O que nos impede de ser mais feliz?

Desculpe. Eu me desautorizei expressamente de responder perguntas genéricas desse tipo para a sua vida. Porque, infelizmente (será?) eu não te conheço. Mas, para tentar ajudar no caminho tortuoso rumos aos tesouros do autoconhecimento, vou compartilhar minhas descobertas. 

O descontrole da Dolores, do Eufrades e outras coisas aí

Sabe quando sua mãe, qualquer adulto ou seu primo mais velho que se achava o sabichão, dizia que você não era todo mundo? Poisé, nesse caso, você é sim.

Porque todo mundo, até vocêzíssimo, acumula coisas ao longo da vida que vão dando forma a sua existência. Então a gente vai seguindo morreba abaixo, morreba acima, e na retona da vida. E nisso a gente vai catando coisinhas no caminho.

Aqui nem estou falando de coisas propriamente materiais. Estou falando exatamente do que é intangível, mas perene ao longo de todo esse caminho. Vamos chamar essa bolinha — esse emaranhado de coisas confusas que remoemos ao longo da vida, de Dolores

as coisas que acumulamos ao longo da vida costumam direcionar para onde seguimos ou podemos seguir
não entenda mal, o nome não é para ser sugestivo…amo minha Dolores, e espero que você ame a sua também!


Assim, conforme o tempo vai passando, nossas Dolores também se transformam. Aumentam, diminuem, desaparecem e se adequam a momentos e distrações que as levam para longe.

Ainda que a Dolores de cada um deva ser respeitada, até eu sou obrigada a concordar que ás vezes deixamos que ela passe dos limites, principalmente quando se junta com Eufrades, um competente radar-auto-falante-esponjoso.

Pelo menos é assim que eu vejo esses dois amores.

Vamos falar desse romance

Eu sempre fui muito perceptiva a tudo ao meu redor que, por qualquer razão, me interesasse. Então minha Dolores ficou grande e forte rapidinho, assim como eu. 

No entanto, manter o foco nunca foi muito uma habilidade minha. Sempre fui mais acumuladora do que propriamente uma agente de mudança.

tem horas que a gente se surpreende com a gente mesmo


Então eu só ia engordando a Dolores, sem nunca pôr aquela massa de coisas a trabalhar. Mesmo assim (ou talvez por isso), vez ou outra a Dolores ficava tão distante que eu não conseguia ver e a vida parecia mais simples.

Mas meu radar continuava ligado e eu não deixava de ser esponja, absorvendo tudo que via, lia, escutava — reverberando essa “riqueza” de conteúdo dentro de mim. 

Esse competente radar-auto-falante-esponjoso é a quem chamo de Eufrades

Nunca importaram as circunstâncias: Eufrades se comportava sempre um dedicado trabalhador, repetindo continuamente tudo que eu precisava fazer: estudar para ter um bom emprego; emagrecer para ser saudável, aceita e feliz; socializar mais e gastar menos tempo na biblioteca com medo do mundo. 

E não posso dizer que ele estava totalmente errado. 

No entanto, ás vezes, ele ficava sem controle e achava muito coerente me lembrar que eu precisava, urgentemente, planejar toda a minha vida, pois iria ficar para trás. “Já está ficando”, ele dizia ás vezes. Ou: “Não adianta nada ficar olhando pro horizonte…como você vai chegar lá?”.


Então, comecei a traçar planos e sonhos reais

E, com mais ou menos treze anos, resolvi tudo, torcendo para o Eufrades fechar aquela matraca. Decidi, por exemplo, que ter meu próprio apartamento e carro aos 23 – no máximo 24 (porque ne, eu era muito realista) – e trabalhar em um lugar com chão de vidro transparente.

Lá, eu andaria fazendo um toc-toc ritmado e sutil com meu salto; desfilaria com meu conjunto de alfaiataria cinza grafite, meu cabelo bem arrumado e uma pasta de couro elegante e feminina nos braços.

a expectativa e a realidade dos nossos sonhos e a nossa verdasdeira felicidade
até a poderosa Jéssica Pearson estava aquém da minha imaginação, mas digamos que era mais ou menos assim


Quando eu passasse, as pessoas me olhariam com admiração e respeito sem que eu me sentisse constrangida: porque eu simplesmente saberia que era merecedora daquilo, e aí tudo bem.

De manhã eu iria acordar e minha assistente pessoal estaria me aguardando com uma mesa de café da manhã simples e deliciosa, composta de geleias e suco natural; croissant, queijos e frios, ovos cozidos no ponto que eu gosto.

Eu tomaria o café já perfeitamente arrumada, sem um fio saindo do penteado. Maquiagem no ponto. Sairia de casa assim, impecável.

Do mesmo modo, chegaria ao meu posto de trabalho, onde exerceria algum ofício de excelente rendimento, com a competência e alto desempenho que me garantiriam crescer absurdamente e ganhar ainda mais.

Só que não

Nem preciso dizer que, nessa fantasia, quase tudo mudou. Até porque o despertador tocou e a vida real começou a chamar.

No meio do caminho, assim que tive a primeira oportunidade de começar a me tornar aquela pessoa, achei que simplesmente não tinha amadurecido o suficiente e não era digna desse papel ainda

Depois, mais velha, blindada e madura…bem, eu seguia me sentindo igual: com aquele peso incongruente de assumir o conjunto de alfaiataria cinza, salto alto, maquiagem diária, e roupas elegantes de todo dia (e eu sequer sentia que era merecedora de respeito ou admiração).

Algo estava errado (e ficou ainda mais)

Foi o que comecei a perceber, sem me dar conta do quão urgente era eu descobrir. Até que entendi, aos poucos, com um passo de cada vez, as batalhas pelas quais precisava lutar.

O primeiro estopim da guerra que travei dentro de mim foi quando perdi meu pai de uma forma dolorosamente inesperada.

Não quero usar de drama para conquistar mas é inevitável falar da minha trajetória/dos meus grilos e preocupações, sem falar daquele momento: porque eu realmente achei que não poderia suportar.

Mas, como humana obediente e sem a devida inteligência emocional, segui com esmero cada etapa do luto: odiei a vida, o mundo, as pessoas. Tinha raiva. 

Uma sensação insuportável de impotência e “desnecessidade” do existir tomou conta de mim. E é claro: eu não estava disposta a ouvir nada, embora muita gente tivesse tentado me dizer coisas importantíssimas.

Nesse processo, as conversas, o apoio e a troca de idéias que encontrei num grande amigo meu foi fundamental. Voltei a questionar alguns parâmetros, fazer perguntas sobre o mundo, sobre mim mesma.

Sobre a vida. Sobre como realmente não somos e não controlamos nada e como digerir e digerir tudo.

Hoje entendo que tudo realmente acontece por uma razão — além disso, era uma forma de tentar dar algum sentido à  “despessoalidade” daquele homem que eu supunha ser forte o suficiente para ser eterno. 


O primeiro checkpoint é a dúvida

Se existe uma palavra especial para nossos saltos no idioma francês, talvez o impulso para esses pulos também mereça nossa atenção. Você já passou por momentos assim? Um episódio marcante na sua vida?

Se já, é possível que tenha se deparado com dúvidas originárias, e poderia identificar pelo menos uma engrenagem, dentro de você, que passou a funcionar diferente.

Caso esteja passando por algo semelhante, a pessoa que você será depois que tudo se resolver, já não será a mesma. Se você não passou, um dia vai passar. Espero que lembre-se do que vou dizer. 



São os momentos de queda que antecedem o salto. Acredite: por mais difícil que seja, a dor tem um potencial enorme de nos transformar.

E acho que isso ocorre porque normalmente ela nos coloca em dúvida. Cria perguntas que não existiam e reverbera outras que decidimos simplesmente deixar de lado e fingir que nunca existiram – até aquele ponto.

Bom, embora esse não tenha sido o primeiro quatervois da minha vida, certamente foi o primeiro mais doloroso: questionei tudo, duvidei de tudo e, a partir daí, fui reconfigurada

Não entendam errado: não acho que a dor seja o único caminho. Pelo contrário, penso que não deve ser. Mas diante do inevitável da vida, pode ser uma ótima (embora cruel) propulsora da dúvida.

Afinal, duvidar é um dos sinais mais sublimes da nossa evolução: é um momento excelente para dar espaço a outras possibilidades.

Foi assim que uma possibilidade alternativa começou a se desenhar na minha cabeça: um contexto mais ameno, que já tinha permeado minha imaginação em outras ocasiões, voltou para disputar com aquela fantasia urbana de comercial de banco dos anos 90.


Fez-se luz: uma nova imagem começava a se formar

Nela, eu levava uma vida simples, vestia roupas confortáveis, estava de cara limpa, com o cabelo no máximo preso num coque. 

Sentada em uma mesa, eu podia sair de vez em quando para ver o verde, o céu, ouvir os pássaros; observar o mar ou alguma extensão de água e voltar ao trabalho, com um sorriso tranquilo.

Mesmo assim, por mais alívio que essa construção me trouxesse, vi como uma opção bastante ponderada dividir tais circunstâncias: poderia trabalhar na cidade, e depois chegar em casa, num lugar tranquilo e em paz.

Nem preciso explicar como isso estava errado. Mas ainda levei tempo para perceber que essa fenomenal flexibilidade era, na verdade, uma dualidade inviável e frustrante. 

Primeiro porque descobri que nunca estaria pronta para a projeção cosmopolita e urbana: aquele papel não me pertencia, seria só isso, um personagem.

Segundo porque comecei a entender algo que, para mim, hoje, faz muito sentido: não dá para ser metade autêntico e se dividir assim torna tudo ainda mais difícil.


Somos um só. E insistir em ir para dois caminhos tão opostos pode nos dividir tanto, a ponto de perdermos um pedaço da gente.

sobre autenticidade - trecho Lucifer S04E06 - sábia Dra. Linda
 sábia Dra. Linda


Era hora de dar uma esticada na Dolores

Então, quando notei que precisaria decidir, mas realmente não enxergava a opção “certa”, escolhi revisar meio sem-querer mesmo, mesmo no automático, tudo que eu era.

Peguei Dolores com carinho. Primeiro achei a pontinha mais recente e fui desenrolando todo o resto até achar a ponta mais antiga. 

Queria olhar meu passado com a nova perspectiva, descobrir de onde eu tinha tirado tantas ideias sobre quem eu seria ou deveria ser, na tentativa de finalmente encontrar meu pedaço mais importante.

Até que, passeando pelos nós firmes da Dolores e andando pela cidade, pensei em como eu detestava concreto, prédio, barulho, buzina, cinza. Por outro lado, olhava para o céu e me sentia livre. 

Foi mais ou menos assim que passei a descobrir a vida e a cidade de outros jeitos, me deslocando de bicicleta na maior parte das vezes. O vento no rosto, a fluidez de tudo, o mundo me pertencendo por um segundo. Eu, só eu, fazendo o caminho que quisesse, na velocidade que escolhesse.

E, finalmente, tive certeza: aquela primeira fantasia nunca foi real, nunca foi minha.  [imagine um mindblow agora].

Pode ter vindo de algum filme, novela. Devo ter visto alguma mulher poderosa que eu admirava — porque mulheres poderosas sempre fizeram parte da minha vida.

Talvez, por acaso, ela usava como armadura o terninho cinza, a maquiagem e o salto alto, me levando a associar as duas coisas; poder e estilo de vida cosmopolita. Poder e sucesso. Sucesso e felicidade.

Ou, quem sabe, nem tenha sido assim a construção desse formato de vida ideal. Vai saber. Não posso dizer de onde veio a noção de que aquelas coisas eram as minhas coisas, as coisas que eu desejava. Nem importa mais, porque depois eu soube.

E descobri que o caminho seria difícil de qualquer jeito. Mas poderia ser um pouco menos pesado. Decidi seguir tentando superar os percalços certos: ilusão por ilusão, escolho a minha. 

Recapitulando…

 

tire os entulhos do seu caminho que te impedem de ser mais feliz

 

Embora essa seja uma representação precisa da minha jornada, ao longo das conversas e leituras percebi que existe sim uma ocorrência predominante nos fatores que nos levam a ser menos felizes e na sequência de checkpoints que acontece no processo que vai do ponto A (completa ilusão e piloto automático) ao ponto B (entendimento, aceitação e ação consciente).

Fatores que nos afastam do que buscamos

  • acúmulo de resquícios mal resolvidas que constrem nosso sistema de crenças;
  • projeção superestimada do instinto de defesa que nos leva a autosabotagem;
  • resistência em confrontar e aceitar verdades sobre nossa vida;
  • construção de fantasia projetada como ideal, segundo expectativas de terceiros.

Sequência de checkpoints

  1. o processo de dor e dúvida vivido sem distrações;
  2. a interpretação dos problemas como campo fértil de oportunidades;
  3. risco de regredir com tentativas de esquemas de negociação com a realidade;
  4. aceitação do que podemos e não podemos controlar e a reação diante do inevitável;
  5. reconfiguração do nosso sistema de crenças e das verdadeiras possibilidades.

 

PRÁTICA

Para não deixarmos que minhas maluquices morram na praia, vou buscar sempre deixar uma prática: uma sugestão de algum exercício que me trouxe um bom resultado, fruto do instinto, das leituras ou das conversas com outras pessoas.

clique para ouvir a música recomendada para essa prática
Por isso, gostaria de propor algo nem seu Eufrades mais atento ou sua Dolores mais enloquecida poderia negar. Ah! Se tiver postits talvez eles sejam úteis. 
1. Pegue uma folha e divida em três partes/colunas. Em uma escreva Felicidade (1) Dolores (2) e Eufrades (3) – ou seu próprio nome para cada um deles. (ou baixe o arquivo prontinho, disponível no final da página)

2. Na primeira coluna responda à pergunta: “O que realmente é felicidade pra mim?”. Na segunda coluna escreva tudo aquilo que te deixa desconfortável, fruto de episódios anteriores que não foram devidamente processadas e resolvidos (coisas que as pessoas te disseram, que você viu, que sentiu, etc). Na última coluna escreva seus pensamentos mais persistentes (tanto os que te incomodam quanto os que não são um problema aparente para você) e que, na grande parte das vezes, guia suas decisões, seus objetivos, etc.  

3. Analise cada um dos elementos das colunas e veja se existe algum tipo de relação entre eles. Se puder ou quiser, você também pode compartilhar com alguém de sua confiança, com quem poderá falar a respeito e facilitar no processo de insight.

4. Com bastante honestidade, defina pelo menos um e no máximo três elementos que estão sendo obstáculos no caminho do tipo de felicidade que você busca e definiu na primeira coluna. Observação importante: pode ser, que nesse momento, você até perceba que precise alterar o que escreveu na coluna 1: tudo bem. O importante é buscar a verdade. 

5. Deixe esse material guardado em algum lugar que você possa revisitar com alguma frequência e faça os ajustes que considerar necessário ao longo da sua evolução.
Se quiser, publique sua experiência no instagram e twitter usando #assimpassa ou nos envie um e-mail!

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