As histórias por trás de toda história

Desde o início eu sabia que haveria um tipo específico de artigos onde eu traria reflexões inspiradas ou baseadas em filmes, séries, músicas e livros.

Porque sempre tive a impressão de aprender muito sobre a vida, pessoas e relacionamentos com essas coisas, com personagens, com histórias, com aventuras que eu não havia vivido mas de cujos louros eu poderia usufuir. 

Portanto, eventualmente, vou trazer uma abordagem específica, de alguma coisa que mexeu comigo, me fez ir além. Sabe aquele livro, filme, série que te deixa sem ar? Que acaba e você fica paralisado, atônito, com a cabeça a mil? Ou que você passa a semana toda pensando sobre? Então.

Essas coisas que a gente não consegue descrever, adjetivar com poucoas palavras, digerir em alguns minutos. Essas coisas que dá vontade de conversar a respeito, escrever a respeito. É disso que se trata.

Assim, está oficialmente lançada a série Coisas que São. Adianto que minha pretensão não é tentar ocupar um espaço da crítica de cinema ou literatura. Mas sim usar histórias incríveis para falar daquilo que a fantasia entrega para a realidade. Afinal, dizem que a vida imita a arte, mas em algum ponto, ovo e galinha se tornam pontos de inícios e finais. 

Não é o que você está pensando!

Bem, eu não posso evitar estrear com esta obra confusa e genial, no meu ponto de vista. Preparem-se, porque vou compartilhar uma bolota intragável que consumi há alguns meses.

Uma bolota com nome, elenco, fotografia, produção e uma espécie de…trilha sonora. Posso dizer que foi um filmezinho bem do sem-vergonha, que entrou infiltrado na minha lista interminável. 

Como assim? Acontece que, uma vez, enquanto assistia a um vídeo ou série de trailers (ah! o ócio), apareceu o trailer de um filme que, na ocasião, me despertou atenção.

Tratava-se de uma mulher que tinha o sonho de cantar, mas como o marido não a apoiava ou entendia ela decidiu partir rumo ao sonho. Só que ela não cantava muito bem e o caminho parecia longo.

A partir daí, o que eu fiz foi o que qualquer pessoa faria: anotei e guardei o nome desse filme que me interessou tanto em um lugar impossível de perder.

E, adivinhem?! Eu perdi, lógico.

Até que me deparei com a sinopse de um filme e pensei que só podia ser ele.

Adivinhem, de novo? Não era, claro.


Mesmo assim, algo na sinopse do filme que não era me atraiu. Pensei: “Por que não?! Quem sabe um dia?”. Até que o tal dia chegou. Entre os milhares de itens da minha lista, alguma coisa me levou a descobrir este. E que bom. Meu instinto, mais uma vez, me presenteava com uma excelente oportunidade.

Foi sim aquele tipo de filme. Sabe? Que, quando acaba, deixa a gente boquiaberto, andando meio torto. Peito aberto. Em transe.

Demorei para “acordar” e passei dias pensando. Talvez dei sorte e o filme me pegou no momento certo, talvez simplesmente seja incrível e você precise ver.

Então, vamos falar, SEM SPOILER sobre…

Marguerite!

Para começo de conversa: Tudo em Marguerite não é.

Não era o filme que eu procurava e anotei no papelzinho. Mas gostou desse negócio de me enganar, e continuou não sendo. Marguerite não se trata de uma cantora desafinada na sociedade elitista da Paris dos anos 50. Não se trata de uma mulher rica que compra todos os seus sonhos e caprichos. 

Marguerite, talvez, se trata de um ser-humano cheio de posses que teve o azar de ter um sonho. Se você assistiu o trailer antes (como eu) não se iluda: não temos aqui uma comédia. 

Essa ficção, inspirada na história real da socialite Florence Foster Jenkins, não se trata de coisinha banal. Não dá para pôr na sessão da tarde – ninguém suportaria mais do que Edward Mãos de Tesoura por lá. Aqui, temos uma verdadeira obra-prima da frustração, da crença, da entrega.

Marguerite trata das paixões que não sabemos gerenciar mas sem as quais jamais conseguiríamos viver. Todas elas. Físicas, emocionais, espirituais. Nossas obsessões, nossas crenças, nossas demandas mais urgentes e excruciantes.


Marguerite trata da solidão que encontra fim na fé e na arte. Marguerite, a personagem, por sua vez, não é uma cantora desafinada. Ela é uma idealizadora. Uma artista presa num corpo e numa condição.


Em resumo, não se trata de um romance nem propriamente de uma crítica, mas também não é um drama. Sequer é um drama. Como você vê, é difícil até para mim falar sobre Marguerite.

Mas vou seguir tentando, mencionando alguns tópicos que falam do que Marguerite é – sem simplificar a sua vida. Porque Marguerite é complexo demais, e falar a respeito de forma simples seria, no mínimo, um desperdício.

 

Detalhes, inconstância, não-pertencimento e o encatamento de cada essência – como a vida real!

     

A obra, acima de tudo, conta a história de pessoas que se conectam pela mesma razão: vagam presas, limitadas, condicionadas, ocultando o melhor de si.

Marguerite, o longa, não parece ter a pretensão de colocar em caixas de heróis e bandidos, bons e maus. Não se preocupa, inclusive, com atos catastróficos.

Marguerite se trata dos detalhes. Do olhar que abaixa. Das sobrancelhas que expressam. Do barulho que parece um gato miando, escondido em algum lugar. Das cenas da caça que não teve chance. Do cuidado e da complexidade que só quem vive pode degustar.

Ora ela é louca. Ora ela é adulta. Ora é criança. Ora é ambiciosa e audaz. Ora inocente. Ora profunda, ora superficial. Ora cheia de orgulho, ora sem orgulho nenhum.

Ela é, por fim, humana. Ela é como eu e você. E por isso que se encaixa tão bem. O não-pertencimento é difícil para Marguerite como para todos nós. 

Podemos até dizer, por exemplo, que a abordagem de um casamento fracassado e de fachada é importante na trama. Mas, de novo: é mais que isso. 


É a manifestação da complexidade das relações, do status, das normas sociais subjetivas e como isso afasta ao mesmo tempo que aproxima.

 

Claro que, no olhar ocidental, moderno e evoluído (ainda bem) somos capazes de enxergar em George um cretino egoísta. Mas se realmente nos esforçarmos em nos tornarmos empáticos, veremos também um homem carregado de medos e crenças que, nem assim, impedem de preservar um genuíno carinho pela esposa.

Um carinho, bem verdade, freado pela sua própria incapacidade de se aceitar que, por sua vez, reflete-se na flexibilidade em aceitar aquilo que sua mulher representa: a extravagância dos que seguem autênticos.

Já, em Madelbus, podemos escolher ver um homem misterioso, ora assustador, ora apaixonado, ora obcecado. Ora bondoso e generoso. Ora capaz de fazer o que for necessário para preservar sua protegida.

 

A velha necessidade do julgamento e a urgência atemporal da empatia 

Falamos de George e Maldebus. Mas também Marguerite tem seus excessos.

Como poderia ser diferente? Rica, desde sempre e conduzida apenas a casar e exercer um papel social, seria natural que se buscasse caminhos e caprichos que distraíssem a personagem.

A verdade é que cada um de nós tem suas próprias manias. Precisamos delas, de algum jeito estranho. Apenas adequamos essa necessidade (de ter manias para chamar de nossas) à realidade em que vivemos, buscando um meio de torná-las possíveis.

Criamos estas manifestações de singularidade por diversas razões e ás vezes nem as percebemos. Mas elas não surgem do nada e sempre têm uma construção, um ponto de onde ela se originou e tornou-se indispensável. Inclusive, coicidentemente, falei sobre isso aqui recentemente.

Assim, mesmo quando notamos estes padrões, não os assimilamos como manias. São hábitos, são nosso modo particular de ser no mundo. As do outro sim, facilmente podem ser interpretadas como manias, frescuras, bobagens.

Então: não. Comer apenas comidas brancas não é uma mania para Marguerite. Não é uma frescura. É um objetivo. É a maneira pela qual ela ameniza uma dor latente de não ser tanto quanto sente que pode, que deve, que nasceu para ser.

É um modo, talvez, de sentir que tem algum domínio sobre sua vida: ela não controla o que sai de sua boca, mas este pode ser sua maneira sutil e estranha de decidir o que entra.

Também é possível concordar que é incômodo o esforço em mostrar esse lado doloroso de se ter tanto dinheiro a ponto que ninguém estar disposto a ser honesto. O discurso, embora válido, não faz mais sentido: somos minorias demais.

Mas para garantir que tenha ficado claro: também não se trata disso. Sobre riqueza ou pobreza ou os méritos de cada lado. Se trata de empatia. De seres-humanos. De acreditar tanto nos sonhos que ninguém ousa arrancar isso de você.

Se trata de um homem que se entrega ao amor de uma mulher brilhante e, ao mesmo tempo, vulnerável. De um garoto que não aprendeu a crescer e precisa de fugas. De uma talentosa voz incapaz de lidar com a entrega . Esse é o entorno de Marguerite. 

Sobre ela, interpretada magnificamente por Catherine Frot, há algumas características fixas e fáceis em nossas expectativas: cantora, velha, rica, desafinada.

Mas ingênua, jovem, pura, fresca, leve, solta também são adjetivos que facilmente podemos destilar para Marguerite e que provavelmente são mais adequados à sua essência.


Um exercício de paciência

Além de tudo, Marguerite tem seu ritmo. É um filme lento. Cheio de pausas. Com cenas que a princípio não fazem sentido e com espaços que demoram.

Marguerite é sim um exercício de paciência. Mas não nos vence pelo cansaço. Nos vence pela coragem.

Assim como a própria personagem, que ao contrário das primeiras suposições vai, aos poucos, mostrando que não conquista as pessoas que seguem ao seu lado por causa do dinheiro, mas porque os inspira. Ela os ganha pela pureza e autenticidade sem ser arrogante, boçal, prepotente.

Embora rica, embora profundamente comprometida há anos com sua prática errática, ela escuta. Ela está disposta. Ela ouve. Mas ninguém quer lhe dizer o que ela precisa. E disso ela não tem culpa.

Marguerite, com toda essa paciência, me impactou. Me ensinou coisas para as quais eu não estava totalmente preparada. Algo em Marguerite parece um soco em algum lugar no esôfago.

Depois de engenhosamente construída como mito, como rainha, como musa inspiradora.

Manipulada de forma mais cruel que personagens de um livro, que ganham sua própria vida aqui, ainda deixa um poderoso alerta: cuidado para não estar vivendo o sonho de outra pessoa. Afinal, para Marguerite isso nunca foi tão verdade.

Entregou olhares, e chegadas que nunca vieram. Driblou meu senso precipitado e falho de julgamento e me mostrou que há muito mais quando estamos dispostos a ver as matizes. Lembrou de como cada um é, do seu modo, essencial para toda história. E me fez pensar nas inúmeras histórias escondidas atrás de cada um.

Por isso tudo, pela primeira vez, um filme exigiu de mim paciência, sem me irritar.

 

O que podemos aprender

Como eu disse, é possível extrair muito aprendizado de praticamente tudo que vivemos, vemos, sentimos. E a ficção tem um enorme potencial de fazer issso. Portanto, as coisas mais importantes que Marguerite me trouxe foi a lembrança, não necessariamente nessa ordem, de que:

  • Nós somos os únicos responsáveis por acreditar nos nossos sonhos.
  • Alguns sonhos são maiores que nós. Outros, não são sonhos. 
  • É importante descobrir o que, de verdade, nos transcende e o que é fuga, válvula de escape. 
  • Autoestima é ótimo, mas  o ego e a vaidade podem cegar e nos confudir.  
  • Quando olhamos para alguém, só vemos a superfície, sempre há mais. Muito mais. 
  • As razões do outro são facilmente convertidas em manias, as nossas, em particularidades. 
  • Sinceridade é importante, mas deve ser aplicada com gentileza. 
  • O bakcground de cada um pode ser surpreendente, mas descobri-lo exige cuidado.
  • Seres-humanos são complexos e, na grande maioria das vezes, só estão tentando fazer o melhor que podem
  • A intuição e sensibilidade aos detalhes podem ser cruciais na tomada de decisões.
  • Ingenuidade, vulnerabilidade e fé são agentes eficazes em conectar pessoas. 

Bom, imagino que, se eu assistir novamente, a lista aumentaria. Mas acho que está de bom tamanho. 


PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

Bom, temos e não temos algo complexo para a prática de hoje. Afinal, depois da geléia mental do meu cérebro, não poderia encerrar diferente. Então, vamos lá.
1. Que mentiras você tá contando para si mesmo? Escreva em uma folha tudo aquilo que vêm à sua mente, avalie cada tópico, selecione um mais alarmante, e guarde.
2. Analise como você informa às pessoas sobre suas expectativas e sentimentos e reflita sobre como interage com a sinceridade: Você tem medo de falar a verdade? Ou fala verdades demais? Como isso afeta as pessoas ao seu redor? E a você?
3. Agora, investigue as duas respostas e trace uma meta que melhore sua relação de verdade com o outro. 
Ah! Se tiver alguma sugestão, nos envie um e-mail!

 

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