Esta categoria é destinada para publicações prioritariamente voltadas para a prática. Ou seja, todo o conteúdo dela foi pensado para ser aplicado no dia-a-dia.
Olha… uma galera lá de Crockett Island também acha. Por isso escolhi começar com essa pergunta: não vejo maneira melhor de falar sobre a série do Netflix. Inclusive, vale dizer que ela esteve entre as cinco mais assistidas no Brasil em 2021.
Embora essa não seja uma análise técnica, a minisérie oferece insights valiosos sobre a humanidade.
A verdade é que você pode escutar coisas bem diferentes sobre “A Missa da Meia Noite”. Mas se te peguei desprevenido ou ficou na dúvida sobre como me responder, esse artigo é pra você.
E se não teve dúvida nenhuma, com certeza esse artigo é pra você.
Ok, mas será que vale a pena ver “A Missa da Meia Noite”?
A resposta pra isso é a mais odiada por 98% da humanidade: depende.
Como não sou (totalmente) trouxa, vou tentar explicar do único jeito que consigo pensar: falando sobre a série.
Particularmente, vejo como uma história quase fabular, capaz de nos lembrar daquilo que costumamos esquecer. Mas, ao invés de uma lição central, ela pode te carregar para um vórtex de percepções – o que eu considero sempre válido.
Cheia de falas extensas, a série vai levando a gente pela beleza e caos das perspectivas dos personagens antagônicos, que nos ensinam sobre: vícios, pontos cegos, orgulho e intolerância.
E é por isso que insisto nas obras de Mike Flanagan – ele tem esse jeitinho Stephen King, sabe?! De usar narrativas horripilantes para nos levar às profundezas de nós mesmos.
Mas confesso que fiquei na dúvida se encararia “A Missa da Meia-Noite”. Até que me rendi à tentação de, como n’“A Maldição da Residência Hill”, identificar elementos cheios da sabedoria que um bom drama costuma entregar, ainda que mascarado por outros estilos.
Ah! Só pra contextualizar, o roteiro… digamos que se baseia em um homem condenado no mínimo três vezes.
Primeiro, pelo desejo de escapar de uma vida medíocre. Segundo, pela fantasia de que libertar-se do lugar é libertar-se da ideia.
Até, que finalmente, ele chega à terceira. Não legalmente, pelo homicídio. Mas pela mente: a culpa de ter matado alguém inocente.
É assim que Riley acaba voltando para onde passou a infância toda sonhando sair: a pequena ilha de Crockett. Abandonada e remota, com seus 127 habitantes permanentes, a cidadezinha tem atividades que se baseiam num cais e numa igreja.
Então, mesmo se você, como eu, não tem o terror como gênero preferido, eu diria que vale a pena assistir sim.
Acho que essa coisa de “gênero” nos priva de óticas que estão além do que vemos, de aprendizados que transcendem simbolismos óbvios que definem as categorias das histórias.
A “Missa da Meia-Noite”, por exemplo, embora com uma premissa assustadora, mais do que medo, trouxe reflexões profundas.
Não se trata de Riley nem de monstros. Mas, certamente, de humanos.
Então, vamos para o primeiro ponto.
Bev, humanidade, loucura e nossas escolhas mais difíceis
Eu gosto da ideia de que ninguém é intrinsecamente bom ou mal. Mas, no fundo, é difícil ter certeza sobre isso quando não conhecemos a verdade mais profunda sobre cada um.
Além disso, pegando pela história da série, antes mesmo do surgimento do novo padre de Crockett (interpretado com maestria pelo Hamish Linklater – o eterno Matthew, de Christine) e da revelação de alguns mistérios, nos defrontamos com a personificação mais assustadora do mal.
A gente fica tipo: será que humanos se inspiraram na mitologia de monstros ou se originaram neles?
É Bev quem me traz essa dúvida e mais me dá arrepios. Porque mesmo fictícia, ela pode ser encontrada no nosso mundo
Ela até mostra potencial para carregar estereótipos suavizados. Sabe? Da megera cujo comportamento se enraíza em algum trauma ou dor pungente. Mas Bev não se preocupa com nenhuma justificativa:
sob a ótica dela, ela não tem nada de que se justificar. Ela é pura e terrivelmente incompreendida em sua infinita e rigorosa bondade.
Quem se justificaria de algo assim? Certamente alguém que carrega segredos, pecados. Com certeza, não ela. Porque ela ta todinha ali. Suas verdades se resumem ao escopo da tela.
Bev incorpora parte do que tememos no mundo: mais do que os outros, talvez, a gente mesmo.
Ela reflete a nossa tentação em enxergar as coisas sob o prisma que nos é mais conveniente (e os desdobramentos terríveis que isso pode trazer). Seus atos são tão cristalinos que nem a ironia, o cinismo ou a hipocrisia são capazes de disfarçar. Para mim, é tão difícil absorver a maldade de Bev, que prefiro enquadrá-la no âmbito da loucura.
Não dá nem pra saber se não foi por isso que criamos o termo: para nos afastarmos de pessoas capazes de coisas tão terríveis. Se torna uma questão de eles, e nós.
Tipo:
“Bev é tão monstruosa e determinada a ser má que só pode ser louca.” – pensamos. Afinal, as pessoas não são assim. Pessoas são boas. Bev é que é monstruosa. Sua humanidade foi consumida pela loucura. Eu não sou assim.”
Olha… não tenho certeza de nada – senão de que, sob a ótica mista da ciência, da psicologia, da filosofia e teologia o debate seria, no mínimo, interessante. Mas sim: é perturbador pensar nisso.
Consumida pelo orgulho e pela noção de superioridade que faz de si, ela é capaz de tomar as decisões mais absurdas sem hesitar. Só que não aleatoriamente.
Nem Bev é tão corajosa assim. Ela se esconde por trás de um livro. De escrituras que sabe serem consideradas sagradas. De palavras escritas por pessoas que ela tem certeza encarnar.
Ninguém pode ousar contrariar o que ela diz ou faz, porque não é ela que diz ou faz, ela só está transmitindo a mensagem. Não importa o que aconteça, ela está sempre com o mesmo escudo:
“Está na Bíblia, você não vê porque não é tão soberano quanto eu, oh pecador. Mas deixe-me mostrá-lo com minha infinita sabedoria sobre as coisas não-mundanas.”
Ora condescendente, ora agressiva, o que muda é o tom, nunca a mensagem.
E é assim, emBEVecida (não resisti) pelo êxtase de uma suposta salvação, de ser escolhida e, depois, pela certeza de coisas mais… líquidas, ela vai se destilando na pequena, mas altamente corruptível comunidade de Crockett.
Odiamos Bev, além do fato de ela ser má, porque sabemos que todos nós somos tentados à seguir por aí em algum momento. Porque, no fundo, podemos nos perguntar quantas vezes incorporamos algum tipo de mal.
Talvez algumas pessoas sejam simplesmente más.
Talvez todos nós sejamos um pouco, quando buscamos encontrar ou dar razões para nossas pequenas atrocidades.
E, aqui entramos em outro ponto relevante.
As ilusões causadas pelos vícios e pela aversão à autorresponsabilidade
É fácil pensar que ninguém, uma vez contaminado, pode resistir.
Que o veneno, feito da maldade, das falácias, do ego, da fofoca, do julgamento social, do preconceito e da intolerância
é infalível.
Uma vez tocado, se apossa de você.
Essa noção fica bem clara quando Riley, (na atuação hipnotizante do Zach Gilford) apresenta o álcool e suas conseqüências abusivas, não como algo de sua responsabilidade, mas como algo externo a ele.
Muitas vezes pode ser tão desafiante assumirmos inteiramente o mal que causamos, que optamos por projetá-lo: foram eles, a culpa foi dela, é porque você.
Na explicação dele quando ‘submetido’ à substância, se torna outra pessoa.
Em qualquer mitologia – e em outros discursos de pessoas viciadas – encontramos diversos relatos onde essa ideia se repete: a da posse.
Algo misterioso, intangível ou inexplicável que nos assola.
Que toma conta de nós de forma tão cruel, rápida e mordaz que nos incapacita – física, mental ou emocionalmente a resistir.
Fomos vitimados. Não fizemos nada, nem a escolha de ‘deixar’ que aquilo acontecesse.
Em uma das cenas mais marcantes, no final do segundo episódio,Rileychega a flertar com o conceito quando explica ao padre uma abordagem sobre o alcoolismo.
Ele diz:
“O Riley que surgia quando eu bebia, ele era ruim. Ele era egoísta, indiferente e arruinou minha vida.”
Ainda que a licença atenda ao roteiro, existe a noção de que alguém, quetomava conta dele, era capaz de fazer as coisas mais horríveis usando seu corpo, sua voz, seu rosto.
E que, depois, facilmente o abandonava para que ele lidasse sozinho com as conseqüências das ações que tomou como sendo o próprio Riley.
Então, ele continua:
“Sempre achei que nos daríamos bem. Aprenderíamos a viver um com o outro, porque ele não me faria mal. Não a mim. Eu o alimentava, ele não me faria mal. Acordei um belo dia e ele havia matado alguém.”
Mas, tão logo se depara com o olhar do padre, mostra o quanto aprendeu. E conclui:
“Eu matei alguém.”
Riley não ganharia nem perderia nada com essa confissão voluntária de responsabilidade. Com a demonstração de que, finalmente, entendeu.
De que realmente reconhece que não era outra pessoa, mas ele mesmo, quando matou alguém.
Por isso, vejo este como o primeiro e mais importante marco da história.
Mesmo que ele já se penalizasse e carregasse com tanta clareza a culpa.
Mesmo que já tenhamos visto ele assumindo a responsabilidade perante a justiça e concluído a pena dos homens – foi a primeira vez que presenciamos ele falando em voz alta sua responsabilidade.
É um momento de clareza onde entendemos que Riley pôde tirar algo de tudo. Ele saiu da cadeia e embora vejamos ele aprisionado, somos conduzidos a acreditar que ter ganhado consciência poderia libertá-lo.
Depois fica claro que, ali, é consumado o final de um ciclo. Mais precisamente quando Riley se vê transformado, e entende que lhe restam poucas escolhas.
No barco, com Erin, sentindo seu novo vício, ele nos revela a escolha menos óbvia.
Ainda que tenham se esforçado em convencê-lo que as conseqüências do seu desejo mais recente fossem benignas, ele as dispensa e se torna capaz de resistir à promessas tentadoras.
A mesma liberdade de escolha que levou Riley a matar uma pessoa inocente no passado, também foi capaz de lhe ajudar a discernir o que era errado do que era certo, em qualquer perspectiva saudável.
Isso se repete quando o resto da cidade se depara com um dilema muito parecido com o dele e, de muitos jeitos, de pessoas doentes.
Não importa o que façamos, ou nosso passado, não importa a condição em que nos encontramos agora: as escolhas estão sempre lá, seja para nos salvar, seja para nos condenar à circunstâncias irremediáveis.
Acima de tudo, “A Missa da Meia Noite”, nos fala sobre nossa realidade.
Onde a religião, o pecado, o crime, nomes, palavras, a aparência ou a vestimenta podem ser infinitamente pequenos perto da nossa bússola interna.
E é claro: várias circunstâncias impactam essas escolhas e parecem nos conduzir com maior magnetismo para um lado ou outro.
Talvez não existam, realmente, pessoas, mas escolhas intrinsecamente más e boas.
E, a cada minuto, dias, semanas, momentos, somos presenteados com a oportunidade de fazê-las.
E então, eu te pergunto: você é uma pessoa boa?
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Não é como se eu fosse sócia-proprietária dessa sensação, mas nem por isso ela se torna menos válida: tô cansadona de certas atividades online. Instagram ganhou o Emmy Ranço dessa categoria.
WhatsApp, por outro lado, acaba sim sendo uma mão na roda pro trabalho.
Mas gera uma série de ansiedades que poderiam ser resolvidas de várias outras maneiras – como todas as que nos serviram muitíssimo bem antes de ele existir. Lembra?
Inclusive, eu já estava preparando um artigo trazendo outras opções bem mais legais. E aí, essa segundona, cai instagram, cai facebook, cai whatsapp
Resultado: todo mundo pira, né Mauricio Stycer?
Eu, por outro lado, fiquei mais Edward Snowden: achei um dia abençoado. E me senti aliviada com a declaração dele.
Sim. Muitos vão me odiar. Mas não posso negar: é assim que me sinto. É mais forte que eu. O problema não é você.
Agora, vamos combinar: independente do que você pense a respeito, essa pode ser uma boa oportunidade de avaliar como está usando seu recurso mais valioso.
Por isso preparei 6 coisas bem melhores que o WhatsApp e Instagram pra explorar seu tempo. Confere!
Aprender algo novo
Posso pensar em pelo menos dez coisas novas que podemos aprender dedicando pouco tempo por dia.
Mas, compartilhando minha experiência pessoal, confesso que estou bem feliz em ter usado o tempo (que eu ficava em scroll infinito pelas redes sociais) para aprender algo que sempre me atraiu demais: o francês.
Sim. É verdade: meu marido não me suporta mais praticando (até quando não estou efetivamente estudando).
Porém, sigo satisfeita em sentir que, se eu fosse para Paris já saberia onde e como encontrar livros, pão, vinho, queijo, café, panqueca e cerveja. Sério: quem precisa de mais?
Tenho estudado cerca de 15 minutos por dia. Completamente de graça. Via Duolingo, sim, mas com toda a seriedade que um caderninho enfeitado de ”chattes noirs” pede!
Se perder num rolê aleatório – ou não tão aleatório assim – pela vida online também pode ser ok quando a gente tá naquela preguiça.
Melhor (é sério, bem melhor) que ficar naquele rolo infinito de vida normalmente plástica.
Pessoalmente, eu recomendo a todo mundo que tenha um canivete suiço pra esse tipo de coisa. Meu perfil curioso sempre me leva para umas viagens muito aleatórias na web.
Ás vezes são boas, mas na maior parte das vezes tendem a ser enlouquecedoras. Então eu tenho esses três canais que gosto muito:
Extraoficial: Eu juro que tenho curtido acompanhar eles por apps próprios. Gamei no Feedly Classic. Literalmente, preto no branco. Experimenta, vai.
Ah! Claro, até o youtube pode ser uma opção. Como gosto muito de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal, pingo no Nós da Questão, aprendo uma receita com o Mohamad Hindi, ou vou dar umas risadas com a pureza animada e nerd do Leon no Coisa de Nerd.
Um trabalho manual
Nosso corpo foi feito para se mover. Nossas mãos para construírem coisas. Vilém Flusser, um cara cuja obra e pensamento admiro muito (ainda que polêmico) fala muito sobre essa questão.
Temos, cada vez mais, perdido nossa capacidade de usar nossas mãos para construir coisas. Qualquer coisa. Desenhar , costurar, inventar moda.
Não precisa fazer bem. É só um exercício que pode ser, digamos, criativo. Então, é até melhor que você não saiba fazer bem.
Na boa, tente experimentar algo em que o sucesso não é medido pelo resultado final, mas pelo processo. O sucesso é você parar e fazer isso, com as suas mãos. E depois, claro, você pode olhar para sua própria obra e falar:
Na boa, tente experimentar algo em que o sucesso não é medido pelo resultado final, mas pelo processo. O sucesso é você parar e fazer isso, com as suas mãos. E depois, claro, você pode olhar para sua própria obra e falar:
“Ficou uma merda. E fui eu que fiz. Massa.”
Caso você seja viciado(a) em produtividade também pode escolher algo com menor risco e maior chance de aproveitar de forma dupla o tempo. Quando preciso de algo assim, cozinhar é minha… coisa.
Descobrir outros caminhos
Acho sensacional existir um conceito próprio para designar ambientes criados para as pessoas se socializarem e estabelecerem conexões, redes, interações.
É aqui o momento onde eu deixo claro: eu não odeio internet nem rede social. Eu só me canso da plasticidade e da falta de conexão que algumas delas têm com minha forma de ver o mundo e dos meus próprios interesses.
Para mim, a maior vantagem de uma rede social sempre foi – e me esforçarei para que continue sendo – uma oportunidade incrível para estabelecer o diálogo.
Diálogo, essa coisa sensacional e rara onde as pessoas genuinamente desejam aprender e evoluir juntas a partir da captação de experiências e perspectivas.
Assim, nos últimos tempos tenho me dedicado a descobrir outras, que apresentem maior sucesso com isso. Por exemplo, eu já usava, vez ou outra o Medium e o Twitter.
Mas recentemente o LinkedIn têm sido um bálsamo para consumo de conteúdo e trocas gostosas. (além de outras duas redes que tenho brincado e pretendo trazer aqui outra hora)
Ler, simplesmente
Eu fiquei na dúvida se deveria trazer esta de forma separada já que ela tem tudo a ver com aprender algo novo, buscar outras perspectivas e descobrir outros caminhos de consumo de conteúdo.
Mas, cara! Sinceramente. Não tinha como não trazer isso aqui. A leitura sempre foi algo muito presente na minha vida e eu realmente acho que têm um Q de liberdade.
Tanto pela possibilidade clichê mas real de explorar e conhecer novas coisas sem sair do lugar, tanto pela ideia de poder acessar novos conhecimentos.
(o que fica muito claro em “A pérola que rompeu a concha” – um dos mais recentes e marcantes que li e recomendo para estômagos mais fortes que o meu!)
Não tem desculpa pra não ler. A não ser que você seja daquele tipo que diz que não gosta mas nem tenta.
Fora isso… pega emprestado, vai na estante de alguma biblioteca ou da tia. Pede pro sobrinho escolher um da escola dele. Baixa baratinho pra ler no kindle ou no celular. Opção não falta.
Aqui, mesma lógica de como tenho aprendido francês: um pouquinho todo dia já significa um avanço enorme depois de uma semana. Cada vez que eu iria pegar o celular por pura bobagem, eu lia.
Gostooooso demais! #vidememe (do Garoto da Caneca que não lembro o nome, me ajudem).
Se presentear
Eu sei que você pode achar irresistível ler isso com a voz de algum vídeo cafona motivacional (e esse papo tá, cada vez, mais pipocando por aí.. então você pode sim querer revirar os olhos).
Mas serião: qual foi a última vez que você se presenteou com tempo? Sabe? Tipo, que você ligou um som e se preocupou só em ouvir aquela música.
Que você só parou na frente da janela e observou as coisas rolando lá fora. Que você olhou pra dentro. Que você se alongou ou deu aqueeela espreguiçada ‘fora de hora’ ?
Nesse mundo maluco que a gente têm mergulhado, nada pode ser melhor que esquecer o desespero por alguns minutos e escolher a si mesmo.
Como sempre, foi devanear um pouco mas continua que você vai entender como a inspiração e as mulheres formam um bloco compacto e firme na minha vida.
Afinal: quem te inspira?
Essa foi a pergunta com que me deparei ao lembrar de preencher um diário para cinco anos que ganhei de presente de mim mesma no final de 2017 (que, inclusive, é algo que recomendo a todos, porque é uma ferramenta deliciosa de autoconhecimento e reflexão).
(ta, tudo bem que eu não respondi no dia certo e mudei desde o início algumas perguntas que não faziam sentido)
Enfim. Lá estava eu. Pensando naquilo que me inspira.
Então lembrei do workshop de Repertório Criativo que participei com dois mestres incríveis – o Diego Piovesan e o Timóteo Farias.
Em um dado momento fomos “desafiados” a definir parâmetros para nossa bagagem criativa. E um destes pilares eram pessoas que nos inspiravam.
Na ocasião, considerando o objetivo da tarefa e o viés artístico considerei escritores e pintores.
E foi legal notar que em todas as minhas fases, praticamente as mesmas coisas me inspiram: escritores, pessoas da minha vida, artistas, a natureza, o silêncio, a música, a água. Mudam-se os nomes, mas não as “coisas”.
Porém, naquele momento, de responder no caderninho, pensando mais introspectivamente sobre essa questão, percebi que ela poderia ser muito mais rica e cotidiana do que eu havia suposto: eu nem precisava ir longe, romper fronteiras, para encontrar inspiração.
Há pessoas inspiradoras muito, muito perto de nós. Se tivermos um olhar atento, fica fácil perceber.
Assim, decidi que este seria o primeiro post sobre o assunto: o que mais me inspira e me importa no mundo, as pessoas, reais, da minha vida.
Beleza.
Só que ao processar quem eram, e percebendo logo de cara que eu não conseguiria falar de todas em um único post, vieram muitas mulheres.
Portanto, estava mais que decidido. Eu já havia homenageado alguns homens inspiradores. Então olhei com gratidão para essa ideia.
Porque, por acaso e sorte, sou rodeada de grandes mulheres. De mulheres inspiradoras. De mulheres reais.
Das mulheres mais do que da minha vida, mas da vida delas. Mulheres que criaram e pertencem à própria história.
Porque temos a tendência de avaliar e interpretar tudo com base em uma perspectiva muito limitada – nosso escopo, o momento específico em que surgimos na trajetória de alguém ou de um determinado acontecimento (inclusive já falei sobre isso aqui).
Então, sei lá, tentei cuidar para não subtrair tanto.
Não posso negar que todas exerceram papéis significativos na minha jornada, muitas vezes estereotipados.
Ainda assim, eu gostaria de trazer à luz os seres-humanos por trás de todos estes “personagens”.
Afinal, ter tido a honra de vê-las exercendo determinadas “funções” em minha vida não me dá o direito de limitá-las a isto.
Então, é verdade. Continua sendo sobre inspiração, mas este se tornou um texto de agradecimento e homenagem.
As pessoas que menciono aqui merecem o mundo.
No entanto, como o mundo está um pouco longe das minhas possibilidades, espero ao menos ser justa com cada uma delas.
MILSINHA
Milsinha. Mamãe. Quem ouve alguém chamando ela assim, sem conhecê-la, está propenso(a) a logo pensar em uma senhora calejada, baixinha, de olhos bondosos e sei la, tricotando numa cadeira de balanço.
Nada contra nenhuma dessas coisas. Justiça seja feita, porém (ainda que, provavelmente, ela não goste da exposição)…
Vou precisar dizer: Milse é durona.
Na família brincam ao chamá-la “general” e, em todos os ambientes profissionais pelo qual já transitou as pessoas sempre a tratam e a respeitam como líder.
Porque ela é firme e parece sempre saber o que fazer em praticamente qualquer situação.
Pode ser mesmo até meio estranho (para os outros) o fato de alguém chamar ela de “mamãe”.
O que poucas pessoas sabem é que esta mulher, também minha mãe, é incrivelmente doce.
Muitos acreditam que a força que ela tem – ou a habilidade em demonstrar ter – vem das coisas difíceis que já precisou viver.
Sim: minha mãe viveu coisas muito difíceis que, só de imaginá-la vivendo, penso em como ela conseguiu – e em como eu gostaria de já existir e ser adulta para ajudá-la.
E é claro, embora algumas derivaram de escolhas, outras ninguém pôde prever ou controlar – que são justamente o grupo de coisas que nos põem a prova e testam nossa resiliência.
Tudo foi muito precoce: o desmembramento e mudança de padrão de vida da família, o início da vida adulta – quando ela se mudou aos 16 anos, sozinha, buscando um futuro melhor e sobrevivendo em uma cidade completamente diferente – ou a dor de perder um dos irmãos são só alguns exemplos claros do potencial sobrevivente dela.
Não vou detalhar muito porque não quero quebrar o encanto de descobrir as verdades por detrás dos mistérios que ela guarda tão bem e só vai dosando a quem deseja.
Só posso dizer que ela superou tudo e saiu de cada desafio uma pessoa ainda mais preparada. Como um gato, ela parece cair sempre em pé. Então é natural a crença de que é dai que vem tudo que ela mostra ser.
Mas, para mim, não é.
Quando digo que ela supera tudo, não é porque ela não leva as próprias feridas bem guardadinhas.
É porque ela é capaz de continuar, mesmo depois delas, mesmo com elas. O que nos leva ao mesmo ponto:
Para mim, a força da minha dessa mulher impressionante vem da sensibilidade que ela tem em enxergar a beleza do mundo, em olhar através das coisas, e não só por meio delas.
Em viver apesar dos obstáculos e dos acontecimentos ruins. Minha mãe (em algum momento me senti no direito de encher a boca para falar) sempre consegue fazer isso.
Ela enxerga com delicadeza o que existe depois das coisas, o que existe por baixo de tudo. O que existe no final de todas as camadas. Mesmo depois de viver o que é ruim e feio, ela planta flores e concentra-se nelas até que se crie o novo, o próspero, o melhor.
Ela pode até ser caos. Mas também é ordem. Eu não sei se ela sabe disso. Acho que, até esse momento nem eu tinha percebido ainda…que essa é a melhor forma com que ela me inspira.O que significa que existem muitas, muitas outras. Por exemplo: lições importantes sobre como definir as prioridades e fazer bem feito tudo que tiver que fazer.
Ainda assim, não são exatamente por essas razões que ela me inspira.
A Milse, que sim, entre várias outras coisas, também é minha mãe, me faz pensar no tipo de mulher que quero ser – não só no tipo de “mãe”, se um dia eu me tornar uma.
O tipo de mulher que se vira e sempre sabe o que fazer, que não se rebaixa – porém sabe, com inigualável elegância, se submeter aos caprichos da vida.
Que tem habilidade em criar estratégias e resoluções sem deixar de ser incrivelmente amorosa, perceptiva e disponível para quem precisa, na hora certa.
Ela me faz tocar o infinito das probabilidades e das escolhas. Visualizar o que ainda está distante, mas não é inalcançável.
Se você tiver a sorte de estar ao lado dela em uma batalha, saiba que tem as melhores chances de sobreviver: porque ela não se deixa abalar nem para no meio do caminho enquanto as bombas estão sendo lançadas.
Ela dá um jeito. Chorando. Sofrendo. Com dor.
E nesse movimento arrasta, quem precisar, junto com ela, pra longe do perigo.
Pergunte a qualquer um que a conhece e você saberá: uns são caos, uns são ordem, uns são cais. Ela? É água.
A SENHORA ANTONIETA
Antonieta é uma das mulheres mais imponentes aqui. Porque ela não é uma raiz de inspiração. Ela é a própria árvore.
E foi tão difícil dar uma imagem ao tópico, que escolhi uma foto dela mesmo.
Veja: se você procurar por “matriarca”, por exemplo, encontrará talvez a foto de uma senhora frágil e idosa – ou de uma elefante já ferida pelo tempo.
E não é assim que eu a enxergo – embora, obviamente, ela tenha feridas do tempo e seja já frágil e idosa.
Por outro lado, se procuro por “power woman”, me deparo com mulheres de salto fino, maquiadas, cabelos esvoaçantes e talvez até vestidas para encarar o mundo corporativo.
Tentando abrasileirar e buscando por “mulheres fortes” uma infinidade de imagens-citação começam a se apresentar.
Ta, vamos parar de revelar meu perfil, ás vezes vergonhoso, de busca com base nos resultados.
Mas não. Nada disso se encaixa e representa.
Dona Antonieta é a própria Senhora do Destino. Foi o mais perto que encontrei.
Uma mulher, saindo sozinha das suas raízes, de tudo que ela conhecia e sabia como certo, para mudar o rumo não só da sua própria história como daqueles que viriam.
Então, imaginei que não faria muito sentido usar a foto da Suzana Vieira com as criancinhas: minha avó tinha ainda mais criancinhas e uma imagem para lá de real.
Como antes, opto por chamá-la pelo nome porque preciso que vocês entendam: essa mulher não é simplesmente minha avó.
Sim: guardo lembranças deliciosas de suas brincadeiras, gargalhadas e sua presença sempre marcante e amorosa.
Mas tive com ela menos contato ao longo da vida do que gostaria, nos seus anos mais saudáveis.
As características, porém, ela manteve, apesar do tempo: com seus quase 90 anos, é revigorante vê-la contar com precisão detalhada os retalhos essenciais da sua trajetória.
Então, olhando-a como personalidade, admiro cada pedaço da história que teve que viver.
Além do mais, achei muito justo mesmo falar da mãe da minha mãe (não resisto, tipo: ei, ta vendo aquela pessoa foda ali? é minha mãe/vó).
Adendo: Devo dizer que a mãe do meu pai também mereça estar aqui, mas eu, infelizmente, não conheço muito da história dela ainda. De quem ela era e do que viveu antes de ser mãe do meu pai ou minha vó. E acho injusto resumi-la assim, somente do papel de minha avó.
Talvez, sobre a Senhora Antonieta, não exista nada muito exclusivo. Nada que tantas outras senhoras não passsaram.
Mas isso não tira o mérito de quem ela se tornou.
Nascida em uma família abastada num canto de Minas Gerais, tinha pais e avós donos de uma propriedade digna da extensão territorial de uma pequena cidade.
Ali ela viveu grande parte da “primeira vida”. Vale dizer que, ao contrário de muitas crianças da época, em comparação contextual, ela tinha um relacionamento afetuoso com os pais.
E, vez ou outra ela, irmãos, primos e amigos iam até “a cidade” onde aconteciam quermesses e coisas desse tipo.
Foi lá onde ela conheceu o Célio com quem, alguns meses depois se casou, em uma igreja católica (como “bons católicos” que eram de ambas “boas famílias”) quando ela tinha cerca de 17 anos.
Pouco tempo depois, porém, em um acidente terrível, ela veio a perder o pai – homem pelo qual ela tinha muito apreço e que, mesmo depois de casada, impunha-se como uma figura presente.
Foi um episódio pesado e horrível para todos e ela diz, com olhos brilhantes e marejados, lembrar-se se cada minuto que transcorreu naquele período.
Dando um avançar aqui na história…Depois de algumas provações e do fato de quase ter perdido uma filha optou por doutrinar sua fé sob outra perspectiva religiosa.
O marido “não aprovou” e ela suportou anos de perseguição e abusos de poder dentro daquilo que ela deveria poder chamar de lar, mas que deu lugar a proibições, agressividade e traições das quais ela nunca esqueceu.
Poderia-se até dizer que ele não era de todo o ruim. Tinha seus próprios demônios e fez o melhor que pode. Mas isso, definitivamente, foi longe de ser, pelo menos, suficiente.
Eu gostaria que ela não tivesse que ter passado por tudo isso.
Que ninguém passasse por nem um pouco disso. Todos deveriam poder fazer suas próprias escolhas, sem obstáculos. Mas o mundo, ás vezes, é mais cruel que isso.
E foi como ela lidou com tudo que mudou todo o curso da história de quem veio depois dela.
Porque poderíamos ser uma família espelho de outras famílias: onde um homem manda e as mulheres obedecem. Onde crianças e mulheres esperam um homem chegar, um homem sentar, um homem comer…para então comerem, viverem, sorrirem – se for dada a “liberdade” para isso.
Onde as manias estranhas de um homem, e seu relógio, cotidiano e biológico, determinam todos os rumos e todas as coisas e, sobretudo, das mulheres ao seu redor.
Mas quando aquela realidade se tornou dolorosa demais, esta mulher a quem tenho a honra de ter como avó materna, decidiu dar um basta e entendeu que aquele casamento já havia deixado, faz tempo, seus propósitos de lado.
O Sr. Célio, por sua vez, se resignou em se afastar não só da esposa a quem jurou amar e proteger em quaisquer condições, mas também dos oito filhos – passando a ostentar uma vida que, perto da “primeira família” era quase de luxo, junto à nova mulher e suas filhas.
Não tenho intenção de manchar sua memória, mas estamos falando aqui da mulher mais importante da família – e nenhum filho, sobrinho ou primo irá negar a mesma versão da história.
Já, “Dona” Antonieta, passou a trabalhar em triplo para dar conta de…tudo.
Com os filhos, mudou de endereço, de casa, de padrão de vida – só não mudou a fé.
Precisou e teve sabedoria e humildade para aceitar a ajuda de familiares – sem absolutamente nunca deixar de ser mãe.
Educou todos os filhos como acreditava ser a melhor maneira e a nenhum deles faltou estudo, roupas, comida, cuidado, proteção e apoio – mas não pôde dar-se ao luxo de comerciais de margarina.
Aos homens da família, que até hoje preservam indestrutível respeito, admiração e reverência, doutrinou o mínimo, que escapa a tantas casas “modernas”: respeitarem as mulheres.
Às mulheres, do melhor jeito que pôde, ensinou a se amarem e se respeitarem acima de tudo.
E é assim até hoje: basta que ela saiba que alguma mulher da família começou a namorar, que cria o momento para chamá-la de canto e fazer a pergunta primordial.
“Ele te trata bem? Ele é bonzinho com você e com os outros? Tem que ser, viu?! Se não for, você me conta que vou dar uma surra nele.”
E não pára aí. Secretamente ela também chama os proponentes para dar um aviso do tipo o-óbvio-precisa-ser-dito:
“Você cuida bem da minha neta/bisneta, viu?! Trata bem ela, hein?!”
Se, por outro lado, algum homem da família apresenta ou menciona a presença de uma nova pessoa em sua vida, ela é resoluta em dar um suave puxão de orelha antes mesmo de qualquer postura inadequada.
As palavras mudam, mas o recado se preserva igual: respeite-a sempre!
No mundo dela, não existiram casais que não fossem homens e mulheres.
Mas eu não tenho a menor dúvida de que, se precisasse, ela “daria uma surra” em qualquer pessoa que não estivesse disposta ao mínimo: tratar bem suas mulheres, como ela deveria ter sido tratada pelo único homem com quem casou.
Isso pode parecer natural e evidente para muitas de nós, hoje (náo tanto quanto gostaríamos).
Pode ser possível (para não dizer urgente) a todas as mulheres. Principalmente solteiras, de classe média, sem filhos ou enormes responsabilidades – exceto aquelas que impomos a nós mesmas.
Mas minha avó está prestes a completar nove décadas. Eu não imagino o quanto isso custou para ela no interior do Brasil de 1974, com oito filhos para criar e muito mais gente que hoje para julgar: ela não buscava destaque; frases de efeito; ideologias.
Não desmereço nada disso, mas o fato de ela simplesmente saber e sentir tem seu mérito: ela não queria provar nada para ninguém, ela só queria ter uma vida minimamente digna.
Ninguém nunca lhe ensinou claramente. Ela nunca leu nada a respeito. Nunca fez uma faculdade. Tinha como livro de cabeceira a bíblia.
Se ela tivesse perguntado às mulheres que conhecia o que deveria fazer, quantas delas teriam lhe dito, naquela época: “Força Antonieta. Dê um basta nisso. Defenda aquilo que acredita e não permita que ninguém fique no seu caminho. Você não precisa disso.”?
Talvez eu não esteja sendo totalmente clara, mas o que quero dizer é que a realidade é quase sempre sem bússola e mapas.
É preciso ter uma imensidão dentro de si para dar grandes passos.
Ela me inspira porque me mostra que só nós podemos tomar nossas decisões, sejam grandes ou pequenas: esta é uma propriedade de direito individual.
Decisões que os outros nem sempre vão entender, aceitar ou apoiar. Decisões incomuns.
Decisões cujos louros não se espera. Mas cujos resultados nos basta confiar que serão os melhores, um dia.
E para isso, é sempre bom tentar ouvir mais as vozes que, com o som do mundo e dos outros ignoramos, independentemente das suas crenças: do instinto, do coração, de Deus.
Ela me inspira porque me lembra que, ás vezes, aquilo que acreditamos e repassamos pode ser decisivo na história de alguém. Foi na minha. Na da minha mãe e, tenho certeza, em todas as pessoas da nossa família.
Obrigada, Senhora Antonieta do Destino. Você é a melhor inspiração feminina que eu poderia ter. Nenhum discurso, nenhum livro, nenhum textão de facebook, nenhuma citação, foto ousada ou série de TV vai ser melhor do que você para me ensinar o mais importante.
Tomar as próprias decisões, sobretudo as ousadas, é um ato de coragem. Sendo mulher, quase nunca será fácil, raramente haverá apoio. Mas será sempre possível.
A MARILDA
A Marilda não entrou na minha vida. Ela sempre fez parte dela.
Foi o primeiro grande presente que eu ganhei, antes mesmo de nascer.
E, na minha infância, habilmente alternava entre os papéis de vilã e heroína como, provavelmente, toda boa irmã mais velha.
Capaz de enfrentar até o durão do meu pai, essa paranaense baixinha, brava e generosa, merece ser musa inspiradora sim, Senhora!
Dona do silêncio mais imponente e ensurdecedor – e dos seus próprios mistérios – não há ninguém que resista ou não deseje sua presença leal e autêntica.
A Marilda é de poucas palavras, gargalhadas contagiantes e coração enorme.
E ela é de verdade. Quando ela chora, nenhum choro comove tanto. Quando ela ri, o mundo inteiro ri com ela. Quando ela está brava, sem emitir um único som, ela é capaz de esmagar até as paredes.
Se você tem a sorte de ganhar um abraço da Marilda ou de vê-la lacrimejar, você sabe do que ela é capaz de fazer por aqueles que ela decidiu amar.
É assim que ela me inspira:me mostrando aimportância de fazer tudoque está ao nosso alcancepor aqueles que sãoimportantes para nós, poraqueles que amamos.
Se tem alguém que me lembra um leão enfurecido defendendo algo importante, esse alguém é a Marilda.
Não a provoque. Não ouse ofender os seus. Você entenderia o que quero dizer.
A fúria dela em defender aquelas poucas coisas e pessoas das quais ela não abre mão…é inspiradora.
Ela me inspira me mostrando todo dia que, por este pouco e seleto, pelo qual estamos dispostos a lutar, vale até sair ferido, vale qualquer consequência, qualquer desafio.
De que, defender este pouco e seleto que escolhemos preservar, ainda que esteja na mão de outras pessoas, poderia também estar na mão de ninguém: afinal estará, primordialmente, nas suas.
Pode ter um batalhão ao seu lado, defendendo as mesmas coisas, mas ela, sozinha, encararia a guerra e daria a vida por aquilo.
Ela sabe o momento de calar. E o momento de agir. Porque escolhe bem suas batalhas. E tem uma ferocidade que eu nunca vi, mas que vêm do amor. É impossível não se sentir inspirado(a) por isso.
A LAIZ
Caçula de uma família de três irmãs e um pai babão a Laiz cresceu graciosa como uma princesa moleca de olhos azuis.
Quando criança, despertava sorrisos por onde passava. Impossível dizer não.
Mas não queira estar numa luta contra ela, que é capaz de ameaçar a própria irmã duas vezes seu tamanho com uma tesoura e de se manter firme e forte nos piores momentos.
Essa é a Laiz. Uma pessoa que não se faz de rogada e não se permite ser definida.
Definir a Laiz é como pedir que ela mostre um novo lado: totalmente dela, mas totalmente desconhecido.
É pedir para perceber que a vida é um segredo a ser descoberto, explorado.
Ela pode até não saber, mas dentro dela existe sempre uma peça guardada capaz de mudar o próprio jogo.
Se ela não tá feliz com alguma coisa, o mundo inteiro nota.
E não importa o que o mundo inteiro diga: só ela sabe que cara, que carga, que carta jogar – e a hora certa de fazê-lo.
Quando ela joga, tudo muda. E pessoas que não a conhecem tanto, ficam: “Nossa, quem diria…a ‘Laizinha’, hein?!”.
Se enganam muito. A Laizinha pode ainda não ter chegado a todas as pecinhas secretas, que protege nela mesma, acerca de algumas coisas práticas da vida (ainda). Mas ela sabe se virar sozinha.
Ao contrário do que muitos podem imaginar, ela não é do tipo que senta na calçada quando começa a chover, nem do tipo que se entrega ao tentador e romântico personagem alisando as gotas pela janela.
Embora pense bastante antes, ela é do tipo que atravessa a chuva. E leva todo mundo junto.
Ela não é nenhum anjo. Ela não é princesa. Ela não é criança. Ela pode precisar de um tempo.
Mas quando decide assumir as rédes da situação, sai de baixo.
A Laiz me inspira, definitivamente, pela sua capacidade de auto-superação.
Ela tem uma habilidade incrível de, de repente, pelas razões certas, na hora certa, simplesmente dizer não para suas próprias crenças e verdades.
A capacidade de, embora com medo da tempestade, se lançar para fora no meio do temporal.
Por que?!
Porque ela simplesmente pode.
E é claro que isso é inspirador. Porque você pensa:
“Ei! Eu também posso, não é?! Não é porque acreditei durante tanto tempo nisso, que isso é verdade, que agora sou refém disso. Acho que…Acho que…talvez…
eu-também-posso.“
MARIA ANGÉLICA
Vou ser diretona ao ponto.
A “Maeca” me inspira por sua incrível e infindável capacidade de amar os outros.
De descobrir novos espaços no seu coração para acomodar mais um – como quem encontra lugar no sofá ou na mesa para alguém (o que ela faz constantemente, porque todo mundo quer estar perto dela).
Eu sei, eu sei. Parece que estou objetificando o papel dela na minha vida, se resumi-la a “Tia Maeca”.
Que o que penso ou sinto sobre ela é apenas a visão de uma sobrinha de olhar limitado.
Mas se você conhecesse ela, você entenderia que “Tia Maeca”, “Maeca” ou “Maria Angélica” tem a mesma característica marcante, não importa o contexto e as pessoas envolvidos.
Meu-Deus. Como essa mulher ama. “Apesar de”, “mesmo com”. Poucos são os limites do seu “coração” para amar.
Na verdade, é difícil dizer se ela inspira pela capacidade de amar, pela humildade ou se ambos não se tratam da mesma coisa.
Essa mulher, que passou por coisas não-ditas, que viu e viveu tanto que não gostaria e não merecia, ainda assim, foi capaz de resistir em sua profunda humildade e amor.
Ela poderia ter se rendido. Se rendido ao rancor ou à mesquinharia. Ou poderia…sabe? Ter se fechado. Ter se tornado uma pessoa inalcançável. Mas não.
No seu íntimo, num lugar e num momento que talvez nem ela tenha se dado conta, ela escolheu amar.
Estar na vida dela é como o cheiro do café recém preparado. Como chegar em casa.
Como achar um lugar quente e confortável para…ficar. Como quando estamos com muita fome e ganhamos um prato de minestra deliciosamente fumegante e perfumada.
Quando nos sentimos horríveis por alguma razão e encontramos tudo que não fomos generosos o suficiente conosco para dizer.
É achar uma porta sempre aberta que nos faz sentir bem.
Portanto, ela me inspira porque me lembra, todos os dias, que ser humilde e amar é sempre uma boa escolha.
Amar de verdade as pessoas, com toda a humildade que isso exige, com toda a entrega que isso exige.
Podem dizer que amar assim é um convite aos que alimentam más intenções. Talvez seja.
Amar assim carrega seus próprios riscos. Riscos que quem é Tia Maeca escolhe carregar.
Porque quem ama asssim não espera algo em troca. Quem ama assim não ama para ganhar algo – se não, não seria amar.
Então, é isso.
Essa mulher, que no silêncio, numa ingenuidade adulta e realista, nos sorrisos gentis, e no olhar duro – que ás vezes distribui sem dó e deixa todo mundo nervoso – me inspira amando, impecavelmente, cada um que cruza seu caminho e se mostra pelo menos um pouquinho disposto a ser amado(a).
PRÁTICA
Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.
É inevitável que a prática de hoje seja essa. Porque adulamos tantos desconhecidos. Fazemos propaganda daquilo que nos inspira. Enquanto, quase sempre, ao nosso redor, fervilha inspiração. Você pode não ter muitas mulheres inspiradoras na sua vida. Mas, se olhar atentamente, encontrará muitas pessoas que te inspiram em algum sentido. Por que, então, não avaliar melhor isso? E, melhor: que tal fazê-las saber? Faça-as saber sempre, o máximo que puder.
Nada como começar do começo. E final de ano é sempre um incentivo à maioria das pessoas, porque os finais tendem a trazer, junto à vergonha e culpa constantes dos últimos trezentos dias, uma autocrença e determinação instantânea (que aparentemente tiram férias no resto do ano).
As resoluções de final de ano são, por isso mesmo, o clichê que protagoniza piadas e artigos como estes – principalmente entre 20 e 31 de dezembro de qualquer ano. E eu não tenho absolutamente nada contra elas.
Para ser bem honesta, eu e as listas somos íntimas há anos e, seguindo com a verdade, não tenho a menor pretensão de abandoná-las tão cedo.
Portanto, saiba que não quero também mexer nas suas. Mas tenho aprendido que existe, nessa obstinação toda, coisas que costumamos ignorar.
Como já contei aqui ou aqui houve um período em que eu acreditava que coisas como alta performance, produtividade, desempenho, disciplina, comprometimento e total entrega ao trabalho eram, não somente o único caminho do sucesso, como o único caminho para uma vidaminimamente decente.
Sente-se, vou servir uma caneca de ansiedade e um pratinho de angústia
Assim, durante um tempo eu vivia entre a corda bamba da vergonha e do empenho.
Me cobrava o tempo todo e me punia com rigor todas as vezes que eu não cumpria minhas próprias (altíssimas) expectativas.
Isso era bem ruim. Embora o maior problema fosse eu nunca ter reparado a estrutura que constituía aqueles tempos – que, de um modo ou de outro, começaram ali pela sexta ou sétima série e não me abandonaram até um bocado depois do término da faculdade (se é que se vão completamente).
Digo “de um modo ou de outro” porque esse padrão de comportamento assumiu várias facetas.
Uma das primeiras que recordo brotou quando o período escolar começou a complicar e eu não aprendia de forma alguma como fazer uma simples divisão.
Meus pais tentaram de todas as maneiras e, mesmo quando passei a fazer os exercícios sozinha eu não entendia como aquilo funcionava realmente.
Em matemática sempre fui péssima e, pelo menos durante todo o ensino fundamental, me culpei por isso. Porque sempre tive excelentes professores desta disciplina que, hoje, acho fantástica.
Além disso, eu tinha aulas particulares, ia aos plantões do colégio e alguns amigos e colegas sempre se mostraram dispostos a me ensinar – além, é claro, dos meus próprios pais e da minha irmã mais velha.
Então, empenhava intensas vias sacras e, depois de tudo eu acreditava que recuperaria a nota.
Fazia as provas certa de que desta vez eu havia superado e ia começar a ascender com os números e fórmulas. Então, eu as recebia de volta com uma pontuação horrível.
Foi difícil fazer com que os outros acreditassem que sim, eu estava me esforçando, eu estava estudando e fazendo as atividades; que sim, eu estava prestando atenção e me dedicando nas aulas particulares.
E depois de um tempo, tornou-se ainda mais difícil: eu simplesmente deixei de fazer aquilo tudo. Afinal, se eu havia me esforçado durante mais de dois anos inteiros sem nenhum resultado, o cinismo parecia a melhor opção e eu comecei a fingir que não me importava.
Nessa época minhas notas – em todas as disciplinas – caíram absurdamente. Eu matava aulas, desrespeitava regras, não cumpria com nenhum acordo nem me dedicava a nada considerado produtivo.
Gastava minhas horas lendo escondida. Escrevendo. Pensando na vida. Andando por aí. Flertando – com pessoas e novas atividades – em uma competição pelo vazio (e, por que não dizer, até roubando um pouco do armário de bebida dos meus pais).
Segui me sentindo profundamente inútil. Eu desejava mudar, mas a culpa, a vergonha e a sensação de que eu não era capaz me prostravam.
Embora algumas pessoas possam dizer – como na época já diziam – que estas eram desculpas para a preguiça, outras que se sentiam e se sentem como eu sabem do que estou falando.
Até que, depois de algumas tentativas comecei a colher boas coisas. Encontrei coisas com que eu me dava bem e que eram, de modo geral, aprovadas, e me dediquei a elas com afinco.
Adoeci algumas vezes e só “mais velha” compreendi que a origem era muito mais profunda. Em resumo, as etapas foram mais ou menos assim:
Ilusão eu achava que era incrível e invencível;
Compreensão …descobri que não era bem assim e tentei avançar;
Desilusão mas coisas boas exigem uma constante de sacrifícios e dores com as quais não lidei bem; Cinismo então escolhi desistir delas e esconder minha frustração comigo mesma sendo uma imbecil;
Inanição quando cansei, finalmente deixei que culpa e a vergonha me consumissem a ponto de me prostrarem; Falsa gratificação e entrega total comecei a descobrir coisas com as quais, após me empenhar, eu obtinha algum sucesso e entregar toda minha energia a elas; Adoecimento e caos tudo virou uma bagunça quando eu descobri que nada daquilo poderia realmente estar certo se vinha me fazendo tão mal.
Foi depois da sétima etapa ou, como costuma acontecer, depois do caos, que decidi entender um pouco melhor como eu funcionava e novas formas de operar, sem morrer cedo demais ou ter uma existência miserável dedicada exclusivamente ao nobre grupo de “coisas importantes”.
Então li, conversei, descobri novas metodologias e ferramentas – e, desde então, assumi um permanente estado de teste e aprendizado que têm sido riquíssimo. Por isso, achei justo compartilhar algumas das lições mais relevantes.
Eu as separei, organizei e ordenei e pude ver claramente como cada uma deles foi transformadora para mim, mas é inevitável destacar que elas trabalham melhor juntas. Espero que você aproveite!
O método não importa
Fazer é o mais importante
Todo recurso é administrável
Significação e autoconhecimento
Procrastinação e perspectiva
O equilíbrio não existe
Falhar é do processo
A única chance
1. O método não importa
Não importa se você usa GTD, Bullet Journal, um bloco comercial que ganhou numa feira, aquele aplicativo revolucionário ou um guardanapo.
O método simplesmente não vai resolver se você não resolver antes algumas coisas na sua cabeça. E essa é, com certeza, a parte mais difícil.
Recomendo fortemente parar de gastar tempo com métodos e coisas complexas.
Ler um livro inteiro sobre algum novo método aprovado por celebridades e grandes nomes do empreendedorismo pode sim te trazer uma porção de insights poderosos.
Mas não será útil se você não estiver pronto(a) para entender que não é o fator determinante do seu sucesso numa nova e estupenda ideia de vida plena.
2. Simplesmente fazer é mais importante que planejar
O famoso 80/20 é determinante aqui. Eu achava que se planejasse tudo com argúcia e cuidado aos detalhes, as coisas se realizariam perfeitamente.
Eu não chegava a considerar que uma ação era composta de 100% de esforços e realmente acreditava que poderia planejar o máximo possível e realizar o máximo possível. E estava, provavelmente, apenas gastando minha cota de 100% com planejamento.
No fim, restavam apenas aqueles míseros 20%, temperados com um punhado de dúvidas, novas inseguranças e possibilidades.
Tenho tentado pensar menos e fazer mais e os resultados estão sendo menos desastrosos do que eu supunha: porque do chão não se passa e uma coisa louca é só uma coisa depois que você faz.
Isso não significa que estou defendendo a impulsividade. Ainda acho que o raciocínio deve ser usado com parcimônia, preferencialmente em situações de baixo risco. Mas para alguém que pensava demais considero um avanço maravilhoso.
Essa postura me tirou um pouco a pressão de obter resultados perfeitos – agora estou entendendo que chegar constantemente a algum resultado é uma ótima maneira de alcançar algo mais próximo ao que chamam de “perfeição”.
— Chegar constantemente a algum resultado é uma maneira interessante de alcançar algo mais próximo do que chamam de perfeição.
Então…este blog não está perfeito, minha dedicação a ele não está perfeita, mas sempre que dedico alguma energia a ele, ela é distribuída mais para a ação do que para o planejamento, e isso é libertador.
Ah! E, na mesma lógica, não faz sentido gastar uma eternidade com planners e ferramentas de papelaria ou tecnologia incríveis, bonitas, “instagráveis”, coloridas.
Você não tem obrigação de “competir” com blogueiras e influenceres do mundo dos “bujos” ou concurseiros. Fica de boa: a personal organizer que você segue não vai descobrir se você não seguir à risca o que foi proposto.
Aliás, mesmo que você fosse descoberto(a), boas referências sobre o assunto, como a Ana, do EuOrganizado, além de darem ótimas dicas são extremamente coerentes e reconhecem que nada é definitivo e aplicável a todos.
Porque medidas radicais raramente combinam com longo prazo. E tempo, energia e força de vontade são coisas preciosas demais para gastarmos com essa versão adulta e covarde de devanear com sonhos de uma existência perfeita.
3. Todos os recursos são administráveis
Quando se fala em “recursos” normalmente pensamos em algo monetário, talvez por ser uma representação tangível de algo que sabemos que precisamos gerenciar.
Mas quando pensamos no que importa podemos determinar várias outras categorias de recursos indispensáveis.
Por exemplo: nossa saúde; dinheiro; nossa rede de apoio; tempo; nossas fontes de conhecimento e inspiração; nossa energia; nossa disciplina e comprometimento (ou nossa força de vontade); nossas horas de recarga e descanso; nossa paciência e calma, nosso pensamento estratégico, nossa empatia, nossa capacidade de dizer “não” e barganhar…
Todos estes são recursos, que podemos ou não precisar para alcançar objetivos que determinamos como significativos e relevantes.
Um exemplo claro foi um dia em que eu estava cheia de coisas que precisavam ser realizadas naquele tempo chamado “logo” ou “quanto antes”, apelidado carinhosamente também de “pra ontem”.
Meu marido me perguntou como aquela lista tinha crescido tanto e rapidamente.
Eu lhe disse que não queria dizer “não” quando me pediam, pois queria mostrar que dava conta de tudo. Mas que ele não entenderia, porque sempre dava conta de tudo.
Então ele me informou delicadamente quão equivocada eu estava.
O ponto não é que ele dava conta de tudo. Embora ele tivesse conhecimento das pendências, era justo consigo mesmo e com os outros, deixando claro o que poderia ou não concluir dentro dos prazos estipulados..
Parecia fácil, com ele falando. Mas argumentei que, ás vezes, prazos e entregas de tarefas eram inegociáveis e apenas “tinham de ser”. E que me sentia culpada e com raiva de mim quando não era capaz. A resposta, parafraseada, veio como um tiro:
“Não existe isso. Eu sou um só e o tempo é limitado. Então, tem coisas que eu posso fazer e tem coisas que eu não posso. Eu deixo isso claro e, se preciso, peço que priorizem o que é mais importante. Se me dizem que tudo é importante, vou eu mesmo escolher o que acredito ser mais viável.”
Depois dessa conversa apreendi o óbvio:
— Se nem você conhece e administra bem seus próprios recursos e não é capaz de negociar e dizer não a si, não espere que os outros o farão.
Portanto, tomar ciência dos recursos envolvidos nas tarefas que você precisa executar, e acompanhar como eles vêm sendo empregados, pode fazer uma baita diferença nos resultados que você busca.
4. Preocupe-se com significação e autoconhecimento
Olha só, tenho uma coisa pra te falar…você não é um hamster numa roda meercenária de laboratório nem precisa protagonizar Charlie Chaplin à la Tempos Modernos.
Isso significa que você já tem autorização para pensar, ao invés de fazer por fazer. Mas depois de tantos milênios ainda parece uma honra.
Então vamos lá: que ser produtivo sem significado normalmente não é edificador. Quero dizer que, antes de criar listas, você deveria fazer perguntas:
O que é produtividade para você? O que realmente importa? Quais são suas prioridades?
Por queestas são suas prioridades? Por que você deseja ser produtivo(a)? Por que faz listas, usa aplicativos e outras ferramentas, porque busca ter um alto desempenho?
Qual o significado de tudo isso? Onde está a raiz da sua preocupação e dos seus objetivos? Que objetivos e preocupações são esses, de onde vêm? São seus ou de outras pessoas? São verdadeiros?
No final, que resultados você espera? Como você se vê convivendo e vivendo estes resultados? Todas essas coisas convergem ou são mera fantasia?
Entenda o que é realmente importante, e dê significado a isso.
Quando você descobre estas respostas, fica mais fácil designar os caminhos pelos quais poderá exercê-las.
Você pode otimizar melhor seus recursos ao evitar contextos onde sua força de vontade (esse tópico mereceria um artigo inteiro, mas se quiser adiantar-se recomendo a leitura do livro “A única coisa”) será exigida para realizar aquilo com que não concorda ou não entende como importantes.
Por exemplo: se você gosta de ajudar pessoas em estado de vulnerabilidade sócio-econômica e esta é uma vertical indispensável na sua vida, trabalhar em uma empresa sem este valor pode te desgastar bastante.
Enquanto trabalhar rodeado de quem se preocupa com as mesmas coisas (e busca caminhos para realizá-las) te deixa mais próximo do seu objetivo, mesmo que você seja marceneiro e trabalhe em um estúdio fotográfico.
Ou seja, se seu objetivo é ajudar as pessoas, podem existir diferentes maneiras de fazer isso, sem comprometer muito seu estoque de recursos.
5. O ato de procrastinar não é inimigo e perspectiva ajuda muito
Cada um tem os próprios gatilhos para procrastinar e o seu jeito preferido de fazer isso.
E a pobre procrastinação acaba caindo na vala comum do desprezo: mas procrastinar ou não é uma escolha de cada um, e numa sentença a culpa quase sempre é do sujeito.
Ainda assim, desejamos evitar o verbo. Porque normalmente, quando retornamos dessas (quase sempre não merecidas) férias, sentimos (de novo:) uma profunda culpa e vergonha.
Mas, depois de pararmos para avaliar os porquês e como evitá-los, ainda nos resta considerar o que rolou no período de procrastinação.
Às vezes, é apenas o ócio criativo entrando em ação e isso ajudará a entender como seu modus operandis pode funcionar de forma mais fluída e gerar resultados melhores.
Mas olha só, nada de tentar se convencer de que aquelas longas horas que você passa “rolando” em alguma rede social, “atualizando” grupos de conversa ou de entorpecendo de nada são o exemplo perfeito do que to querendo dizer, ta bem?
Ás vezes, é verdade, procrastinamos por procrastinar. Porque estamos com preguiça, cansados, aborrecidos ou rebeldes. Ok, ok. Tudo bem. Faz parte. Depois a gente se acerta com o destino e com as consequências.
Mas, algumas vezes, a forma com que fugimos de algo que decidimos não querer fazer pode revelar muito.
Eu, por exemplo, gostava de desenhar, refletir, ler e escrever – para não estudar.
Primeiro porque eu havia concebido que estudar era algo detestável em que se juntava livros, lia-se muito, sentia-se sono, seguia-se o protocolo do que iria cair nas provas e não seria possível fazê-lo de outra maneira que não aquela.
Ou seja, era algo que eu devia evitar a todo custo…estudando. A perspectiva que eu tinha do ato de estudar era horrorosa.
É como a passagem criada por Mark Twain, do lendário Tom Sawyer – mencionado por Mihaly Csikszentmihalyi e Daniel Pink neste livro (que também recomendo muito).
Ali pelo capítulo II das Aventuras de Tom Sawyer, o garoto é incubido de pintar toda a cerca da casa e tenta jogar o trabalho para outra pessoa, liberando-se assim para as atividades divertidas que deseja executar naquele dia ensolarado.
Sem sucesso ele têm uma ideia brilhante e passa a fazer a coisa com afinco e deleite quase artísticos transformando, aos olhos de quem passa, aquela tarefa maravilhosamente atrativa e irrecusável.
Dispensando a lógica malandra da cena e desconsiderando o fato de que era puro fingimento, não é tão difícil imaginar em como podemos usar isso no cotidiano.
Se quisermos, podemos nos convencer dos benefícios que uma determinada função pode nos trazer.
Eu achava que “estudar” era algo chato que eu deveria fazer de um jeito chato para agradar aos adultos chatos e fazê-los parar de me chatear com coisas chatas da vida chata que queriam que eu levasse quando havia um mundo de coisas legais a espera de serem vividas.
Desde o início eu poderia ter facilitado muito minha vida se mudasse minha perspectiva sobre como aprender a estudar, gostar de estudar e estudar direito traria benefícios a mim, e somente a mim. Que tola.
Por fim, depois, descobri que ler e escrever resumos poderia ser uma ótima maneira de estudar. Que refletir me ajudava a planejar apresentações melhores e defesas argumentativas relevantes.
E que desenhar era uma maneira fundamental de finalmente compreender a lógica por trás das fórmulas matemáticas que tentavam me ensinar.
A mesma coisa aconteceu com meu sobrinho, quando passei a ajudá-lo nas disciplinas que tinha dificuldade.
Ele sempre foi agitado e imaginativo. Quando tentava estudar pegávamos ele olhando para o nada, brincando com os lápis, livros e borrachas: procrastinando.
Mas e se, em algum lugar de sua mente, o modo como ele fugia daquilo que considerava execrável fosse exatamente a maneira pela qual poderíamos transformar aquilo em algo melhor?
Portanto, quando passamos a usar objetos próximos da mesa de estudos, interpretar personagens e cenas históricas como quem brinca e rir muito com isso suas notas melhoraram bastante!
Aplicando a mesma lógica podemos descobrir uma infinidade de verdades no porquê e como procrastinamos e, talvez, ainda acharmos ali uma maneira menos desagradável de realizar coisas que simplesmente precisam ser feitas.
Se, por exemplo, você costuma ser competitivo, pode usar isso a seu favor ao lidar com aquilo que não deseja mas precisa terminar logo.
Ao transformar coisas chatas mas importantes em algo vantajoso você pode acabar descobrindo que pintar cercas é uma atividade na qual pode se dar muito melhor.
Embora eu tenha fugido um pouco da proposta dos autores, foi depois deles que eu finalmente pensei sobre a questão do equilíbrio e porque ele é uma ilusão.
Como sermos excepcionais em casa, quando dedicamos tanto tempo em sermos profissionais disputados e bem pagos para mantermos nossa família quando acreditamos ser nosso dever?
Como ser pai ou mãe incríveis se desejamos tanto conquistar um cargo de liderança e grandes responsabilidades?
Quando tentamos ser impecáveis em casa e estarmos presentes com mais frequência, simultaneamente não podemos fazer tantas horas extras quando julgamos necessário para ascender.
Quando um pai ou mãe sai da apresentação do filho para atender a uma ligação importante da empresa não poderá ser atender a ambas as demandas com a mesma qualidade.
Então é claro que precisamos escolher os extremos se quisermos ter sucesso.
Mas quais extremos escolher, em que momentos e por quanto tempo ficar por lá parece ser uma chave difícil de encontrar no palheiro da vida moderna, essa terra prometida onde tudo deve ser possível.
Porque quando estendemos demais esses extremos, os espaços entre eles se tornam maiores, ficamos mais tempo entre eles.
Automaticamente, as outras coisas que estão fora desses espaços também são deixadas de lado por mais tempo e podem causar uma grande confusão quando voltamos a elas e percebemos que tudo se acumulou e se complicou à beça naquela borda.
Se, repetidamente, não voltarmos a tempo para as coisas, elas podem se tornar coisas mais importantes do que eram antes, exigir mais força de vontade e mais tempo. Criando um círculo vicioso.
Parece poesia quando lemos Keller e Papasan falarem sobre o equilíbrio:
“O ato de viver uma vida completa dando tempo ao que importa é um ato de equilíbrio. (…) O tempo gasto com uma coisa significa tempo perdido para outra. (…) Saber quando buscar o centro e quando buscar os extremos é, em essência, o verdadeiro princípio da sabedoria. Resultados extraordinário são alcançados por essa negociação com nosso tempo.”
Mas “ter uma vida equilibrada” é uma ilusão porque nada vem de graça. Não é possível conquistar o equilíbrio. Mas é possível tentar equilibrar-se na maior parte do tempo e do melhor jeito possível.
Entendi que é tão incoerente determinar o equilíbrio como objetivo, quanto estipular como meta ter um casamento integralmenteapaixonado e feliz ou um trabalho satisfatório o tempo todo ou dinheiro e sucesso sem sacríficios.
— Todas essas miragens se resumem em acreditar que haverá eterna colheira sem eterno plantio.
Equilíbrio é uma questão de sabedoria, paciência, comprometimento e disciplina – é uma questão de escolher quais batalhas lutar e fazer o seu melhor.
Você não poderá ter uma vida equilibrada o tempo todo entre sua vida profissional e pessoal – basicamente, não sem ser um pouco medíocre em alguma coisa, ou em todas.
Foi difícil para mim aceitar essa noção. Mas também inevitável. Porque é claro que “a mágica não acontece no centro, acontece nas bordas” como mencionam.
Mas como alcançar estes extremos quando existem tantos outros?
Bem, a resposta é valiosa mas, relembrando a leitura, já ajuda lembrar que talvez o caminho seja simplesmente não esperar um equilíbrio perfeito, mas um balanceamento baseado no melhor possível.
8. Falhar faz parte do processo
Eu sei que isso já está bastante disseminado por aí e eu prometo não citar a “historinha” do Thomas Edison. Mas não custa lembrar e reforçar, porque eu precisei ler e ser lembrada disso muitas e muitas vezes até finalmente assimilar.
Falhar é uma porcaria. Mas você pode simplesmente chutar isso para lá, disfarçar, sentar na calçada da vida e ficar chorando, martirizar-se e sentir-se um(a) bosta ou (mesmo depois de tudo isso) você pode se levantar e dizer: foda-se.
Quando eu falhava eu gastava muitos recursos sentindo raiva e pena de mim mesma.
Ok, para sermos bem francos eu ainda faço isso. Mas a proporção diminuiu e, quando eu consigo, imediatamente, transformar a experiência em aprendizado, me sinto muito mais forte e preparada para o que virá.
Na realidade, eu acredito que isso sempre acaba acontecendo, porque uma hora ou outra aquele monte de falhas vai se reverter em um olhar lânguido e apaixonado para trás, onde pensamos:
— Uau! Como eu era trouxa antes. E como sou melhor agora graças a tudo que aconteceu.
Mas quanto menos adiarmos esse momento e pularmos a parte “dramática” da coisa, mais temos a ganhar.
Porque podemos voltar ao jogo mais rápido, lutar mais vezes e, quem sabe, degustar da vitória um dia.
Foi demitido? Beleza. Aprenda com os erros, considere o que faz ou não faz sentido para você e para o que você busca, avalie o que ganhou, agradeça internamente a tudo e segue o baile.
Terminou um relacionamento? Chore, fique triste, abrace o turbilhão de emoções. Faz parte da vida e é uma pena. Mas se doeu, é porque também valeu.
Perdeu alguém importante? Isto é horrível. Viva com imensidão cada etapa do luto. Mas chegará uma hora em que será necessário voltar a sorrir e lembrar de tudo que foi bom – porque sempre tem algo bom.
Acredita em mim. Eu falho bastante e, portanto, entendo disso. Embora eu não me orgulhe, sou ótima em falhar.
Falhar me fez perder empregos. Amigos (muitos e dos melhores). Amores. Falhar me faz perder a oportunidade de me relacionar melhor com gente incrível perto de mim ou de viver coisas extraordinárias a partir de situações desagradáveis.
Falhar como amiga foi doloroso. Todas as vezes. Mas me fez entender e valorizar mais os poucos amigos que restaram.
Enquanto ter falhado como companheira me fez avaliar erros que não desejo cometer novamente e com os quais devo me policiar constantemente.
Já, falhar como filha, me faz lembrar que ainda posso ser melhor e refletir sobre meu papel na mudança das dinâmicas familiares.
E falhar como profissional sempre me mostrou um novo caminho, um caminho mais…meu.
Não estou falando que o certo é sair falhando por aí sem medo e mergulhar em uma onda de imbatível positividade: isso é chato pra cacete e todo mundo nota quando não é verdadeiro (mesmo que menos você).
O que estou dizendo, e demorei tanto para entender é que, sim a vida é uma merda quase sempre, e nem por isso deixa de ser incrível.
Realmente acredito que vivê-la, em todos os seus contrastes, é o que confere a paleta de cores única da nossa existência – que não precisamos ficar esfregando na cara de todo mundo nem exigir que o universo enxergue ou entenda.
Mas que podemos sempre segurar com carinho e ter orgulho do que fizemos – mesmo quando não pudermos fazer nada.
8. A vida não dá segundas chances e páginas em branco
Essa é a seção final e também uma boa coisa para se colocar como aprendizado.
Porque embora falhar faça parte do processo, a vida simplesmente não costuma nos dar novas chances, páginas em branco, toda essa baboseira.
Tudo que fazemos fica registrado, tem consquências e deixa uma mala muitas vezes pesada que arrastamos por aí, ás vezes só porque queremos e, ás vezes, porque ainda não descobrimos o que fazer com aquilo tudo.
Por mais que gostemos de nos enganar, a existência é uma trama feita de uma linha só.
Podemos descobrir novas formas de alinhavar cada ponto, de apresentar nosso melhor ou nosso pior.
Mas o que costuramos até aquela altura fica lá, pendurado em algum lugar. Ora mais acessível por nós, ora somente para os outros – porque por mais que desejemos esquecer, alguém nunca esquece.
Raramente fica claro se o que estamos fazendo é realmente bom e certo e significativo. Não dá para saber essas coisas totalmente.
Então espero que o que aprendi e compartilhei contribua para o seu processo de resoluções de final de ano. Ou melhor…de vida mesmo.
E que elas sejam algo mais verdadeiro e factível, algo mais possível e realizável e, acima de tudo, algo que represente aquilo que é significativo e importante para você.
Porque, ao contrário do que algumas pessoas afirmam, eu não acho que um novo ano seja um conjunto de novas chances – assim como um novo-qualquer-coisa.
É claro que um novo lar pode representar dias mais gostosos. Mas não vai excluir dos registros da sua vida os dias horrorosos de um lar antigo – e muito menos eliminar os riscos de outros dias ruins.
Se você se dedicar a arrumar um novo emprego, talvez você se sinta melhor lá ao ser reconhecido(a). Mas seus defeitos profissionais, comportamentais e técnicos não vão desaparecer. E, por mais que você tenha novos amigos, as pessoas que você marcou não vão esquecer.
Eu penso que todos os dias significam isso, e que a passagem de ano é apenas uma representação simbólica que nos lembra que nossos objetivos não deveriam ser limitados aos 365 dias do ano, como se fossem páginas novas e em branco de um novo livro.
Mas optando pelo clichê das metáforas e figuras de linguagem, bem…
Nossa vida é um livro só e quanto mais coerência os capítulos tenham entre si, mais fácil será escrevê-los e mais gostoso será relê-los sempre que você precisar se lembrar de quem é e porque deseja estar aqui – porque essa pode ser a coisa mais próxima do porque você está.
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PRÁTICA
Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.
Vou fazer a única coisa que consigo pensar agora. Tente pensar em uma única coisa que você realmente deseja para esse ano. Aquela única coisa para a qual você realmente deseja se dedicar. Aquela coisa que, não importam os sacrifícios que terá que fazer, você está diposto(a) a realizar. Depois determine o que precisa fazer e dedique-se a esta única coisa – se possível aplicando o que viu aqui!
Desde o início eu sabia que haveria um tipo específico de artigos onde eu traria reflexões inspiradas ou baseadas em filmes, séries, músicas e livros.
Porque sempre tive a impressão de aprender muito sobre a vida, pessoas e relacionamentos com essas coisas, com personagens, com histórias, com aventuras que eu não havia vivido mas de cujos louros eu poderia usufuir.
Portanto, eventualmente, vou trazer uma abordagem específica, de alguma coisa que mexeu comigo, me fez ir além. Sabe aquele livro, filme, série que te deixa sem ar? Que acaba e você fica paralisado, atônito, com a cabeça a mil? Ou que você passa a semana toda pensando sobre? Então.
Essas coisas que a gente não consegue descrever, adjetivar com poucoas palavras, digerir em alguns minutos. Essas coisas que dá vontade de conversar a respeito, escrever a respeito. É disso que se trata.
Assim, está oficialmente lançada a série Coisas que São. Adianto que minha pretensão não é tentar ocupar um espaço da crítica de cinema ou literatura. Mas sim usar histórias incríveis para falar daquilo que a fantasia entrega para a realidade. Afinal, dizem que a vida imita a arte, mas em algum ponto, ovo e galinha se tornam pontos de inícios e finais.
Não é o que você está pensando!
Bem, eu não posso evitar estrear com esta obra confusa e genial, no meu ponto de vista. Preparem-se, porque vou compartilhar uma bolota intragável que consumi há alguns meses.
Uma bolota com nome, elenco, fotografia, produção e uma espécie de…trilha sonora. Posso dizer que foi um filmezinho bem do sem-vergonha, que entrou infiltrado na minha lista interminável.
Como assim? Acontece que, uma vez, enquanto assistia a um vídeo ou série de trailers (ah! o ócio), apareceu o trailer de um filme que, na ocasião, me despertou atenção.
Tratava-se de uma mulher que tinha o sonho de cantar, mas como o marido não a apoiava ou entendia ela decidiu partir rumo ao sonho. Só que ela não cantava muito bem e o caminho parecia longo.
A partir daí, o que eu fiz foi o que qualquer pessoa faria: anotei e guardei o nome desse filme que me interessou tanto em um lugar impossível de perder.
E, adivinhem?! Eu perdi, lógico.
Até que me deparei com a sinopse de um filme e pensei que só podia ser ele.
Adivinhem, de novo? Não era, claro.
Mesmo assim, algo na sinopse do filme que não era me atraiu. Pensei: “Por que não?! Quem sabe um dia?”. Até que o tal dia chegou. Entre os milhares de itens da minha lista, alguma coisa me levou a descobrir este. E que bom. Meu instinto, mais uma vez, me presenteava com uma excelente oportunidade.
Foi sim aquele tipo de filme. Sabe? Que, quando acaba, deixa a gente boquiaberto, andando meio torto. Peito aberto. Em transe.
Demorei para “acordar” e passei dias pensando. Talvez dei sorte e o filme me pegou no momento certo, talvez simplesmente seja incrível e você precise ver.
Então, vamos falar, SEM SPOILER sobre…
Marguerite!
Para começo de conversa: Tudo em Marguerite não é.
Não era o filme que eu procurava e anotei no papelzinho. Mas gostou desse negócio de me enganar, e continuou não sendo. Marguerite não se trata de uma cantora desafinada na sociedade elitista da Paris dos anos 50. Não se trata de uma mulher rica que compra todos os seus sonhos e caprichos.
Marguerite, talvez, se trata de um ser-humano cheio de posses que teve o azar de ter um sonho. Se você assistiu o trailer antes (como eu) não se iluda: não temos aqui uma comédia.
Essa ficção, inspirada na história real da socialite Florence Foster Jenkins, não se trata de coisinha banal. Não dá para pôr na sessão da tarde – ninguém suportaria mais do que Edward Mãos de Tesoura por lá. Aqui, temos uma verdadeira obra-prima da frustração, da crença, da entrega.
Marguerite trata das paixões que não sabemos gerenciar mas sem as quais jamais conseguiríamos viver. Todas elas. Físicas, emocionais, espirituais. Nossas obsessões, nossas crenças, nossas demandas mais urgentes e excruciantes.
— Marguerite trata da solidão que encontra fim na fé e na arte. Marguerite, a personagem, por sua vez, não é uma cantora desafinada. Ela é uma idealizadora. Uma artista presa num corpo e numa condição.
Em resumo, não se trata de um romance nem propriamente de uma crítica, mas também não é só um drama. Sequer é um drama. Como você vê, é difícil até para mim falar sobre Marguerite.
Mas vou seguir tentando, mencionando alguns tópicos que falam do que Marguerite é – sem simplificar a sua vida. Porque Marguerite é complexo demais, e falar a respeito de forma simples seria, no mínimo, um desperdício.
Detalhes, inconstância, não-pertencimento e o encatamento de cada essência – como a vida real!
A obra, acima de tudo, conta a história de pessoas que se conectam pela mesma razão: vagam presas, limitadas, condicionadas, ocultando o melhor de si.
Marguerite, o longa, não parece ter a pretensão de colocar em caixas de heróis e bandidos, bons e maus. Não se preocupa, inclusive, com atos catastróficos.
Marguerite se trata dos detalhes. Do olhar que abaixa. Das sobrancelhas que expressam. Do barulho que parece um gato miando, escondido em algum lugar. Das cenas da caça que não teve chance. Do cuidado e da complexidade que só quem vive pode degustar.
Ora ela é louca. Ora ela é adulta. Ora é criança. Ora é ambiciosa e audaz. Ora inocente. Ora profunda, ora superficial. Ora cheia de orgulho, ora sem orgulho nenhum.
Ela é, por fim, humana. Ela é como eu e você. E por isso que se encaixa tão bem. O não-pertencimento é difícil para Marguerite como para todos nós.
Podemos até dizer, por exemplo, que a abordagem de um casamento fracassado e de fachada é importante na trama. Mas, de novo: é mais que isso.
— É a manifestação da complexidade das relações, do status, das normas sociais subjetivas e como isso afasta ao mesmo tempo que aproxima.
Claro que, no olhar ocidental, moderno e evoluído (ainda bem) somos capazes de enxergar em George um cretino egoísta. Mas se realmente nos esforçarmos em nos tornarmos empáticos, veremos também um homem carregado de medos e crenças que, nem assim, impedem de preservar um genuíno carinho pela esposa.
Um carinho, bem verdade, freado pela sua própria incapacidade de se aceitar que, por sua vez, reflete-se na flexibilidade em aceitar aquilo que sua mulher representa: a extravagância dos que seguem autênticos.
Já, em Madelbus, podemos escolher ver um homem misterioso, ora assustador, ora apaixonado, ora obcecado. Ora bondoso e generoso. Ora capaz de fazer o que for necessário para preservar sua protegida.
A velha necessidade do julgamento e a urgência atemporal da empatia
Falamos de George e Maldebus. Mas também Marguerite tem seus excessos.
Como poderia ser diferente? Rica, desde sempre e conduzida apenas a casar e exercer um papel social, seria natural que se buscasse caminhos e caprichos que distraíssem a personagem.
A verdade é que cada um de nós tem suas próprias manias. Precisamos delas, de algum jeito estranho. Apenas adequamos essa necessidade (de ter manias para chamar de nossas) à realidade em que vivemos, buscando um meio de torná-las possíveis.
Criamos estas manifestações de singularidade por diversas razões e ás vezes nem as percebemos. Mas elas não surgem do nada e sempre têm uma construção, um ponto de onde ela se originou e tornou-se indispensável. Inclusive, coicidentemente, falei sobre isso aqui recentemente.
Assim, mesmo quando notamos estes padrões, não os assimilamos como manias. São hábitos, são nosso modo particular de ser no mundo. As do outro sim, facilmente podem ser interpretadas como manias, frescuras, bobagens.
Então: não. Comer apenas comidas brancas não é uma mania para Marguerite. Não é uma frescura. É um objetivo. É a maneira pela qual ela ameniza uma dor latente de não ser tanto quanto sente que pode, que deve, que nasceu para ser.
É um modo, talvez, de sentir que tem algum domínio sobre sua vida: ela não controla o que sai de sua boca, mas este pode ser sua maneira sutil e estranha de decidir o que entra.
Também é possível concordar que é incômodo o esforço em mostrar esse lado doloroso de se ter tanto dinheiro a ponto que ninguém estar disposto a ser honesto. O discurso, embora válido, não faz mais sentido: somos minorias demais.
Mas para garantir que tenha ficado claro: também não se trata disso. Sobre riqueza ou pobreza ou os méritos de cada lado. Se trata de empatia. De seres-humanos. De acreditar tanto nos sonhos que ninguém ousa arrancar isso de você.
Se trata de um homem que se entrega ao amor de uma mulher brilhante e, ao mesmo tempo, vulnerável. De um garoto que não aprendeu a crescer e precisa de fugas. De uma talentosa voz incapaz de lidar com a entrega . Esse é o entorno de Marguerite.
Sobre ela, interpretada magnificamente por Catherine Frot, há algumas características fixas e fáceis em nossas expectativas: cantora, velha, rica, desafinada.
Mas ingênua, jovem, pura, fresca, leve, solta também são adjetivos que facilmente podemos destilar para Marguerite e que provavelmente são mais adequados à sua essência.
Um exercício de paciência
Além de tudo, Marguerite tem seu ritmo. É um filme lento. Cheio de pausas. Com cenas que a princípio não fazem sentido e com espaços que demoram.
Marguerite é sim um exercício de paciência. Mas não nos vence pelo cansaço. Nos vence pela coragem.
Assim como a própria personagem, que ao contrário das primeiras suposições vai, aos poucos, mostrando que não conquista as pessoas que seguem ao seu lado por causa do dinheiro, mas porque os inspira. Ela os ganha pela pureza e autenticidade sem ser arrogante, boçal, prepotente.
Embora rica, embora profundamente comprometida há anos com sua prática errática, ela escuta. Ela está disposta. Ela ouve. Mas ninguém quer lhe dizer o que ela precisa. E disso ela não tem culpa.
Marguerite, com toda essa paciência, me impactou. Me ensinou coisas para as quais eu não estava totalmente preparada. Algo em Marguerite parece um soco em algum lugar no esôfago.
Depois de engenhosamente construída como mito, como rainha, como musa inspiradora.
Manipulada de forma mais cruel que personagens de um livro, que ganham sua própria vida aqui, ainda deixa um poderoso alerta: cuidado para não estar vivendo o sonho de outra pessoa. Afinal, para Marguerite isso nunca foi tão verdade.
Entregou olhares, e chegadas que nunca vieram. Driblou meu senso precipitado e falho de julgamento e me mostrou que há muito mais quando estamos dispostos a ver as matizes. Lembrou de como cada um é, do seu modo, essencial para toda história. E me fez pensar nas inúmeras histórias escondidas atrás de cada um.
Por isso tudo, pela primeira vez, um filme exigiu de mim paciência, sem me irritar.
O que podemos aprender
Como eu disse, é possível extrair muito aprendizado de praticamente tudo que vivemos, vemos, sentimos. E a ficção tem um enorme potencial de fazer issso. Portanto, as coisas mais importantes que Marguerite me trouxe foi a lembrança, não necessariamente nessa ordem, de que:
Nós somos os únicos responsáveis por acreditar nos nossos sonhos.
Alguns sonhos são maiores que nós. Outros, não são sonhos.
É importante descobrir o que, de verdade, nos transcende e o que é fuga, válvula de escape.
Autoestima é ótimo, mas o ego e a vaidade podem cegar e nos confudir.
Quando olhamos para alguém, só vemos a superfície, sempre há mais. Muito mais.
As razões do outro são facilmente convertidas em manias, as nossas, em particularidades.
Sinceridade é importante, mas deve ser aplicada com gentileza.
O bakcground de cada um pode ser surpreendente, mas descobri-lo exige cuidado.
Seres-humanos são complexos e, na grande maioria das vezes, só estão tentando fazer o melhor que podem
A intuição e sensibilidade aos detalhes podem ser cruciais na tomada de decisões.
Ingenuidade, vulnerabilidade e fé são agentes eficazes em conectar pessoas.
Bom, imagino que, se eu assistir novamente, a lista aumentaria. Mas acho que está de bom tamanho.
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PRÁTICA
Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.
Bom, temos e não temos algo complexo para a prática de hoje. Afinal, depois da geléia mental do meu cérebro, não poderia encerrar diferente. Então, vamos lá.
1. Que mentiras você tá contando para si mesmo? Escreva em uma folha tudo aquilo que vêm à sua mente, avalie cada tópico, selecione um mais alarmante, e guarde. 2. Analise como você informa às pessoas sobre suas expectativas e sentimentos e reflita sobre como interage com a sinceridade: Você tem medo de falar a verdade? Ou fala verdades demais? Como isso afeta as pessoas ao seu redor? E a você? 3. Agora, investigue as duas respostas e trace uma meta que melhore sua relação de verdade com o outro.
Como costuma acontecer, sem identificar com clareza o gatilho, me peguei pensando em um aspecto que somente a partir daquele momento, passou a soar curioso: a base sob a qual construímos nossas percepções.
Veja, temos a tendência de pensar na vida apenas no espectro em que passamos a existir nela. Ignoramos, sem querer mesmo, o que aconteceu antes de nascermos, antes de sequer sermos cogitados.
Não. Não só antes de nós, mas antes dos nossos pais, antes dos nossos avós, muito além, inclusive, nessa régua antecessora.
Então, a partir dessa percepção de curtíssimo prazo, avaliamos as pessoas e as situações.
De onde isso vem?
Colocamos rapidamente as pessoas, os acontecimentos, tudo, em caixinhas na nossa mente. Mas, de onde isso vem?
Acredito ser um impulso primitivo de sobrevivência: precisamos saber o grau de interação que podemos ter com aquilo que chega até nós.
Quando nos deparávamos com mamutes furiosos e famintos não era natural pensarmos:
“Oi, mamute! Sei que agora você está furioso e faminto, mas por favor, me conte sua história.”
Ou então:
“Cara. Você já parou para se perguntar por que você é um mamute?”
e ainda:
“Que atitudes, como mamute, você poderia mudar para ser um mamute mais feliz?”.
Simplesmente não se tratava disso.
Mas continuar avaliando os fatos do presente com base em um passado distante enraizado em nós perde bastante o sentido quando lembramos que não somos nem mamutes nem homens corcundas, mudos, cobertos de pêlo que precisam aniquilar o próximo para sobreviver.
Evoluímos e, em quase todos os aspectos que posso me lembrar, não consigo pensar em um que valorizamos tanto quanto aqueles capazes de justificar nossas falhas de pensamento e ação.
Vamos testar
Se eu lhe perguntasse agora, por exemplo, seu nome, sua idade, o ano em que nasceu, ou a cidade em que nasceu é muito provável que você saiba responder.
Talvez até tenha conhecimento do que acontecia no seu país, a idade da sua mãe ou do seu pai quando se tornaram sua mãe e seu pai.
Mas você saberia dizer com precisão estes dados do seu colega de trabalho? Como foi a infância dos seus pais ou de alguém que você simplesmente não consegue entender?
Você pode, sem esforço algum, pensar nas pessoas que te trouxeram ao mundo, te criaram e fizeram parte do seu desenvolvimento – sua tia, seu filho, seu professor – como pessoas “comuns”, sem associá-los aos papéis que exercem ou exerceram em sua vida?
Talvez eu esteja errada. Mas não conheço pessoas que responderiam positivamente a todas estas perguntas .
E aqui, é claro que a metalinguagem parece estar presente também:
— minha realidade me levou a construir uma determinada percepção sobre um assunto, guiou meu raciocínio e me levou a crer que esta, talvez, seja uma verdade.
E assim seguimos nos pregando peças mentais.
Pode ser, pode não ser. Mas a base sob a qual ela foi construída é relativamente fraca, baseada apenas no que vivi ou vi e ouvi daqueles que convivem comigo.
Nós acabamos, invariavelmente, avaliando pessoas e situações com base em pessoas e situações do nosso círculo. Da nossa realidade. O termo “bolha” tem sido comumente utilizado para se referir a este comportamento.
Embora ele faça muito sentido, também pode ser bem variável, uma vez que se estenda para a parte técnica da internet em si.
Para reforçar a idéia, existe outra teoria bastante conhecida que pode tranquilamente ser utilizada aqui, em uma licença científica para lá de poética: o paradoxo do Gato de Schrödinger.
Salvo complexidades físicoquânticas próprias do estudo, e resumindo bastante, o experimento mental proposto em 1935 pelo austríaco Erwin informa que um gato é colocado em uma caixa completamente fechada.
Na caixa há um frasco de veneno e um átomo radiativo com 50% de chances de se desintegrar dentro de uma hora. Se isso acontecer, uma espécie de sensor acionará um mecanismo que quebrará o frasco do veneno, levando o gato à morte.
Isso significa dizer que haverá um espaço de tempo em que o gato estará ao mesmo tempo vivo como morto – até que, como propôs o físico Niels Bohr na solução conhecida como interpretação de Copenhague, se abra a caixa para verificar.
Quando damos voltas ao redor das nossas próprias percepções estamos cegos sobre o que de fato está acontecendo na caixa. Nossa perspectiva é limitada àquilo que está facilmente visível aos nossos olhos e sentidos. Para estendê-la e conhecer algumas realidades, é preciso abrir a caixa – ou, sair da bolha, se você preferir.
Nessa mesma linha (e igualmente licenciada) não podemos deixar de mencionar a concepção do mito da caverna, de Platão, onde a verdade só seria conhecida por aqueles que saíssem da caverna, descobrindo que o que mais despertava o medo, era fruto de um jogo de luzes.
Gosto de todos esses. Ainda assim existe, para mim, uma ideia que define isso de um jeito bem mais fácil: consideramos as coisas com base naquilo que estã dentro do nosso escopo. Existem diversas definições de escopo, mas a que mais gosto é aquela utilizada no meio tecnológico:
Na ciência da computação escopo é um contexto delimitante aos quais valores e expressões estão associados. O tipo de escopo vai determinar quais tipos de entidades este pode conter e como estas são afetadas, em outras palavras, a sua semântica.
Assim, o que existe atrás da cerca não é somente desconhecido. É ignorado completamente, como se não existisse e, portanto, irrelevante para qualquer entendimento.
A realidade (ou não) dos escopos
Para mim, esse conceito é incrível porque mostra como nossas verdades se constroem. Nós não vemos além do nosso escopo (além da cerca), porque além do nosso escopo não existe.
Mas existe, e interfere, inclusive, naquilo que está dentro do nosso escopo e não sabemos de onde vem
Por exemplo, quando alguém age de forma rude conosco, a percepção de que essa pessoa é ou está rude, é ou está mal-humorada, está dentro do nosso escopo.
Mas essa forma de agir pode ter inúmeras variáveis e perspectivas, pode ter uma história, um acontecimento do passado que formou tal personalidade ou um acontecimento recente que levou a essa reação.
E esta história, seja ela recente ou de muito tempo atrás, normalmente está fora do nosso escopo.
Ao ficarmos apenas com a percepção do que está dentro do nosso escopo e analisarmos as coisas sob este aspecto, podemos dizer que nossa base é fraca. O mesmo acontece ao interagirmos com alguém novo.
— quando conhecemos uma nova pessoa — ao contrário do que nossos instintos tentam nos ensinar — ela não se resume ao que optou (ainda que inconscientemente) mostrar de si naquele dia, naquela ocasião.
É estranhamente óbvio e igualmente necessário lembrar, no entanto, que cada pessoa, cuja existência passou a ser percebida por nós (e não se resume ao que nós percebemos dela), tem uma história, um passado, sonhos que foram deixados de lado, sonhos que ainda o serão.
Nossa tendência, contudo, é vermos tudo sob um escopo cujas fronteiras são visíveis somente a partir do momento que passamos a existir nele.
Um dos maiores problemas disso acontece quando, mesmo que não estejamos realmente num determinado escopo, um pedacinho dele escapa perto da gente. Algumas circunstâncias ou pessoas respingam nas proximidades do nosso escopo, vemos uma porção daquilo, e então acreditamos que é o suficiente para interpretamos, com base naquela percepção fracionada e muito limitada.
Afinal, existem diversos fatores que influenciam na construção do comportamento e modelo mental das pessoas ou no desenrolar das situações. Alguns podem, por exemplo:
a. estar muito no fim, b. estar muito no começo c. não estar indo muito bem ou num bom dia d. estar atravessando um período muito bom ou um período pra lá de ruim.
E então, tomamos decisões a respeito de coisas que, por mero acaso, aconteceram ao nosso redor. Mas cuja estensão ou complexidade nos escapa completamente.
Assim, algumas decisões são tomadas a partir desses subsídios bastante superficiais, que geralmente nos trazem à luz mais informações sobre nós mesmos do que propriamente àquilo que nos propomos analisar — ou que precisamos fazê-lo por alguma razão.
A partir daí, desse exato momento, baseando-nos em um minúsculo fragmento de espaço-tempo que favoreceu (ou desfavoreceu) aquela ocasião, decidimos o que pensar a respeito destas interações universais.
O que perdemos
Ok. Mas afinal, para onde vamos com essa lenga-lenga? É que estive pensando nisso por um longo tempo, e então parei para fazer uma rápida revisão de todas as conseqüências.
— Quantas pessoas incríveis deixei de conhecer? Que profundezas da complexidade humana eu perdi? Quantas histórias surpreendentes eu não ouvi ou li? Como esses fragmentos perdidos, da existência de algo que eu só vi um pedaço, me afetaram?
Até que ponto me construí com base na construção fragmentada do que chegou até mim?
Quem sou, é fruto mais de relações e análises profundas, ou mais de percepções fragmentadas da vida – da vida em que não existi, mas existiu muito antes de mim e seguirá existindo mesmo que sem mim?
Estou cheia da existência das outras coisas ou das minhas próprias coisas?
Na dúvida, decidi revisitar episódios mais antigos e me deparei com tudo que não sei e provavelmente nunca saberei.
Não doeu, mas fiquei pensando qual o grau de importância isso precisa ter nas microdecisões diárias que tomamos todos os dias. Se tivesse que ser diferente, o que deveria mudar?
Bem, já entendemos e aceitamos (espero) que não somos nem mamutes nem homens primitivos incapazes de articular emoções e buscar caminhos melhores para vivermos em conjunto.
Embora enxergar o problema (da falta de empatia, da agressividade na comunicação, da força do ego, do impulso do julgamento, etc) seja o primeiro passo, a sequência é muito mais desafiante.
———
Como resolver?
Não sei.
Eu também sou horrível e freqüentemente observo como a empatia é algo difícil para mim. Mas, considerando as circunstâncias, acredito que temos algumas opções.
Afinal, nada pode ser pior que agir com base no que vimos ou estamos vendo. Assim, listei, para mim mesma, algumas alternativas, que compartilho abaixo:
Deixar o julgamento para o mais depois possível, até que ele deixe de existir Comecei a, simplesmente, me punir mentalmente sempre que o julgamento automático vinha á minha cabeça. Por mais positivo que fosse, por mais complexo que fosse. Porque julgamentos superficiais negativos são mais fáceis de perceber e controlar.
Mas acredito que quando fazemos julgamentos positivos imediatos, por melhor que isso seja, em algum lugar na nossa cabeça é como se disséssemos: “Bem, tudo bem julgar. Estou julgando, e é algo bom. Então julgar pode ser algo bom.”
Pode ser bobagem, mas tenho preferido não arriscar por enquanto.
Deixo momentos assim apenas quando meu julgamento possa e deva ser prudente e ponderado, como tomar alguma decisão que impacte na minha vida. Ou que impacte realmente na de outras pessoas.
Lembrar-se sempre da história que não estamos vendo
Quando alguém for ou parecer ruim, tenho tentado pensar no pano de fundo daquilo. No que alguns chamam de background.
E penso que isso seja válido mesmo com pessoas próximas a nós, com as quais temos intimidade e conhecemos há muito tempo: temos a tendência de supor que conhecemos nossos amigos.
Até acredito que seja verdade. Sabemos o que precisamos saber deles, sabemos o suficiente para tê-los tornado nossos amigos. Pessoas que sabem da nossa vida, conhecem ou até convivem com a nossa família. Mas em alguns casos, esses backgrounds, essas histórias, sequer são conhecidas ou lembradas por eles.
Em outros casos, pode ser tão difícil lidar ou gerenciar, que a opção mais acertada é ocultar aquele pedaço de nós e podemos até ser pegos de surpresa diante de uma reação aparentemente desproporcional de um amigo.
Não há motivo para chateação prolongada. Afinal, se pararmos para pensar, todos nós já prefirmos deixar escondido algum aspecto da nossa vida ou personalidade. E tudo bem. Não precisamos ser um livro aberto o tempo todo.
Nossas histórias pertencem a nós e mostramos ao mundo aquilo que estamos prontos para mostrar. Isso parece algo muito óbvio e fácil de entender e respeitar até que aconteça conosco e tal habilidade é posta em teste – e eu espero que você não precise descobrir isso por experiência própria, como foi o meu caso.
Quando possível, demonstrar genuíno interesse nestas histórias Essa já dei spoiler mas vou relembrar. Lembra do mamute? Então. Você não é mais das cavernas, e não convive (imagino) com mamutes. Por isso, você pode tentar fazer perguntas de genuíno interesse.
É claro que você precisa realmente estar aberto ao mundo de outra pessoa e realmente estar interessado na sua história, no seu pano de fundo.
Podemos, por exemplo, diante de uma pessoa ou uma situação difícil, dizer:
Desculpe, vejo que você não está muito bem. Quer conversar?
Sinto que está acontecendo alguma coisa, quer conversar?
Você não parece bem. Por que não me conta o que está acontecendo?
Essa, ainda, é a mais difícil para mim! Nem sempre estou bem, e em muitos casos eu sou um mamute furioso e faminto. Mas mantenho isso em alerta no meu radar, e manifesto interesse genuíno sempre que estou pronta para ouvir de forma genuína.
Aqui faz-se, respeitando o espaçamento de uma estrutura de tópicos, um ou dois parágrafos de finalização, contornando o post e encerrando da melhor forma possível, sem pontas soltas. Uma coisa que é bacana é finalizar com uma pergunta que pode levar a reflexão ou, futuramente aos comentários
Então…qual outra sugestão você teria? Já passou por alguma situação onde estas coisas ocorreram? Conte mais sobre suas experiências e perspectivas aqui ou aqui.
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PRÁTICA
Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.
Dentro ou fora do seu escopo, faça uma rápida análise visual. Para isto recomendo: 1. Desenhar um círculo em uma folha e escrever nela todas as suas crenças. 2. Ao redor, você pode desenhar círculos menores ou escrever ideias, percepções, situações ou pessoas que te incomodam. 3. Depois avalie estas coisas fora do seu escopo e pense, uma-a-uma, como você poderia reagir e lidar com elas como um ser-humano evoluído 🙂
Se quiser, publique sua experiência no instagram e twitter usando #assimpassa ou nos envie um e-mail!
Desculpe. Eu me desautorizei expressamente de responder perguntas genéricas desse tipo para a sua vida. Porque, infelizmente (será?) eu não te conheço. Mas, para tentar ajudar no caminho tortuoso rumos aos tesouros do autoconhecimento, vou compartilhar minhas descobertas.
O descontrole da Dolores, do Eufrades e outras coisas aí
Sabe quando sua mãe, qualquer adulto ou seu primo mais velho que se achava o sabichão, dizia que você não era todo mundo? Poisé, nesse caso, você é sim.
Porque todo mundo, até vocêzíssimo, acumula coisas ao longo da vida que vão dando forma a sua existência. Então a gente vai seguindo morreba abaixo, morreba acima, e na retona da vida. E nisso a gente vai catando coisinhas no caminho.
Aqui nem estou falando de coisas propriamente materiais. Estou falando exatamente do que é intangível, mas perene ao longo de todo esse caminho. Vamos chamar essa bolinha — esse emaranhado de coisas confusas que remoemos ao longo da vida, de Dolores.
Assim, conforme o tempo vai passando, nossas Dolores também se transformam. Aumentam, diminuem, desaparecem e se adequam a momentos e distrações que as levam para longe.
Ainda que a Dolores de cada um deva ser respeitada, até eu sou obrigada a concordar que ás vezes deixamos que ela passe dos limites, principalmente quando se junta com Eufrades, um competente radar-auto-falante-esponjoso.
Pelo menos é assim que eu vejo esses dois amores.
Vamos falar desse romance
Eu sempre fui muito perceptiva a tudo ao meu redor que, por qualquer razão, me interesasse. Então minha Dolores ficou grande e forte rapidinho, assim como eu.
No entanto, manter o foco nunca foi muito uma habilidade minha. Sempre fui mais acumuladora do que propriamente uma agente de mudança.
Então eu só ia engordando a Dolores, sem nunca pôr aquela massa de coisas a trabalhar. Mesmo assim (ou talvez por isso), vez ou outra a Dolores ficava tão distante que eu não conseguia ver e a vida parecia mais simples.
Mas meu radar continuava ligado e eu não deixava de ser esponja, absorvendo tudo que via, lia, escutava — reverberando essa “riqueza” de conteúdo dentro de mim.
Esse competente radar-auto-falante-esponjoso é a quem chamo de Eufrades.
Nunca importaram as circunstâncias: Eufrades se comportava sempre um dedicado trabalhador, repetindo continuamente tudo que eu precisava fazer: estudar para ter um bom emprego; emagrecer para ser saudável, aceita e feliz; socializar mais e gastar menos tempo na biblioteca com medo do mundo.
E não posso dizer que ele estava totalmente errado.
No entanto, ás vezes, ele ficava sem controle e achava muito coerente me lembrar que eu precisava, urgentemente, planejar toda a minha vida, pois iria ficar para trás. “Já está ficando”, ele dizia ás vezes. Ou: “Não adianta nada ficar olhando pro horizonte…como você vai chegar lá?”.
Então, comecei a traçar planos e sonhos reais
E, com mais ou menos treze anos, resolvi tudo, torcendo para o Eufrades fechar aquela matraca. Decidi, por exemplo, que ter meu próprio apartamento e carro aos 23 – no máximo 24 (porque ne, eu era muito realista) – e trabalhar em um lugar com chão de vidro transparente.
Lá, eu andaria fazendo um toc-toc ritmado e sutil com meu salto; desfilaria com meu conjunto de alfaiataria cinza grafite, meu cabelo bem arrumado e uma pasta de couro elegante e feminina nos braços.
Quando eu passasse, as pessoas me olhariam com admiração e respeito sem que eu me sentisse constrangida: porque eu simplesmente saberia que era merecedora daquilo, e aí tudo bem.
De manhã eu iria acordar e minha assistente pessoal estaria me aguardando com uma mesa de café da manhã simples e deliciosa, composta de geleias e suco natural; croissant, queijos e frios, ovos cozidos no ponto que eu gosto.
Eu tomaria o café já perfeitamente arrumada, sem um fio saindo do penteado. Maquiagem no ponto. Sairia de casa assim, impecável.
Do mesmo modo, chegaria ao meu posto de trabalho, onde exerceria algum ofício de excelente rendimento, com a competência e alto desempenho que me garantiriam crescer absurdamente e ganhar ainda mais.
Só que não
Nem preciso dizer que, nessa fantasia, quase tudo mudou. Até porque o despertador tocou e a vida real começou a chamar.
No meio do caminho, assim que tive a primeira oportunidade de começar a me tornar aquela pessoa, achei que simplesmente não tinha amadurecido o suficiente e não era digna desse papel ainda.
Depois, mais velha, blindada e madura…bem, eu seguia me sentindo igual: com aquele peso incongruente de assumir o conjunto de alfaiataria cinza, salto alto, maquiagem diária, e roupas elegantes de todo dia (e eu sequer sentia que era merecedora de respeito ou admiração).
Algo estava errado (e ficou ainda mais)
Foi o que comecei a perceber, sem me dar conta do quão urgente era eu descobrir. Até que entendi, aos poucos, com um passo de cada vez, as batalhas pelas quais precisava lutar.
O primeiro estopim da guerra que travei dentro de mim foi quando perdi meu pai de uma forma dolorosamente inesperada.
Não quero usar de drama para conquistar mas é inevitável falar da minha trajetória/dos meus grilos e preocupações, sem falar daquele momento: porque eu realmente achei que não poderia suportar.
Mas, como humana obediente e sem a devida inteligência emocional, segui com esmero cada etapa do luto: odiei a vida, o mundo, as pessoas. Tinha raiva.
Nesse processo, as conversas, o apoio e a troca de idéias que encontrei num grande amigo meu foi fundamental. Voltei a questionar alguns parâmetros, fazer perguntas sobre o mundo, sobre mim mesma.
Sobre a vida. Sobre como realmente não somos e não controlamos nada e como digerir e digerir tudo.
Hoje entendo que tudo realmente acontece por uma razão — além disso, era uma forma de tentar dar algum sentido à “despessoalidade” daquele homem que eu supunha ser forte o suficiente para ser eterno.
Se já, é possível que tenha se deparado com dúvidas originárias, e poderia identificar pelo menos uma engrenagem, dentro de você, que passou a funcionar diferente.
Caso esteja passando por algo semelhante, a pessoa que você será depois que tudo se resolver, já não será a mesma. Se você não passou, um dia vai passar. Espero que lembre-se do que vou dizer.
— São os momentos de queda que antecedem o salto. Acredite: por mais difícil que seja, a dor tem um potencial enorme de nos transformar.
E acho que isso ocorre porque normalmente ela nos coloca em dúvida. Cria perguntas que não existiam e reverbera outras que decidimos simplesmente deixar de lado e fingir que nunca existiram – até aquele ponto.
Bom, embora esse não tenha sido o primeiro quatervois da minha vida, certamente foi o primeiro mais doloroso: questionei tudo, duvidei de tudo e, a partir daí, fui reconfigurada.
Não entendam errado: não acho que a dor seja o único caminho. Pelo contrário, penso que não deve ser. Mas diante do inevitável da vida, pode ser uma ótima (embora cruel) propulsora da dúvida.
Afinal, duvidar é um dos sinais mais sublimes da nossa evolução: é um momento excelente para dar espaço a outras possibilidades.
Foi assim que uma possibilidade alternativa começou a se desenhar na minha cabeça: um contexto mais ameno, que já tinha permeado minha imaginação em outras ocasiões, voltou para disputar com aquela fantasia urbana de comercial de banco dos anos 90.
Fez-se luz: uma nova imagem começava a se formar
Nela, eu levava uma vida simples, vestia roupas confortáveis, estava de cara limpa, com o cabelo no máximo preso num coque.
Sentada em uma mesa, eu podia sair de vez em quando para ver o verde, o céu, ouvir os pássaros; observar o mar ou alguma extensão de água e voltar ao trabalho, com um sorriso tranquilo.
Mesmo assim, por mais alívio que essa construção me trouxesse, vi como uma opção bastante ponderada dividir tais circunstâncias: poderia trabalhar na cidade, e depois chegar em casa, num lugar tranquilo e em paz.
Nem preciso explicar como isso estava errado. Mas ainda levei tempo para perceber que essa fenomenal flexibilidade era, na verdade, uma dualidade inviável e frustrante.
Primeiro porque descobri que nunca estaria pronta para a projeção cosmopolita e urbana: aquele papel não me pertencia, seria só isso, um personagem.
Segundo porque comecei a entender algo que, para mim, hoje, faz muito sentido: não dá para ser metade autêntico e se dividir assim torna tudo ainda mais difícil.
— Somos um só. E insistir em ir para dois caminhos tão opostos pode nos dividir tanto, a ponto de perdermos um pedaço da gente.
Era hora de dar uma esticada na Dolores
Então, quando notei que precisaria decidir, mas realmente não enxergava a opção “certa”, escolhi revisar meio sem-querer mesmo, mesmo no automático, tudo que eu era.
Peguei Dolores com carinho. Primeiro achei a pontinha mais recente e fui desenrolando todo o resto até achar a ponta mais antiga.
Queria olhar meu passado com a nova perspectiva, descobrir de onde eu tinha tirado tantas ideias sobre quem eu seria ou deveria ser, na tentativa de finalmente encontrar meu pedaço mais importante.
Até que, passeando pelos nós firmes da Dolores e andando pela cidade, pensei em como eu detestava concreto, prédio, barulho, buzina, cinza. Por outro lado, olhava para o céu e me sentia livre.
Foi mais ou menos assim que passei a descobrir a vida e a cidade de outros jeitos, me deslocando de bicicleta na maior parte das vezes. O vento no rosto, a fluidez de tudo, o mundo me pertencendo por um segundo. Eu, só eu, fazendo o caminho que quisesse, na velocidade que escolhesse.
E, finalmente, tive certeza: aquela primeira fantasia nunca foi real, nunca foi minha. [imagine um mindblow agora].
Pode ter vindo de algum filme, novela. Devo ter visto alguma mulher poderosa que eu admirava — porque mulheres poderosas sempre fizeram parte da minha vida.
Talvez, por acaso, ela usava como armadura o terninho cinza, a maquiagem e o salto alto, me levando a associar as duas coisas; poder e estilo de vida cosmopolita. Poder e sucesso. Sucesso e felicidade.
Ou, quem sabe, nem tenha sido assim a construção desse formato de vida ideal. Vai saber. Não posso dizer de onde veio a noção de que aquelas coisas eram as minhas coisas, as coisas que eu desejava. Nem importa mais, porque depois eu soube.
E descobri que o caminho seria difícil de qualquer jeito. Mas poderia ser um pouco menos pesado. Decidi seguir tentando superar os percalços certos: ilusão por ilusão, escolho a minha.
Recapitulando…
Embora essa seja uma representação precisa da minha jornada, ao longo das conversas e leituras percebi que existe sim uma ocorrência predominante nos fatores que nos levam a ser menos felizes e na sequência de checkpoints que acontece no processo que vai do ponto A (completa ilusão e piloto automático) ao ponto B (entendimento, aceitação e ação consciente).
Fatores que nos afastam do que buscamos
acúmulo de resquícios mal resolvidas que constrem nosso sistema de crenças;
projeção superestimada do instinto de defesa que nos leva a autosabotagem;
resistência em confrontar e aceitar verdades sobre nossa vida;
construção de fantasia projetada como ideal, segundo expectativas de terceiros.
Sequência de checkpoints
o processo de dor e dúvida vivido sem distrações;
a interpretação dos problemas como campo fértil de oportunidades;
risco de regredir com tentativas de esquemas de negociação com a realidade;
aceitação do que podemos e não podemos controlar e a reação diante do inevitável;
reconfiguração do nosso sistema de crenças e das verdadeiras possibilidades.
—
PRÁTICA
Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.
Por isso, gostaria de propor algo nem seu Eufrades mais atento ou sua Dolores mais enloquecida poderia negar. Ah! Se tiver postits talvez eles sejam úteis.
1. Pegue uma folha e divida em três partes/colunas. Em uma escreva Felicidade (1) Dolores (2) e Eufrades (3) – ou seu próprio nome para cada um deles. (ou baixe o arquivo prontinho, disponível no final da página)
2. Na primeira coluna responda à pergunta: “O que realmente é felicidade pra mim?”. Na segunda coluna escreva tudo aquilo que te deixa desconfortável, fruto de episódios anteriores que não foram devidamente processadas e resolvidos (coisas que as pessoas te disseram, que você viu, que sentiu, etc). Na última coluna escreva seus pensamentos mais persistentes (tanto os que te incomodam quanto os que não são um problema aparente para você) e que, na grande parte das vezes, guia suas decisões, seus objetivos, etc.
3. Analise cada um dos elementos das colunas e veja se existe algum tipo de relação entre eles. Se puder ou quiser, você também pode compartilhar com alguém de sua confiança, com quem poderá falar a respeito e facilitar no processo de insight.
4. Com bastantehonestidade, defina pelo menos ume no máximo três elementos que estão sendo obstáculos no caminho do tipo de felicidade que você busca e definiu na primeira coluna. Observação importante: pode ser, que nesse momento, você até perceba que precise alterar o que escreveu na coluna 1: tudo bem. O importante é buscar a verdade.
5. Deixe esse material guardado em algum lugar que você possa revisitar com alguma frequência e faça os ajustes que considerar necessário ao longo da sua evolução.
Se quiser, publique sua experiência no instagram e twitter usando #assimpassa ou nos envie um e-mail!
Infelizmente, é verdade, alguns armários têm saídas mais difíceis e dolorosas. De modo geral, assumir que suas opções fogem do padrão hétero-normativo é uma delas. Não é disso que estou falando aqui.
Desculpe se pareceu que quis me apropriar indevidamente do termo e da situação pra lá de diferente: não foi minha intenção. Mas realmente nada poderia definir melhor esse momento da minha vida.
Porque…sim! Eu decidi, finalmente, sair do armário. De um armário empoeirado e cheio de tranqueiras que me amarravam. Um armário com saídas não tão resistentes e ainda assim desafiantes.
Um armário, talvez, até sem portas. Com barreiras que eu mesma criei. Mas um armário onde eu (ou você) vinha me escondendo fazia muito tempo.
Ok. Não foi bem assim, tudo, tudo. Mas foi quase isso que senti. Então, pra não iludir ninguém, vou contar melhor:
Como meu “despertar” aconteceu;
Qual foi essa “revelação”;
O que eu e todo mundo que passa por isso ganha.
Onde tudo sempre começa
Lá estava eu, no meu tempo de reflexão mais explosivo: o banho.
Enquanto eu relaxava (mais ou menos) e inocentemente traçava coisas aleatórias no vidro embaçado, uma avalanche de respostas para as minhas dúvidas, medos e inseguranças surgiu.
Assim, assim mesmo, que um dos estalos mais importantes da minha vida aconteceu. Desse jeitinho, no meio do vapor, do chão, das paredes — não sei de onde.
Embora essa não tenha sido a primeira vez (inclusive, logo vou fazer um post especial sobre meus insights mais malucos e como a vida é louca) não posso deixar de me surpreender nos raros e privilegiados momentos em que acontece. É sempre insano.
Sei que algumas pessoas não entendem ou mesmo duvidam. Tudo bem. Mas eu torço para que todos, um dia, possam passar por experiências assim — onde parece que nos plugamos no universo e as coisas se conectam.
Mas nem eu acredito que isso isso tenha vindo do nada. O processo foi longo, instável e difícil (você pode entender mais sobre isso aqui) mas posso dizer que tudo, me trouxe até aquele momento . O momento do estalo. Da grande revelação.
Durante todo o mês algumas velhas dúvidas tinham voltado— ou melhor, eu voltei a elas, afinal, bom filho a casa torna. E nas últimas semanas eu vinha me perguntando, mais uma vez:
— Se não é isso, o que é? O que preciso ser? O que preciso fazer? Qual minha coisa no mundo? Por que? Por que estou aqui? Quem sou eu, afinal de contas?
Quem tem o prazer de conviver comigo (olha ela) sabe que eu encho o saco com essas perguntas existencialistas chatas, cansativas e apaixonantes. Encho o meu saco e o de todo mundo ao meu redor. E talvez seja por isso que raramente tem muita gente ao meu redor. Encho mesmo.
Mas acredito realmente que se perguntar constantemente nos sensibiliza ou, por que não dizer, nos força a ver outras coisas que não vemos no piloto automático. Portanto, caso você esteja em dúvida sobre quem você é ou se está fazendo certo alguma coisa, meu primeiro conselho não solicitado é: QUESTIONE, alimente esta dúvida dentro de você.
Não se deixe levar pelas distrações fáceis. Não ofusque o medo, a dúvida, a insegurança. Nem de você nem dos outros em quem confia. Converse sobre isso sempre que possível, leia sobre isso sempre que possível.
Até que as respostas venham. Porque mesmo que depois elas mudem, uma coisa é verdade:
Elas sempre vêm
Então, como já aconteceu diversas outras vezes, entrei no banho (porque sou pobre, mas sou limpinha). Mas quem saiu de lá, não foi a mesma Luana. Entrei uma pessoa, saí outra.
Entrei uma Luana. Cheia de dúvidas, medos, incertezas, inseguranças e todos os ingredientes bem especiais que cada um chama de um jeito.
Verdade, entrei aquela Luana. E saí com o mesmo rosto, as mesmas espinhas, a mesma altura. Mas quem saiu de lá não era mais “a eu” de antes. É isso, de que outro jeito posso explicar? Simplesmente entrei no banho uma pessoa e saí outra.
Não sei se foi um upgrade. Mas posso garantir que foi um lançamento cheio de empolgação e de expectativas que só dependiam de mim.
Porque, como eu saí?! Certa, certinha, de como tava entendendo e fazendo tudo errado. E ao mesmo tempo radiante por que agora eu sabia como acertar. Fiquei repetindo, em silêncio e em barulho, para mim mesma, para quem pudesse ouvir:
Como pude ser tão cega? Como demorei tanto tempo? Estava ali o tempo todo.
— Eu sou de humanas. Ponto. Sou de humanas, gente. Sempre fui. Pronto. Falei. Revelação.
desculpa, não posso evitar
Sem querer ser piegas e manifestar claramente que sou do tempo do Orkut ou estereotipar – afinal sou suficientemente adulta para saber que aqueles gráficos que dividem as pessoas em dois grupos são ótimos parar rir mas não servem na vida real – essa realmente foi uma frase que fez sentido.
Deixe-me explicar. Durante uma grande parte da minha história eu fui calada e reservada. Eu morria de medo de me expor e de me arriscar. Portanto, passadas as primeiras rejeições e a descoberta de que o mundo podia ser bem cruel, aprendi uma forma nova de viver.
E nesse modelo eu calculava tudo. Eu imaginava cada ponto, cada estratégia, cada risco. Por isso, naturalmente, muitas pessoas, ao longo da vida, me viam como analítica, ponderada, razoável. Até passei a ser muito boa em matemática. Ou seja, um típico quadro das exatas.
Outro ponto favorável é que, mesmo nas minhas fases mais sociáveis, estar sozinha era um verdadeiro oásis para mim, e nunca gostei muito de falatório e “gentarada” – mais um ponto para exatas. Mas não.
Eu sou de humanas
É claro que estas deturpações de percepção só mostram como estereótipos do tipo não ajudam em nada no processo de autoconhecimento.
E não há dúvida de que minha pertença ao grupo de “exatas” se desfazia assim que as pessoas me conheciam melhor ou descobriam segredos tenebrosos sobre mim, como minha adoração por literatura e ficção, ou o fato de que eu escrevia poesia.
Mas, vamos lá! Você entendeu o uso da polarização, certo?! O fato é que entrei sendo só Luana, a “o que”. Saí sendo Luana, a artista.
Sei que pode parecer até bobagem. Que isso não deve ter acontecido exatamente como contei a vocês. Mas foi. Foi como se, no banho, eu tivesse cruzado com um Mestre dos Magos do bem (tenho certeza).
E ele, ao invés de sugestões vagas, ao invés de um mapa confuso, de uma fórmula inteligível ou uma charada misteriosa impossível, tivesse me dado — meio apagadinho pela poeira do tempo, do esquecimento e da negligência, mas ainda lindo — o tesouro prontinho.
E foi como se eu o tivesse recebido tal qual uma mãe recebe um filho perdido que finalmente foi reencontrado: maltrapilho, esfomeado, implorando por afeto e trato.
Eu o aceitei com carinho e vi todo o brilho opaco. Precisava tirar o pó para a luz sair e depois seguir a função que nunca deveria ter parado: alimentá-lo, lapidá-lo, ajudá-lo a ser no mundo.
É verdade, ele foi para lá porque tive vergonha. Esse tempo todo, sempre foi vergonha. Nunca foi incompetência. Nunca foi falta — a não ser de vergonha na cara. Porque quase sempre eu me deixava levar por um caminho mais atraente. Mais fácil, mais certo.
Demorei. Demorei demais. Mas já entendo que cada dor e cada alegria foram necessários. Pontuaram meu caminho até aqui, deram o ritmo necessário na hora certa.
Nada foi em vão. Aprendi umas coisas aí. Uma delas foi que descobri e aceitei que eu não posso controlar o meu destino. Mas posso coordenar minhas ações. Posso parar de ter vergonha. Posso me expor. Expor quem eu sou de verdade.
E isso que nunca menti a respeito. No entanto, ter que me esconder para fazer as coisas de que eu gostava – coisas que eu sabia que não deixaria de fazer e nunca fiz para ganhar nada exceto a satisfação por si só – já não parecia mais fazer sentido.
Como escrever. Aliás, foi a primeira. Aprendi a ler e escrever razoavelmente cedo. E lembro que desde então eu gostava ainda mais da segunda função.
Escrever sempre foi minha forma de expressão preferida (diferente dos meus pais e pessoas que receberam algumas cartas nada elogiosas). A escrita sempre foi a forma com que me imprimia no mundo e deixava ele imprimir em mim.
Eu não saberia dizer se sempre escrevi porque sempre pensei demais, ou o inverso. Mas a verdade é que essa paixão foi descobrindo novas maneiras de se declarar.
Assim, me deparei com uma porção de coisas que complementavam a minha necessidade de me expressar: o lettering, as cores, colagens, fotografias.
Não posso escolher um só. Desculpa, escrita. Desculpa a todo mundo que tentou me dizer que não posso ficar com tudo: eu descobri que, na verdade, não posso NÃO ficar. Tudo sou eu.
Então, agora, estou oficializando o romance e assumindo esse filho. Mas é mais que isso. Estou oficializando e assumindo esse relacionamento bem poligâmico com minha natureza artística.
Não foi o blog que nasceu assim. Eu renasci através disso. Essas coisas foram nascendo em mim, e agora estou parindo. Minha vida não terá mais filho fora do casamento. Assumi tudo.
Estou subindo no palco da minha vida, assumindo todos os riscos, todas as vaias e cada pequeno aplauso — porque sei que vou falhar muitas vezes. Tomara: estou pronta para aprender com cada falha.
Então…por que mesmo que é importante assumir quem somos?
Bom, essa era a pergunta inicial mas, se não ficou totalmente claro e se meu falatório confundiu um pouco, vou resumir em cinco tópicos, te dizendo as coisas que a gente ganha quando decide ser a gente mesmo e se abraça com tudo que isso significa.
Liberdade para fazer coisas malucas que antes não se permitia;
Leveza e capacidade de lidar consigo mesmo com gentileza e compaixão;
Autonomia para realizar e decidir as próprias coisas;
Compreensão de coisas que você achava que tinha dado errado;
Alívio por se livrar da sensação constante de que você tomou a decisão errada.
Se você acha pouco, acha que não precisa disso, segue aí sua vida. Mas se você acha que dá pra fazer melhor com o presente que é a vida, é fácil começar.
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PRÁTICA
Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.
1. Pegue uma folha e escreva nela todos os armários e tranqueiras da sua vida. Todas as coisas que te prendem e das quais você gostaria de se libertar. Todas as suas dores, dúvidas, medos (se quiser, você pode registrar com uma foto e salvar em algum lugar); 2. Depois separe os itens anotados, recortando e pensando individualmente em cada um deles, dobrando e colocando em qualquer lugar assim que concluir de pensar o que precisar sobre ele; 3. Espere algum tempo (recomendo no máximo um mês) e mantenha-se sensível, nesse período, a identificar gatilhos e manifestações destas coisas que você anotou; 4. Após o período, acesse novamente os papeis e reveja, e lembrando-se dos gatilhos e manifestações observados; 5. Tire suas conclusões e estipule uma meta/ação a partir delas. Algo simples que você possa fazer e acompanhar. (quanto aos papeis, você pode queimá-los, rasgá-los, cuspir neles, o que bem entender).
Se quiser, publique sua experiência no instagram e twitter usando #assimpassa ou nos envie um e-mail!