainda bem, naquela noite, a Lua decidiu ser tão linda, mas tão linda, que minha mãe decidiu que iria me dividir não só com o meu pai, mas com algo que, até hoje, me acalma.

E, assim, passei a me chamar Luana, nascida da Lua.

É preciso dizer que ninguém se chamava Luana e eu precisava ficar repetindo toda vez que me apresentava – o que não adiantava muito, porque logo eu escutava alguém falando Luciana, Luane, Luísa, Lúcia e até Bruna ou Camila.

Então eu não gostava do meu nome, até bem pouco tempo atrás. Só que até bem pouco tempo atrás eu não entendia uma porção de coisas (e a maioria delas segue assim mesmo).


Por outro lado, entendi outras

foi mais ou menos assim, ou o inverso


Entendi que a vida é mesmo feita de ciclos, que tudo passa, e que tudo que acontece, quando a gente aprende a respeitar e processar, acontece por alguma razão.

A partir daí existem pelo menos duas opções: acreditar nisso sem nenhum embasamento adicional (hoje sou capaz de reconhecer que nem tudo precisa de explicação) ou não acreditar tão facilmente.

Se você e o ceticismo são íntimos – e não duvide que este não deixa de ser o meu caso – há um outro viés pelo qual olhar, e você nem precisa seguir uma religião ou ser espiritualizado. Basta que você imagine o seguinte:



pode ser que a razãde as coisas “serem” somos nós que criamos a partir da interpretação que damos ao que acontece.


Basicamente, não importa no que você acredita: basta que você aceite que não pode controlar tudo. Portanto, gerenciar os acontecimentos é a única opção disponível. Fazemos isso o tempo todo. Mas o modo como fazemos dá toda a diferença.

E é assim que passa

tudo é uma questão de perspectiva


Do jeito que você escolhe olhar para cada coisa. Porque vai passar. E existe um campo fértil de possibilidades para cada uma dessas coisas.

Coisas boas, coisas ruins. Coisas neutras que ás vezes deixamos de dar atenção mas fazem uma diferença danada quando são juntadas num punhado de tempo, de anos, de experiências.

Eu precisei de tudo isso: anos, experiências, feridas abertas prejudicando minha vida, fugas e desencontros de mim mesma. Muita negação ruindo.

Foi um longo processo onde mudanças imprescindíveis aconteceram. Até que cheguei aqui: a lugar nenhum importante para alguém, mas fundamental para mim.

Porque nenhuma das minhas mudanças mudou no mais gostoso de ser eu.

 

Mudando sem mudar


Mudei muito desde aquele 1990, mas a minha essência permaneceu lá dentro, esse tempo todo, intacta.

Trocou de forma. De tamanho. Se escondeu. Aborreceu-se, omitiu-se. Hora ou outra dava um sorriso e saía dançando, mas logo se amuava num canto, cansada de ser ignorada mais uma vez.

Só quando eu senti minha falta e descobri que precisava dela para me achar, decidi encontrá-la. E descobri que eu não sou o que eu imaginava que seria aos 29.

Se teve uma coisa que eu não me tornei, foi a Luana adulta que eu imaginava quando criança. Essa “Luana de 29 anos” não chega nem perto daquela projetada pela mente da Luana de quatro, doze, dezesseis.

Ainda bem.

Eu gosto muito mais dessa versão.

Nela eu aprendi uma porção de coisas que nem minha idealização infantil mais bonita seria capaz de supor. A maioria delas não são coisas fáceis de explicar, tangibilizar, ensinar.


Mas eu vou tentar. É por isso que estou aqui.

Então, prometo ser sempre honesta. Porque você precisa saber algo sobre mim: não consigo dizer algo em que eu realmente não acredite com toda minha força.

Por outro lado, como você pode ter notado, acredito que mudar de opinião, de ideia, de sonhos, faz parte de crescer – foi assim comigo, e se você está presente é ou será com você também.

Portanto, esteja ciente: estou muito longe de ter respostas – inclusive, faz tempo, elas deixaram de ser objeto de desejo. Porém, sigo curiosa.

Metamorfose Ambulante - Raul Seixas
“Prefiro ser essa metamorfose ambulante. Mas sou inevitável e tô vivão, seus bosta.”


Assim, espero que você entenda e lembre que nada do que trago são paridas como verdades absolutas. São percepções que decidi compartilhar por entender que podem ser construtivas em algum ponto da SUA jornada, como foram ou têm sido da minha.

Também não tenho intenção de agradar você.

Mas sou ousada o suficiente para sonhar que um dia, você entenderá algo novo sobre você mesmo enquanto estiver lendo algo por aqui, algo que te ajude a ser de um jeito que te deixe mais feliz.

Então, eu espero, do fundo do meu coração, te ajudar a encontrar suas peças e montar pelo menos um pedacinho do seu quebra-cabeças, enquanto quebro a cabeça buscando caminhos para decifrar o meu.

Sinta-se em casa. Senta aí e fica a vontade.


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